quarta-feira, 31 de julho de 2019

TABELA DE FRETE VAI SER RUIM PARA TODA A SOCIEDADE, INCLUINDO CAMINHONEIROS

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou que nesta semana será fechado acordo sobre tabela de cobrança de fretes mínimos entre as categorias dos caminhoneiros, transportadoras e dos embarcadores (empresas que contratam os fretes de transporte de carga rodoviária), relembrando os acordos de preços patrocinados pelo antigo Conselho Interministerial de Preços (CIP) iniciados na década de 70, que só nos levaram à hiperinflação das décadas de 80 e do início de 90.

A única diferença relevante é que naquele momento o governo tentava infrutiferamente evitar um aumento generalizado dos preços, enquanto hoje o Estado está trabalhando para sancionar um cartel, cujo efeito será o encarecimento do transporte de carga.

Este tipo de movimento que estamos vivenciando é relatado na literatura econômica e mostra que muitas vezes determinados grupos de interesse procuram usar seu poder coercitivo para obter objetivos próprios, em detrimento do resto da sociedade. A regulação passa, assim, a ser utilizada para criar e coordenar o cartel desejado, se sobrepondo aos princípios constitucionais e à legislação específica de defesa da concorrência.

O grande problema é que o efeito nocivo do aumento de preços acabará se espalhando para toda economia, inclusive para os caminhoneiros independentes. Isto porque o aumento do frete elevará os custos para as empresas, que procurarão repassá-los aos consumidores finais. E neste processo haverá mais perdedores do que ganhadores.

Em mercados nos quais essas empresas têm maior poder de mercado, por exemplo, esse repasse será maior, fazendo com que o consumidor pague mais caro pela entrega do produto. Em outros mais competitivos, nos quais os preços dos produtos não sejam elevados, e cujas margens de lucro sejam baixas, poderá haver saída de empresas do mercado, implicando inclusive perda de postos de trabalho.

Há que se considerar também dois outros aspectos. Algumas empresas certamente entenderão que, com os níveis de preços definidos, será menos custoso operar com frota própria, conforme já relatado na imprensa. Ademais, o resultado de eventuais repasses de preços para o consumidor final também reduzirá a demanda para vários produtos. Em outras palavras, o tal argumento da garantia de renda para uma categoria que é tão importante para o país só resultará na óbvia redução generalizada de demanda por transporte de carga, afetando com muito mais força os caminhoneiros independentes, que têm menor poder de barganha do que aquelas empresas de transporte que têm feito lobbies em Brasília.

A solução correta para o problema atual exige a compreensão de dois aspectos. O primeiro deles envolve a política anterior de financiamento fácil de caminhões pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que teve por objetivo atender a outro grupo (o dos fabricantes de caminhões), mas que nos levou a um excesso de oferta no setor. O segundo está relacionado à queda generalizada na demanda no país, derivada da crise econômica gestada ao longo de anos. Formou-se, portanto, um descasamento entre oferta e demanda neste mercado.

Diante deste quadro, seria mais produtivo o governo concentrar seus esforços em medidas que retomem o crescimento econômico, elevando a demanda futura, em vez de sancionar um cartel com os efeitos aqui descritos. No limite do bom senso de política econômica, poderia ainda ser implementado algum tipo de mecanismo que minimize a perda dos caminhoneiros independentes, como um programa de recompra de caminhões usados.

Chama a atenção, ainda, a subserviência da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) neste processo, órgãos típicos de Estado com autonomia decisória. Infelizmente, se a decisão sobre o tabelamento não for revista rapidamente pelo Supremo Tribunal Federal, instituição responsável por zelar pelo princípio constitucional da livre concorrência, estaremos seguindo a velha estratégia brasileira de adotar “falsas soluções” de curto prazo, que sempre acabam criando problemas muito maiores no longo prazo.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 31/7/2019.”

quarta-feira, 24 de julho de 2019

FALTA DE DIRIGENTES NO ÓRGÃO DA CONCORRÊNCIA DO PAÍS PODE AFETAR A ECONOMIA

Neste ano o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) fez sua última sessão no dia 8 de julho, já sem um conselheiro. De lá para cá, mais três conselheiros tiveram seus mandatos encerrados, e até o final do ano terminará também o do superintendente-geral (uma espécie de promotor da concorrência). O Executivo já havia encaminhado dois nomes para a sabatina do Senado, que, até o momento, não deu andamento a este processo.

Notícias divulgadas recentemente na imprensa dão conta de que esta paralisia estaria associada a uma queda de braço entre Executivo e Congresso para indicarem os novos nomes. O grande problema desta disputa é que, se levada à frente por muito tempo, afetará a economia do país.

As pessoas, em geral, associam decisões do Cade à defesa dos consumidores. Em que pese isso seja em parte verdade, as decisões do órgão têm um espectro muito maior, afetando decisões de investimentos na economia, com reflexos sobre o nível de emprego e competitividade do país.

O Cade atua fundamentalmente de duas maneiras. A primeira exercendo um controle sobre a estrutura, impedindo ou impondo restrições àquelas fusões ou aquisições que possam gerar mercados excessivamente concentrados. Ao fazer isso, o órgão procura evitar que sejam criados grandes empresas ou conglomerados que possam reduzir a quantidade ou a qualidade dos produtos oferecidos e elevar preços no mercado.

