terça-feira, 31 de outubro de 2023

LULA CONTINUA A SER SEU PIOR INIMIGO POLÍTICO NO GOVERNO ATUAL

As falas do presidente indicam que nossa opção atual está sendo pela contratação antecipada de uma crise econômica futura

Na última sexta-feira (27), o presidente Lula, em café da manhã com jornalistas, afirmou que o país não precisa de uma  meta fiscal igual a zero “que obrigue o Brasil a começar o ano fazendo corte de bilhões (de reais) nas obras que são prioritárias para esse país”. E não bastasse isso, ainda disse “que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”.

Honestamente, acho estranho essas falas causarem tanto espanto a tantos. Na realidade, Lula está apenas reafirmando o que pensa e quem realmente é, além de trazer à baila o Lula das eleições passadas. Mas, de toda forma, não há como ignorar que seu discurso é falacioso, demagogo e irresponsável, e joga contra seu próprio governo.

Falacioso porque o ajuste fiscal não depende de corte em gastos prioritários (como em investimentos produtivos e sociais). Ao contrário, em um país cuja carga tributária beira os 35%, há muito espaço para melhorar a eficiência do gasto público. Para além das medidas de longo prazo (reforma administrativa e complemento da reforma da previdência), há que se priorizar e racionalizar gastos, inclusive na área social.

Há vários técnicos nos Ministérios da Fazenda e Planejamento que têm consciência disso e que poderiam ser ouvidos, em vez de seus colegas políticos na Casa Civil e em outros ministérios, que se preocupam apenas em atender interesses de determinados grupos privados ou de funcionários públicos.

Sua afirmação é demagoga porque, ao afirmar que “o mercado é ganancioso”, não especifica quem é o “tal mercado” e dá a entender que ele seria composto apenas pelos mais ricos e banqueiros. Entretanto, também fazem parte do “mercado” fundos de pensão (inclusive de trabalhadores) e médios e pequenos poupadores, que, inclusive, aplicam em fundos de renda fixa, cuja carteira é composta em sua maior parte por títulos públicos.

Aliás, uma rápida busca por notícias na internet mostra que o próprio Lula, na sua declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aloca uma boa parte do seu patrimônio em ativos financeiros (VGBL, aplicações de renda fixa e fundos de curto prazo), cujos rendimentos estão, inclusive, atrelados em alguma medida à taxa de juros paga pelos títulos públicos.

Ademais, esperar que alguém, seja lá quem for, esteja disposto a: (i) correr mais risco, com o mesmo retorno; (ii) alocar recursos em investimentos que podem render menos do que a inflação (se os juros reais forem negativos); ou (iii) manter dinheiro em ativos que rendam menos do que investimentos alternativos, é pedir que se faça um exercício de total irracionalidade econômica, que nem mesmo o próprio Lula parece estar disposto a fazer.

Finalmente, sua fala é irresponsável na medida em que afeta negativamente as expectativas econômicas e gera impacto sobre o câmbio, juros futuros e riqueza das pessoas (bolsa de valores, por exemplo). E essas mudanças afetam, direta ou indiretamente, o equilíbrio das contas públicas e a economia como um todo.

A desvalorização cambial, por exemplo, tem impacto sobre a inflação, dificultando o trabalho do  Banco Central de reduzir as taxas de juros, conforme demanda pública do próprio presidente Lula. Ademais, a inflação reduz o poder de compra da sociedade, principalmente dos mais pobres.

A sinalização da continuidade do déficit público e, consequentemente, da manutenção de uma trajetória crescente da dívida pública eleva a percepção de risco futuro de insolvência do Estado brasileiro. Com isso, os investidores passam a exigir maiores taxas de juros para financiar o governo, com impacto sobre todas as demais taxas do mercado, como aquelas que afetam o custo dos investimentos e do consumo.

Nesse sentido, a tendência é que a  economia cresça menos do que poderia, gerando menos emprego, menos arrecadação (piorando ainda mais a situação fiscal) e menos renda a ser distribuída; sem falar que a própria elevação dos juros tem um impacto negativo direto sobre o déficit nominal (que inclui os juros necessários para financiar o Estado).

Por fim, a piora das expectativas econômicas tende a afetar negativamente o valor de vários ativos, inclusive, mas não só, aqueles negociados na bolsa de valores. Neste processo, os detentores desses ativos passam a se sentir “mais pobres”, menos confiantes e, principalmente, menos dispostos a consumir. Ato contínuo, os empresários passam a ficar mais avessos a realizar novos investimentos produtivos. Com isso, cria-se um círculo vicioso que tende a se retroalimentar e paralisar a economia.

E isso, em um momento no qual o Congresso discute reformas no nosso sistema tributário  e a aprovação do orçamento para 2024. Aliás, este ruído já foi sentido no ambiente político. Na própria sexta-feira, o relator do orçamento, Danilo Fortes (União-CE), criticou, com toda razão, a declaração de Lula; mesmo porque, qual seria a lógica de se preparar um orçamento que já se sabe, de antemão, que não será cumprido?

Pior foi a entrevista nesta segunda-feira (30) do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Não esclareceu qual será a postura do governo daqui para frente, se limitando a acusar governos passados de não terem equacionado a questão fiscal (só se esquecendo de que o principal causador do problema foi o próprio PT, principalmente durante o governo Dilma). Ademais, mostrou-se irritado com os jornalistas que fizeram perguntas simples, que exigiam apenas uma resposta do tipo “sim” ou “não”.

Infelizmente, até segunda ordem, as falas de Lula indicam que nossa opção atual está sendo pela contratação antecipada de uma crise econômica futura, que pode culminar em um processo de estagflação (recessão com inflação).

“Texto publicado originalmente no portal IG em 31/10/2023.”


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