O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas,
afirmou que nesta semana será fechado acordo sobre tabela de cobrança de fretes
mínimos entre as categorias dos caminhoneiros, transportadoras e dos
embarcadores (empresas que contratam os fretes de transporte de carga
rodoviária), relembrando os acordos de preços patrocinados pelo antigo Conselho
Interministerial de Preços (CIP) iniciados na década de 70, que só nos levaram
à hiperinflação das décadas de 80 e do início de 90.
A única diferença relevante é que naquele
momento o governo tentava infrutiferamente evitar um aumento generalizado dos
preços, enquanto hoje o Estado está trabalhando para sancionar um cartel, cujo
efeito será o encarecimento do transporte de carga.
Este tipo de movimento que estamos
vivenciando é relatado na literatura econômica e mostra que muitas vezes
determinados grupos de interesse procuram usar seu poder coercitivo para obter
objetivos próprios, em detrimento do resto da sociedade. A regulação passa,
assim, a ser utilizada para criar e coordenar o cartel desejado, se sobrepondo
aos princípios constitucionais e à legislação específica de defesa da
concorrência.
O grande problema é que o efeito nocivo do
aumento de preços acabará se espalhando para toda economia, inclusive para os
caminhoneiros independentes. Isto porque o aumento do frete elevará os custos
para as empresas, que procurarão repassá-los aos consumidores finais. E neste
processo haverá mais perdedores do que ganhadores.
Em mercados nos quais essas empresas têm
maior poder de mercado, por exemplo, esse repasse será maior, fazendo com que o
consumidor pague mais caro pela entrega do produto. Em outros mais
competitivos, nos quais os preços dos produtos não sejam elevados, e cujas
margens de lucro sejam baixas, poderá haver saída de empresas do mercado,
implicando inclusive perda de postos de trabalho.
Há que se considerar também dois outros
aspectos. Algumas empresas certamente entenderão que, com os níveis de preços
definidos, será menos custoso operar com frota própria, conforme já relatado na
imprensa. Ademais, o resultado de eventuais repasses de preços para o
consumidor final também reduzirá a demanda para vários produtos. Em outras
palavras, o tal argumento da garantia de renda para uma categoria que é tão
importante para o país só resultará na óbvia redução generalizada de demanda
por transporte de carga, afetando com muito mais força os caminhoneiros
independentes, que têm menor poder de barganha do que aquelas empresas de
transporte que têm feito lobbies em Brasília.
A solução correta para o problema atual
exige a compreensão de dois aspectos. O primeiro deles envolve a política
anterior de financiamento fácil de caminhões pelo BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), que teve por objetivo atender a outro
grupo (o dos fabricantes de caminhões), mas que nos levou a um excesso de
oferta no setor. O segundo está relacionado à queda generalizada na demanda no
país, derivada da crise econômica gestada ao longo de anos. Formou-se,
portanto, um descasamento entre oferta e demanda neste mercado.
Diante deste quadro, seria mais produtivo o
governo concentrar seus esforços em medidas que retomem o crescimento
econômico, elevando a demanda futura, em vez de sancionar um cartel com os
efeitos aqui descritos. No limite do bom senso de política econômica, poderia
ainda ser implementado algum tipo de mecanismo que minimize a perda dos
caminhoneiros independentes, como um programa de recompra de caminhões usados.
Chama a atenção, ainda, a subserviência da
ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) neste processo, órgãos
típicos de Estado com autonomia decisória. Infelizmente, se a decisão sobre o
tabelamento não for revista rapidamente pelo Supremo Tribunal Federal,
instituição responsável por zelar pelo princípio constitucional da livre
concorrência, estaremos seguindo a velha estratégia brasileira de adotar
“falsas soluções” de curto prazo, que sempre acabam criando problemas muito
maiores no longo prazo.
“Texto publicado originalmente no portal UOL em 31/7/2019.”