A segunda função do Cade é a repressiva e visa evitar que sejam praticadas condutas anticompetitivas, tais como a formação de cartéis, discriminações de preços ou imposição de restrições que impeçam a entrada e crescimento de competidores no mercado.

Toda a lógica econômica indica que estruturas de mercado mais competitivas produzem resultados melhores para a sociedade. No curto prazo, mais competição implica maior oferta de produtos, mais produção com mais emprego, além de menores preços. No longo prazo, a concorrência exige também das empresas mais investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Como resultado, são apresentados novos e melhores produtos e incorporadas tecnologias mais eficientes, com custos de produção menores. É exatamente por este ciclo virtuoso que as principais economias do mundo têm como um dos princípios básicos de desenvolvimento a defesa da concorrência.

Em um cenário como o nosso de paralisia da economia, não parece razoável travar o processo decisório do Cade. Ao contrário, a escolha dos novos membros do órgão deve ser rápida e observar o elevado nível de especialização exigido dos novos conselheiros no trato dos vários casos que terão que julgar. Não há espaço para indicações que não sejam eminentemente técnicas e de pessoas que não conheçam a área da concorrência, sob pena de atrapalharmos no futuro o bom funcionamento da economia.

De maneira clara, a falta de decisões consistentes do Cade, que consolidem uma jurisprudência pró-competição, pode comprometer o ambiente de negócios e inibir investimento no país.

Nesta linha, a Lei das Agências, sancionada recentemente pelo presidente Bolsonaro, traz critérios objetivos e técnicos de indicação para cargos de primeiro escalão nessas autarquias. Tais critérios poderiam também servir de balizadores no processo de escolha dos novos membros do Cade, mesmo que as indicações sejam negociadas com o próprio Congresso, para evitar uma demora ainda maior na recomposição do órgão.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 24/7/2019.”

sexta-feira, 19 de julho de 2019

DECISÃO DE TOFFOLI SOBRE DINHEIRO SUSPEITO AFETA COMBATE A CRIME E ECONOMIA

Nesta última terça-feira (16) o ministro Dias Toffoli suspendeu em caráter liminar todas as investigações que foram baseadas em dados fiscais repassados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal ao Ministério Público sem autorização judicial. Não pretendo aqui questionar se estavam presentes os requisitos para a concessão de “medida cautelar”, mas sim avaliar os efeitos da manutenção desta decisão pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

A restrição a que a Receita Federal e principalmente o Coaf informem movimentações suspeitas às autoridades de persecução criminal (Ministério Público, por exemplo) dificultará sobremaneira o combate aos crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Isto porque muitas vezes as autoridades de investigação não têm nenhum indício de quais os crimes podem estar sendo praticados. E esta limitação só é corrigida quando a Receita ou o Coaf identificam potencias movimentações “estranhas” e as comunicam para os órgãos de investigação. Exigir que essa comunicação seja realizada mediante solicitação judicial poderá burocratizar absurdamente o processo, além de atravancar o já lento e ineficiente Judiciário nacional.

Neste contexto, haverá um incentivo para a atuação de potenciais infratores, uma vez que elevará os ganhos líquidos associados às práticas criminosas aqui tratadas. Em particular, há que se realçar que o crime de lavagem de dinheiro está associado a vários outros crimes antecedentes, tais como corrupção, tráfico de drogas, terrorismos, sequestro, colarinho branco e à própria sonegação.

Assim, a manutenção da decisão do ministro Toffoli, ao dificultar as investigações, acaba estimulando os crimes com tais características, o que implicará o comprometimento do bom funcionamento da economia brasileira. O crime de sonegação, por exemplo, distorce as condições de competição nos mercados, desestimulando investimento de empresas sérias e produtivas. O de corrupção, além de ter impacto negativo sobre as contas públicas, também pode afetar as condições de concorrência. Os de tráfico de drogas, terrorismo e sequestro exigem mais alocação de recursos públicos para combatê-los. E assim por diante.

Não por outra razão que, desde a década de 90, a maioria dos países tem aperfeiçoado a legislação com o intuito de combater mais fortemente os crimes de sonegação e de lavagem de dinheiro. No Brasil, até então, a legislação e a própria atuação das autoridades têm caminhado em linha com experiência internacional. Mais do que isso, o país tem procurado seguir à risca os 40 pilares do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi/FATF), organização intergovernamental cujo propósito é desenvolver e promover políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

Reverter a prática adotada atualmente implicará não só reduzir a eficiência do nosso sistema de combate à lavagem de dinheiro, com graves efeitos sobre nossa economia, mas também atropelar acordos internacionais firmados de adoção de melhores práticas. E se isso ocorrer, certamente não conseguiremos manter o mesmo nível de cooperação internacional que tem nos permitido recuperar tantos recursos no exterior, frutos de crimes aqui praticados.

A esperança é que o ministro Toffoli repense os efeitos de sua medida liminar ou que o plenário do Supremo tome rapidamente uma decisão definitiva sobre o assunto, observando as melhores práticas internacionais e usando um pouco da lógica contida na Análise Econômica do Direito.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 19/7/2019.”

terça-feira, 16 de julho de 2019

BNDES PRECISA DE OUTRAS COISAS, E NÃO DEBATE ESQUIZOFRÊNICO DE CAIXA-PRETA

Nesta semana Gustavo Montezano assume o cargo de novo presidente do BNDES em meio a um debate esquizofrênico sobre a suposta falta de transparência e os prejuízos incorridos pelo banco durante o governo PT.

