No último dia 19 de maio, o Ministério da
Justiça (MJ) divulgou que investigaria a Mastercard por aumento
abusivo de taxa na venda com cartões. Essa decisão foi tomada a partir de denúncia
apresentada pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).
Como justificativa, a Secretaria Nacional
de Defesa do Consumidor (Senacon) do MJ alega que pode ter havido uma possível
elevação da taxa de intercâmbio cobrada sobre o uso de cartões de crédito e
débito utilizados para recebimentos nos supermercados, com impacto sobre os
preços praticados ao consumidor, inclusive com efeito inflacionário.
Ademais, a Senacon sugere que, apesar de
ter alegado a necessidade de reajuste das taxas, a Mastercard não teria
apresentado planilha de custos que sustentasse o eventual reposicionamento de
preços.
Tenho sido muito cético sobre medidas que
envolvam qualquer intervenção em preços nesse mercado porque entendo que esse
não é o instrumento correto para torná-lo mais eficiente e gerar efeitos
positivos para os consumidores e para a sociedade como um todo. E no caso em
questão, acho qualquer intervenção menos produtiva ainda.
Em primeiro lugar, porque esse mercado (de
meios de pagamento) já é regulado pelo Banco Central (Bacen) e foco de vários
casos sendo analisados no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Em realidade, qualquer efeito percebido pelo consumidor depende muito mais da
atuação correta nessas duas esferas do que propriamente na área da Defesa do
Consumidor.
Em segundo, porque estamos tratando de um
mercado com características de dois lados, no qual os participantes são
empresas que facilitam a interação entre diferentes agentes econômicos e
constroem seu processo de maximização de lucro, definindo preços conjuntamente
para os dois lados do mercado. E nesses casos, a intervenção estatal pode,
muitas vezes, ser desastrosa e gerar efeitos contrários aos pretendidos.
No caso específico do mercado de cartões,
as administradoras (bandeiras, como Mastercard e Visa) facilitam transações
financeiras entre portadores de cartões (consumidores) e estabelecimentos
comerciais, definindo taxas (fees) a serem pagas por bancos emissores e
empresas credenciadoras e a tarifa de intercâmbio (TIC), que é cobrada pelos
bancos emissores.
É apenas sobre essa última (TIC) que
estranhamente a ABRAS se insurge. De toda forma, devemos lembrar que os bancos
emissores também definem anuidades e juros para os portadores de cartões. E
sendo assim, em tese, a perda de receita derivada da redução artificial da TIC
poderá ser compensada por elevações dos juros e anuidades pagas pelo portador
do cartão, que, coincidentemente, é o consumidor que o MJ pretende proteger.
Teríamos, portanto, um efeito denominado de
“colchão d´água”, posto que a pressão feita para baixar preços em um lado do
mercado (sobre a tarifa de intercâmbio) faria com que os bancos elevassem os
preços do outro lado (anuidades e juros). E o pior é que, com isso, poderia
haver ainda queda do uso de cartões, reduzindo a quantidade de transações a
crédito na economia.
Há que se perceber também que mesmo uma
elevação de custo associada a um eventual aumento da TIC, como a alardeada pela
Abras, não implica repasse automático para os preços finais. Em realidade, o
efeito final depende da avaliação conjunta da capacidade de reação dos
consumidores (elasticidade preço da demanda) e dos supermercados (elasticidade
preço da oferta).
E o fato é que quanto mais competitivo for
o mercado (e o setor supermercadista afirma que há forte competição nesse
segmento), menor será o repasse para preços finais, o que torna essa discussão
muito mais uma briga por obtenção de margem ao longo da cadeia de serviços do
que propriamente uma questão que envolve direta ou indiretamente o consumidor.
Em verdade, o que se nota é que, se por um
lado, não há nada que indique que a elevação da tarifa de intercâmbio será
repassada para preços dos produtos vendidos por supermercados, por outro, a
interferência sobre sua definição poderá implicar a compensação dessa receita
via elevação de juros e anuidades para os consumidores portadores de cartões.
Neste contexto, levar essa discussão para a
requisição de planilhas de custos no âmbito do MJ parece algo um tanto quanto
sui generis, fazendo lembrar a extinta Superintendência Nacional de
Abastecimento (Sunab), cujo objetivo era controlar preços, algo que não se
coaduna com um governo que se diz liberal.
E isso se torna ainda mais verdade quando
lembramos que variações de preços podem ser resultados de vários fatores
relacionados ao lado da demanda e oferta de mercado, conforme apregoa o próprio
“Guia Prático de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços” do MJ, e que são de difícil análise e
conclusão apenas olhando os dados de planilhas de custos.
Sem falar que algumas estratégias de
precificação podem ser de difícil compreensão, mas eficientes, inclusive sob o
ponto de vista do consumidor; principalmente em mercados de dois lados, cujo
processo de maximização de lucro é obtido por meio da definição conjunta dos
preços em ambos os lados.
Não por outra razão, os olhos das
autoridades de concorrência no mundo todo, por exemplo, estão voltados para
“condutas não preço”, como contratos exclusivos e venda casada de produtos, que
visam limitar a concorrência ou fechar o mercado para os rivais, e que, aí sim,
podem gerar efeitos indiretos sobre os consumidores, na medida em que
restrinjam a concorrência em segmentos específicos.
“Texto publicado originalmente no UOL em 2/6/2022.”
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