É claro que transparência é o mínimo que se espera quando tratamos de “recurso público”, principalmente quando envolve também dinheiro do trabalhador brasileiro. E nada impede que investigações internas e outras eventualmente realizadas por CPIs ou pelo Ministério Público Federal, desde que devidamente motivadas e apoiadas em medidas judiciais, possam esclarecer eventuais dúvidas sobre a lisura das operações realizadas pela instituição. Mas este não deveria ser o foco do novo presidente.

A insistência na discussão sobre a lucratividade do BNDES também não contribui para o debate, uma vez que os dados agregados disponíveis dizem muito pouco sobre operações específicas. Ademais, a correta análise de eficiência de um banco público envolve muito mais do que aspectos financeiros e deve englobar também critérios como a contribuição ao desenvolvimento econômico e tecnológico, questões socioambientais e até mesmo institucionais. Ou seja, o impacto sobre o bem-estar agregado da sociedade é o que importa.

O mais produtivo seria investigar os efeitos das diretrizes econômicas passados sobre o conjunto dos aspectos aqui citados, o que nos levaria a reconhecer os efeitos nocivos da “política de campeões nacionais” sobre as estruturas dos mercados e consequentemente sobre o consumidor nacional, além do impacto negativo do aumento da dívida do banco com o Tesouro Nacional sobre variáveis macroeconômicas.

Com base neste diagnóstico, e aplicando o princípio econômico que sugere que bancos públicos de desenvolvimento devam atuar fundamentalmente para corrigir falhas de mercado, poderíamos prescrever missões mais adequadas para o BNDES. 

A primeira delas seria direcionar recursos para áreas nas quais os bancos privados não tenham interesse ou para casos em que o custo da operação financeira com as instituições privadas seja excessivamente elevado (dado o risco incorrido), mas cujo resultado para a sociedade seja muito positivo e, portanto, desejável. São exemplos de situações como esses projetos que envolvam inovação ou responsabilidade socioambiental e determinados investimentos em infraestrutura que tenham retorno muito incerto, mas que elevem a produtividade da economia ou ampliem o bem-estar social.

A segunda implicaria reduzir o tamanho do banco, devolvendo ao longo do tempo os empréstimos realizados com o Tesouro Nacional. Isso permitiria reduzir a dívida pública, ampliar a oferta de dinheiro no mercado, com implicações, inclusive, sobre as taxas de juros praticadas.

Subsidiariamente, dada o corpo técnico qualificado da instituição, caberia também ao BNDES auxiliar na modelagem do processo de desestatização que, se implementado, poderá elevar sobremaneira a produtividade da economia brasileira e auxiliar a reduzir nossa dívida pública.

O grande problema para Bolsonaro é que, se o novo presidente do BNDES se concentrar no que é realmente relevante, apenas repetirá o que Joaquim Levy vinha fazendo.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 16/7/2019.”


sexta-feira, 12 de julho de 2019

MUDANÇAS NO PROJETO DA PREVIDÊNCIA OBRIGARÃO A UMA NOVA REFORMA EM 10 ANOS

Qualquer pessoa que acompanhe a evolução demográfica da população brasileira, que tenha algum conhecimento em contas públicas e em cálculo atuarial não teria dúvidas sobre a necessidade da reforma da Previdência. Se nada fosse feito, o déficit continuaria crescendo a taxas mais elevadas, acabando com qualquer possibilidade de o Estado brasileiro executar políticas públicas, inclusive aquelas que envolvam distribuição de renda.

Mas a pergunta que ficou depois da aprovação da atual proposta em primeiro turno na Câmara: é que reforma é esta e qual seu efeito no longo prazo? Em outras palavras, ela é justa e eficiente? Resolvemos definitivamente o problema do déficit da Previdência?

Em primeiro lugar, as críticas sobre injustiças podem ser parcialmente aceitas na medida em que determinados grupos e setores da sociedade têm mantido ao menos parte de suas vantagens quando comparados aos demais. São exemplos disso a retirada do setor rural da reforma, a redução da idade mínima para mulheres e alguns benefícios mantidos para policiais federais e do Distrito Federal, além, obviamente, da forma como está apresentada a proposta para os militares.

Em segundo lugar, o jabuti político do aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para os grandes bancos só introduz distorções e ineficiências que serão pagas por toda sociedade. Em um ambiente de elevada concentração bancária e falta de concorrência, o aumento da alíquota será facilmente repassada via elevação de tarifas e de taxa de juros. E quem mais necessita de crédito são, em geral, os mais pobres e as empresas que geram empregos. Ademais, ainda não está claro como a CSLL será tratada na reforma tributária, podendo implicar perda de recursos no futuro para a Previdência.

Em terceiro, a retirada de uma espécie de gatilho automático para a mudança na expectativa de sobrevida nos obrigará em um curto espaço revisar a idade mínima para a aposentadoria, uma vez que os dados demográficos indicam que felizmente as pessoas viverão cada vez mais no Brasil. O problema é que o retorno a essa discussão implicará mais um desgaste político e econômico para o país.

Em quarto, a não inclusão de estados e municípios é o que há de mais preocupante no texto aprovado, uma vez que o maior dos problemas do déficit público brasileiro está exatamente nesses entes federativos. A ausência de solução para esta questão certamente fará com que eles recorram em breve ao governo federal em busca de recursos, contaminando todo o esforço da reforma da Previdência atualmente encaminhada no Congresso.

Diante dos aspectos aqui apontados, parece inevitável voltarmos ao tema já na próxima década, a não ser que haja um aperfeiçoamento no Senado. De toda forma, o primeiro passo foi dado ao reconhecermos o problema e propormos ao menos mudanças emergenciais.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 12/7/2019.”

terça-feira, 2 de julho de 2019

APÓS EQUÍVOCO DO PT, ACORDO MERCOSUL-UE É EXCELENTE COMEÇO, MAS SÓ O COMEÇO

Na última semana foi assinado acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia. Fruto de uma longa negociação de aproximadamente 20 anos, esse processo contou com a participação de vários técnicos do setor público e privado e mostra um amadurecimento sobre o que seriam os termos mínimos aceitáveis para todos os países envolvidos.

Somos umas das economias mais fechadas do mundo e, graças à política externa equivocada do PT, que deixou de lado por mais de uma década este acordo e privilegiou as relações como países em desenvolvimento (a denominada política “cooperação Sul-Sul”), perdemos uma grande oportunidade de aproveitar com mais ênfase o boom de comércio internacional vivenciado na década passada.

Do quanto se percebe das informações disponibilizadas até o momento, há dois efeitos positivos mais visíveis deste acordo. Em primeiro lugar, abre-se um enorme campo para as exportações brasileiras, na medida em que teremos acesso mais fácil ao mercado da União Europeia, sendo, inclusive, várias alíquotas progressivamente zeradas. Em segundo, o consumidor brasileiro terá disponíveis produtos importados com menores preços e, eventualmente, de melhor qualidade.

Mas o mais importante do início desse processo de abertura é que a força competitiva dos produtos estrangeiros nos obrigará a elevar o nível de produtividade e, por consequência, de competitividade dos vários setores da nossa economia. E essa exigência, além de refletir em ganhos para o consumidor nacional, elevará nossa capacidade de competir em mercados globais, aumentando a renda do país.

Claro que isso não será uma tarefa fácil e dependerá subsidiariamente da realização de uma “revolução econômica” que envolva quatro aspectos. O primeiro será a efetivação de um amplo processo de desburocratização, principalmente nos procedimentos de exportações e importações. O segundo, a realização de uma reforma tributária que desonere a produção e que simplifique os procedimentos arrecadatórios. O terceiro, o incentivo a investimentos privados em infraestrutura, que permitam reduzir nossos custos de produção e de transporte. E o quarto, um forte investimento em capital humano, que melhore a capacitação dos trabalhadores brasileiros. Mas o fato de enfrentarmos uma pressão competitiva externa nos obrigará a ser mais centrados e objetivos quanto a cada um desses temas. Aliás, há estudos econômicos que indicam que essa tem sido a regra em países que optaram pela liberalização econômica.

Finalmente, temos que lembrar que o acordo assumido deve ainda ser ratificado pelo parlamento de cada um dos países envolvidos, e que os efeitos não serão imediatos, mas sim observados ao longo da próxima década. De toda forma, o primeiro passo foi corretamente dado e parece irreversível.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 2/7/2019.”

terça-feira, 25 de junho de 2019

BOLSONARO APENAS REPETE O DISCURSO DE LULA SOBRE AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Neste sábado o presidente Bolsonaro se disse vítima do Congresso afirmando que querem transformá-lo em uma espécie de Rainha da Inglaterra. Este tipo de discurso não é novo e lembra o de Lula quando venceu a primeira eleição. Para quem não lembra, nos idos de 2003 o então presidente soltou a famosa frase que “ganhou a eleição, mas não levou” para contrapor-se à regra de reajuste tarifário da época no setor de telefonia.

Neste episódio Lula simplesmente rasgou a Lei Geral de Telecomunicações para trocar o presidente da Anatel da época, que corretamente não queria referendar a decisão política de não cumprir os contratos de concessão com as empresas do setor. Este foi apenas o primeiro passo no processo de enfraquecimento do modelo das agências reguladoras. De lá para cá assistimos a vários tipos de ingerências e indicações não técnicas para esses órgãos. Chegamos a ter integrantes nas diretorias que eram colegas próximos de presidentes, gente ligada a sindicatos e até mesmo políticos ou principalmente seus indicados.

Muito dos erros hoje atribuídos a essas instituições estão associados a este desmonte institucional, baseado em visões ideológicas distorcidas da realidade e na tentativa de sobrepor decisões políticas às técnicas. O grande problema é que, ao fazer isso, o Estado desestimulou investimentos nos setores regulados e contribuiu para reduzir a qualidade dos serviços prestados.

E é exatamente para minorar problemas deste tipo que a Lei da Agências Reguladoras foi aprovada. Consolidada a partir de um longo debate técnico sobre os problemas vivenciados nos setores regulados, que incluiu pessoas dos setores públicos e privados, a lei a ser sancionada nesta semana tem vários méritos, dentre os quais define um caráter mais técnico e objetivo para a indicação de diretores das agências.

Ao contrário do que afirmou o presidente, os novos diretores não passarão a ser indicados pelo Congresso. Com o novo processo de escolha, são vetados nomes de políticos e de parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, pessoas que exerçam cargos em atividades políticas e sindicais e outras que possam ter interesse diretamente ligado a empresas do setor no qual atuarão. Ademais, os candidatos deverão demonstrar longa experiência em regulação ou no setor para o qual serão indicados e se submeter à avaliação de uma comissão técnica. Esta comissão encaminhará uma lista tríplice para o Presidente da República, sendo o nome escolhido enviado ao Senado para ser sabatinado e aprovado, como já ocorre hoje.

O que se percebe é que mais uma vez a assessoria política do presidente deixou de consultar a equipe econômica para informá-lo melhor sobre o assunto. Se a preocupação de Bolsonaro é real com a qualidade das decisões das agências, deveria sancionar a lei apenas como um veto pontual. O do inciso VI do Artigo 8–A do artigo 42, posto que este dispositivo dificultará sobremaneira atrair bons quadros do setor privado para as agências reguladoras e cujo texto atende unicamente aos interesses de corporações de funcionários públicos.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 25/6/2019.”

segunda-feira, 17 de junho de 2019

DEIXAR AS MALAS GRÁTIS NÃO FARIA PASSAGEM AÉREA FICAR MAIS BARATA

Nesta segunda-feira o presidente vetou o artigo que determinaria a proibição de cobrança pelo despacho das bagagens aéreas. Pelo próprio debate equivocado e cheio de ruídos criado sobre o assunto, não se esperaria uma decisão deste tipo por parte de um político, mas felizmente ele fez a coisa certa desta vez.

A questão posta não é se o preço da passagem e dos serviços aéreos estão caros ou não. Isso é fato. Basta comparar o preço das pontes aéreas no Brasil com o de outros países. O ponto é entender o porquê desse resultado e como fazer para reverter esse processo. E em economia não existem respostas fáceis para problemas complexos.

Parte da explicação dos valores que hoje pagamos está associada aos elevados custos incorridos pelo setor, tais como o preço do combustível de aviação e do leasing de aeronaves. Ambos são definidos em dólares e se elevaram substancialmente de 2016 para cá. A restrição de oferta derivada do processo de recuperação judicial da Avianca também contribui para a agravar a situação. Mas outra parte muito relevante está associada à baixa concorrência vigente no mercado.

Neste contexto, não será a proibição de cobrança por serviços prestados e muito menos um eventual controle de preços que resolverá o problema. Tais atitudes só nos levaram a resultados piores para consumidores ao longo do tempo. A ideia de proibir a cobrança de bagagem, por exemplo, só faria com que as companhias aéreas distribuíssem os custos do serviço por todos os passageiros, inclusive por aqueles que não o usam. E pior, afastaria do mercado as companhias estrangeiras de baixo custo, que passaram a olhar para cá depois da liberalização para investimento de até 100% do capital estrangeiro.

No mundo todo, foram exatamente essas companhias que acirraram a concorrência e reduziram os preços de todos os serviços aéreos ao longo do tempo. E o modelo de negócio delas está exatamente baseado na possiblidade de dividir o preço dos serviços de acordo com a disposição a pagar dos diferentes grupos de consumidores. Assim, se o veto não tivesse ocorrido, teríamos mais uma jabuticaba para a nossa coleção, que certamente afastaria este tipo de investimentos no setor.

Não existe remédio fácil para o que estamos vivendo. A redução consistente dos preços dos serviços aéreos só iniciará com mais concorrência. Mas para isso é necessário que a economia volte a crescer e que o Estado concentre seus esforços em garantir uma regulação que estimule a entrada de novas empresas no mercado, em vez de restringir modelos de negócios.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 17/6/2019.”

quarta-feira, 12 de junho de 2019

DECISÃO DO STF SOBRE PRIVATIZAÇÃO É CONTRADITÓRIA E NÃO DISCUTE O PRINCIPAL

Na última quinta-feira o Supremo proibiu a privatização de empresas estatais sem aval do Congresso, mas permitiu a venda de suas subsidiárias. A inusitada decisão do STF mostrou-se contraditória com os objetivos pretendidos pela maioria dos Ministros, na medida em que sinalizou que basta criar uma nova subsidiária e transferir os ativos da matriz para esta empresa que a privatização poderá ser levada a cabo sem passar pelo Congresso.

A discussão em plenário passou ainda ao largo de vários aspectos relevantes sobre o tema da privatização. Perdemos a oportunidade, por exemplo, de debatermos o que seria o tal do interesse público especificado no caput do artigo 173 da Constituição Federal, que justificaria a existência de empresa pública.

Interesse público nunca deve ser entendido como interesse de determinados grupos da sociedade. Mas, infelizmente, o que vimos ao longo da nossa história foram empresas estatais sendo criadas para atender interesses específicos, principalmente, derivados de demandas políticas.

A teoria econômica e a própria experiência prática têm derrubado os antigos preceitos de que uma empresa pública atenderia com mais eficiência aos interesses distributivos da sociedade. Os novos mecanismos de governança regulatória têm fornecido respostas mais eficientes, indicando resultados melhores com empresas privadas.

Há cinco razões para implantarmos um processo de privatização amplo e irrestrito no país. A primeira, foco da discussão no Supremo, é obter recursos para que o Estado reduza a dívida e déficit público.

A segunda é elevar o nível de eficiência dos serviços prestados e ampliar a concorrência nos mercados, atendendo melhor ao consumidor.

A terceira é evitar interferências políticas indevidas sobre o domínio econômico, que possam desvirtuar os incentivos para investimento privado. Exemplos passados como o do controle de preços dos combustíveis e de energia elétrica devem ser evitados.

A quarta é não permitir que grupos de interesse se apropriem de recursos constituídos a base de monopólios estatais, cuja conta sempre recai sobre a sociedade, como foi o caso da Lava-Jato e do Mensalão.

A quinta, e mais importante, envolve liberar o Estado para alocar tempo e dinheiro em áreas prioritárias que realmente atendam ao interesse do conjunto da sociedade, tais como educação, saúde e segurança.

A questão não é mais se devemos privatizar, mas sim a forma como ela deve ser realizada para que benefícios gerados sejam compartilhados com todos. E isso envolve transparência, desenho de modelos competitivos, tanto nos leilões como na estruturação de mercados, e atuação eficiente de agências reguladoras.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 12/6/2019.”

sexta-feira, 7 de junho de 2019

PARA PAÍS CRESCER, BOLSONARO TEM DE PARAR DE BOICOTAR SUA EQUIPE ECONÔMICA

Na semana passada foi divulgado que o Brasil teve a primeira queda no PIB trimestral desde 2016, provocando um arrefecimento ainda maior nas expectativas no setor privado. Em boa medida, este resultado é consequência da falta de uma postura firme e clara sobre qual o rumo que o presidente entende que o país deva seguir. Infelizmente, o que temos observado é um boicote a sua equipe econômica, com comentários e atitudes que enfraquecem as reformas a serem implementadas ou que sinalizam algum tipo de controle indevido sobre a economia, como o caso do preço do petróleo e do tabelamento de fretes.
Há um razoável consenso entre os economistas mainstream sobre quais são os problemas enfrentados pelo país e como resolvê-los. Em sua maioria há a concordância que criar um ambiente adequado para o investimento privado e liberar recursos para que o Estado execute suas funções básicas é a única forma de trilhar um caminho consistente de crescimento econômico e de geração de emprego. A agenda econômica está claramente definida, a dificuldade maior está em colocá-la em prática.
Não há muita dúvida sobre a necessidade da reforma da previdência, principalmente para corrigir o déficit público e liberar recursos para investimento em educação, saúde e segurança pública. Também é reconhecida a necessidade de se realizar uma reforma tributária que crie um sistema mais justo e eficiente.
Imprimir um processo de privatizações e concessões na prestação de serviços público, estimular a concorrência, principalmente no setor financeiro, e promover uma gradual e consistente abertura comercial também fazem parte do pacote.
Para completar a equação, é necessário implementar um processo amplo de desburocratização e revisão legislativa, que permita reduzir os custos de realizar negócios no país e que crie um modelo normativo e judicial mais estável.
O caminho da volta ao crescimento já é conhecido. O que falta é fazer com que a área política deste governo entenda que sem essas medidas o país não sairá do buraco e correremos o risco de ressuscitar velhas ideias econômicas, que já se provaram um desastre. Mas acima de tudo, falta o presidente se comprometer firmemente com as reformas e não boicotar mais o seu próprio governo.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 7/6/2019.”

A AGENDA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

Há um razoável consenso entre os economistas mainstream sobre quais são os problemas enfrentados pelo país e como resolve-los. Em sua maioria há a concordância que criar um ambiente adequado para o investimento privado e liberar recursos para que o Estado execute suas funções básicas é a única forma trilhar um caminho consistente de crescimento econômico e de geração de emprego.
Não há muita dúvida, por exemplo, que a reforma da previdência é condição necessária, mas não suficiente para atingirmos o resultado esperado. Sua premência está associada à necessidade de se corrigir o déficit público, evitando assim um caos futuro incontornável na economia e liberando recursos para investimento em educação, saúde e segurança pública. Pode-se se discutir sua extensão e a maneira de promover a maior equalização dos futuros beneficiados, mas ela é realmente indispensável.
Em particular, devemos lembrar que o investimento em educação - principalmente nos ensinos fundamental e médio - é reconhecidamente a melhor forma (para não se dizer a única) de se garantir um crescimento econômico com distribuição de renda de maneira consistente ao longo do tempo.
Também é reconhecida a necessidade de se realizar uma reforma tributária que tire o peso dos impostos sobre produtos e que seja um sistema mais justo, que onere menos as camadas mais baixas da população. Neste sentido, ter como parâmetro os princípios da equidade, simplicidade e neutralidade é o mínimo que se espera dos responsáveis que tratarão deste assunto. Ademais qualquer reforma proposta não deve elevar ainda mais a carga tributária no país, hoje em torno e 35%. 
Não menos importante é implementar um amplo programa de racionalização nos gastos públicos, revisando políticas que já se mostraram ineficientes e substituindo-as por outras que tenham maior efetividade e que particularmente tenham por foco medidas que beneficiem as camadas mais pobres da população. E neste aspecto, estabelecer critérios claros de avaliação de políticas públicas é fundamental.
As privatizações e concessões na prestação de serviços público também são peças-chave nesta engrenagem. Para além da função arrecadatória, o objetivo primordial deste processo deve ser elevar a eficiência empresarial e estimular a concorrência, permitindo que os benefícios obtidos sejam também incorporados pelo conjunto da sociedade. 
No mesmo sentido, promover uma gradativa e efetiva abertura comercial em paralelo à reforma tributária permitirá às empresas se adaptarem e se tornarem mais competitivas, para que inclusive possam concorrer no mercado global. Devemos lembrar que atualmente o país é uma das economias mais fechadas do mundo, graças a todo tipo de disfuncionalidades criadas ao longo do tempo. O que observamos nas últimas décadas foi um excesso de burocracias intermináveis nos processos de exportação e importação, uma baixa eficiência da infraestrutura de transporte e portuária e a adoção de políticas de defesa comercial (cotas, medidas antidumping de salvaguardas, etc) que subverteram os incentivos à busca de eficiência por parte das empresas nacionais.
A implementação de um processo amplo de desburocratização, que reduza os custos de transacionar no país, também é algo há muito apontado por vários organismos internacionais como fator chave para motivar investimentos. Na mesma linha, há a necessidade de uma forte revisão dos nossos modelos legal e judicial. O excesso de leis e normas, muitas vezes totalmente discricionárias ou contraditórias, elevam substancialmente a incerteza nos mercados e tornam o ambiente de negócio uma aventura para qualquer empresário. Não por outra razão que o ex-ministro da fazenda, Pedro Malan, nos brindou com a célebre frase: “no Brasil até o passado é incerto”. O que necessitamos, em última instância, é tornar o processo decisório mais estável e ágil, fazendo com que agências reguladoras, autarquias em geral e os próprios tribunais sejam mais consistentes, rápidos e menos suscetíveis a intemperes políticas. 
Para completar a equação, é necessário reduzir os spreads bancários e, por consequência os juros no país, ampliando ao mesmo tempo tanto o crédito para consumo como para investimento. Para além de questões tributárias e aquelas relacionadas ao problema na inadimplência no país (constantemente apontadas pela FEBRABAN como causa do problema), há uma série de medidas que certamente seriam bastante efetivas na redução dos juros. Uma parte delas passa pela implementação de um modelo regulatório menos pesado, que reduza o custo de entrada e operação no setor, de maneira a atrair novas instituições financeiras e permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio (Fintechs). Outra vertente fundamental é reforçar a coordenação entre Banco Central, CADE e os órgão de defesa do consumidor, permitindo uma atuação complementar e coordenada mais efetiva, de maneira a punir mais rapidamente e com maior rigor abusos nas esferas da concorrência e do consumidor. 
Todos os aspectos aqui destacados não são novidades para a equipe econômica atual, cuja qualidade técnica, na sua grande maioria, dispensa maiores elogios. Para onde quer que se olhe há estudos e propostas sobre praticamente todas as questões acimas apontadas. Open Banking, Lei das Agências Reguladoras, MP da abertura do setor aéreo, MP do Bem, propostas de privatização, etc.
O que falta na realidade é fazer com que a área política deste governo entenda que sem trilhar este caminho, evitando debates ideológicos infrutíferos, o país não sairá do buraco e correremos o risco de ressuscitar velhas ideias econômicas que já se provaram um desastre. Falta um comprometimento maior da base de apoio do governo para explicar e defender e no Congresso a relevância das reformas que serão gradativamente apresentadas. Mas acima de tudo, falta o presidente se comprometer firmemente e não boicotar o que a sua área técnica tem proposto.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

A ECONOMIA POLÍTICA DO TABELAMENTO DOS FRETES

Recentemente o governo brasileiro anunciou uma série de medidas para contemplar as demandas dos caminhoneiros. Algumas na direção correta, que envolvem melhoria de infraestrutura e segurança. Outras paliativas e de pouca efetividade, como o cartão do caminhoneiro e o fornecimento de uma linha específica de financiamento do BNDES. Mas a pior delas é a que envolve colocar em prática uma tabela de fretes na prestação deste serviço. 
Os políticos, como qualquer “homus economicus”, são motivados pela maximização de seus objetivos, no caso a obtenção e manutenção do poder. Isto implica assumir implicitamente que grupos de interesses podem influenciar os resultados dos processos legislativos e regulatórios ao fornecer apoio a esses mesmos políticos, seja via financiamento de campanha ou de voto. Assim, o poder decisório e coercitivo do Estado pode ser utilizado para dar benefícios valiosos a determinados grupos, o que faz com que a regulação possa ser entendida como um produto negociado no mercado político, e cuja alocação é governada por leis de oferta e demanda.
Para um melhor compreender a questão, devemos entender os caminhoneiros como parte do lado da demanda neste mercado e aqueles que definem leis e normas (políticos) como os ofertantes da política pública. 
É fato que o objetivo dos caminhoneiros é obter uma garantia de renda que consideram “adequada”. Para tanto, poderiam cogitar atuar coordenadamente elevando preços. Entretanto, esta decisão teria, no mínimo, o inconveniente de gerar um custo de transação muito elevado. Isto porque além do custo ex antede acertar os termos da coordenação (valor da tabela, por exemplo), haveria ainda que se incorrer também em custos ex postdo monitoramento dos termos pactuados; fato não trivial, considerando a quantidade e dispersão da oferta de caminhoneiros pelo país. Note-se que esta alternativa se mostra ainda mais problemática quando lembramos que acordos de preços no país (cartéis) são considerados infração tanto na esfera administrativa quanto penal.
Não obstante, dado que o mercado de transporte de carga é por natureza competitivo, um acordo em preços devidamente efetivado elevaria a margem de seus participantes, garantindo um benefício extra bastante atrativo para os envolvidos (caminhoneiros) em detrimento do resto da sociedade. Nesta linha, o foco desse grupo pode passar a ser então a obtenção de uma “regulação” com os mesmos efeitos de um cartel, qual seja, a definição de preços mínimos, nos moldes descritos por Stigler.[4]Este movimento, tem dupla implicação. A primeira é que criação de regras, inclusive com normas punitivas para seu descumprimento por parte do Estado, resolve o problema da coordenação ex antee reforça o cumprimento ex postaqui já destacado. A segunda vantagem está relacionada ao fato de que a “regulação” requer uma intervenção no processo político e no domínio econômico, de maneira a criar normas que se contraponham àquelas já vigentes. Mais especificamente, a “regulação” pode ser entendida como uma forma de criar uma espécie de imunidade antitruste e um salvo conduto para uma atuação contrária ao interesse da sociedade. 
E é exatamente nesta linha que se dá o movimento dos caminhoneiros. Como uma forma de obter ganhos extraordinários em detrimento do resto da sociedade. Vale lembrar que o inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal e a Lei 12.529/2011 são claríssimos em entender como princípio basilar da ordem econômica e do interesse público a livre concorrência.
A forte mobilização da categoria nos mostrou ainda que a busca pela regulação pode também ser entendida a partir de um mixde dois movimentos apontados por Posner. O primeiro, de caráter mais “democrático”, enfatiza a relevância do número de eleitores que podem se beneficiar da regulação e de sua capacidade de influenciar os demais eleitores. Já o segundo, de caráter coercitivo, está baseado em ameaças críveis de retaliação violenta, caso a sociedade não lhes conceda tratamento mais favorável. Um exemplo clássico desta segunda postura são as ameaças e boicotes.
Note-se que foram esses dois movimentos que pressionaram fortemente os ofertantes da regulação, mais precisamente os políticos. O medo de perda de apoio e de votos nos fez assistir discursos inflamados totalmente desconectados do real interesse público, além de observar a adoção de medidas equivocadas dentro do poder executivo, inclusive na agência reguladora setorial, e no próprio legislativo brasileiro. E isso ocorreu a tal nível que outros possíveis players, pelo lado da demanda (indústria e agricultura), não tiveram força suficiente para se contrapor à pressão dos caminhoneiros. Em última instância, o que tem pesado neste jogo é o voto ofertado pelos caminhoneiros e o impacto sobre o nível de aprovação do governo de plantão.
Não por outra razão, durante o governo Temer assistimos ao Chefe da Casa Civil da época e à maioria do Congresso atropelarem a Constituição Federal e a Lei de Defesa da Concorrência para garantirem o quanto solicitado pelos caminhoneiros. Em que pese todos os trabalhos técnicos apresentados para indicar o erro que seria o tabelamento da época, a decisão foi tomada baseada na expectativa de votos para esses políticos.
Infelizmente parece que a lição não foi aprendida. O governo atual, cujo presidente durante a campanha aproveitou-se deste movimento, já se mostrou também entregue a este mesmo grupo. O sinal foi dado em janeiro, quando dois excelentes técnicos da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) foram exonerados, em circunstâncias nada transparentes, de acordo com notícias dos jornais da época. Isto porque encaminharam ao CADE e ao STF documento produzido por aquela Secretaria apontando que os caminhoneiros abusaram “do direito de greve, conspiraram, de forma anticompetitiva, para coagir autoridades públicas à edição de legislação que lhes garanta benefícios econômicos, em detrimento do bem-estar social”.
Este aparente medo do governo atual ficou ainda mais transparente na exposição recente dos Ministros da Casa Civil e da Infraestrutura, que trataram os caminhoneiros como “amigos do presidente”; e este fato foi reforçado pela divulgação de um WhatsApp com a voz de Onix Loenzoni, mostrando o nível de influência e de capacidade de intervenção deste grupo sobre a política de preços da Petrobrás.
No final do dia, o que observamos é que neste mercado político os demandantes de regulação (caminhoneiros) estão conseguindo seus objetivos dos ofertantes (políticos). Sendo isso verdade, seria ao menos honesto que este governo estabelecesse formalmente uma isenção antitruste de direito (e não apenas de fato) e explicasse claramente para a sociedade que todos pagaremos esta conta por meio de maiores preços e menos empregos em outros setores (assunto de artigo futuro...).


[1]STIGLER, J.S. The Theory of Economic Regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science. Vol. 2, No. 1 (Spring, 1971), pp. 3-21.
[2]POSNER. R.A. Theories of Economic Regulation. Bell Journal of Economics, 1974, v5(2), 335-358.
[3]PELTZMAN, S. The Economic Theory of Regulation after a Decade of Deregulation. Brookings Papers: Microeconomics 1989. 
[4]Stigler sugere ainda em sua obra outras formas pelas quais políticos atendem a grupos de interesse, como, por exemplo: a limitação de entrada de novas empresas no mercado; o fornecimento de subsídios diretos a determinadas indústrias; e a elevação de tarifas de importação. Certamente o leitor deste texto reconhecerá este movimento em outros setores no caso brasileiro.

A razão desta insistência pode ser entendida a partir de ensinamentos econômicos construída ao longo dos últimos cinquenta anos. Particularmente, um conjunto de artigos que inauguraram o que se denomina Teoria da Regulação Econômica, publicados por Stigler[1], Posner[2]e Peltzman[3]no início da década de 70, nos auxilia a entender a economia política do quanto vivemos hoje pelo país.