sexta-feira, 7 de junho de 2019

A agenda do crescimento econômico

Há um razoável consenso entre os economistas mainstreamsobre quais são os problemas enfrentados pelo país e como resolve-los. Em sua maioria há a concordância que criar um ambiente adequado para o investimento privado e liberar recursos para que o Estado execute suas funções básicas é a única forma trilhar um caminho consistente de crescimento econômico e de geração de emprego.

Não há muita dúvida, por exemplo, que a reforma da previdência é condição necessária, mas não suficiente para atingirmos o resultado esperado. Sua premência está associada à necessidade de se corrigir o déficit público, evitando assim um caos futuro incontornável na economia e liberando recursos para investimento em educação, saúde e segurança pública. Pode-se se discutir sua extensão e a maneira de promover a maior equalização dos futuros beneficiados, mas ela é realmente indispensável.

Em particular, devemos lembrar que o investimento em educação - principalmente nos ensinos fundamental e médio - é reconhecidamente a melhor forma (para não se dizer a única) de se garantir um crescimento econômico com distribuição de renda de maneira consistente ao longo do tempo.

Também é reconhecida a necessidade de se realizar uma reforma tributária que tire o peso dos impostos sobre produtos e que seja um sistema mais justo, que onere menos as camadas mais baixas da população. Neste sentido, ter como parâmetro os princípios da equidade, simplicidade e neutralidade é o mínimo que se espera dos responsáveis que tratarão deste assunto. Ademais qualquer reforma proposta não deve elevar ainda mais a carga tributária no país, hoje em torno e 35%. 

Não menos importante é implementar um amplo programa de racionalização nos gastos públicos, revisando políticas que já se mostraram ineficientes e substituindo-as por outras que tenham maior efetividade e que particularmente tenham por foco medidas que beneficiem as camadas mais pobres da população. E neste aspecto, estabelecer critérios claros de avaliação de políticas públicas é fundamental.

As privatizações e concessões na prestação de serviços público também são peças-chave nesta engrenagem. Para além da função arrecadatória, o objetivo primordial deste processo deve ser elevar a eficiência empresarial e estimular a concorrência, permitindo que os benefícios obtidos sejam também incorporados pelo conjunto da sociedade. 

No mesmo sentido, promover uma gradativa e efetiva abertura comercial em paralelo à reforma tributária permitirá às empresas se adaptarem e se tornarem mais competitivas, para que inclusive possam concorrer no mercado global. Devemos lembrar que atualmente o país é uma das economias mais fechadas do mundo, graças a todo tipo de disfuncionalidades criadas ao longo do tempo. O que observamos nas últimas décadas foi um excesso de burocracias intermináveis nos processos de exportação e importação, uma baixa eficiência da infraestrutura de transporte e portuária e a adoção de políticas de defesa comercial (cotas, medidas antidumping de salvaguardas, etc) que subverteram os incentivos à busca de eficiência por parte das empresas nacionais.

A implementação de um processo amplo de desburocratização, que reduza os custos de transacionar no país, também é algo há muito apontado por vários organismos internacionais como fator chave para motivar investimentos. Na mesma linha, há a necessidade de uma forte revisão dos nossos modelos legal e judicial. O excesso de leis e normas, muitas vezes totalmente discricionárias ou contraditórias, elevam substancialmente a incerteza nos mercados e tornam o ambiente de negócio uma aventura para qualquer empresário. Não por outra razão que o ex-ministro da fazenda, Pedro Malan, nos brindou com a célebre frase: “no Brasil até o passado é incerto”. O que necessitamos, em última instância, é tornar o processo decisório mais estável e ágil, fazendo com que agências reguladoras, autarquias em geral e os próprios tribunais sejam mais consistentes, rápidos e menos suscetíveis a intemperes políticas. 

Para completar a equação, é necessário reduzir os spreads bancários e, por consequência os juros no país, ampliando ao mesmo tempo tanto o crédito para consumo como para investimento. Para além de questões tributárias e aquelas relacionadas ao problema na inadimplência no país (constantemente apontadas pela FEBRABAN como causa do problema), há uma série de medidas que certamente seriam bastante efetivas na redução dos juros. Uma parte delas passa pela implementação de um modelo regulatório menos pesado, que reduza o custo de entrada e operação no setor, de maneira a atrair novas instituições financeiras e permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio (Fintechs). Outra vertente fundamental é reforçar a coordenação entre Banco Central, CADE e os órgão de defesa do consumidor, permitindo uma atuação complementar e coordenada mais efetiva, de maneira a punir mais rapidamente e com maior rigor abusos nas esferas da concorrência e do consumidor. 

Todos os aspectos aqui destacados não são novidades para a equipe econômica atual, cuja qualidade técnica, na sua grande maioria, dispensa maiores elogios. Para onde quer que se olhe há estudos e propostas sobre praticamente todas as questões acimas apontadas. Open Banking, Lei das Agências Reguladoras, MP da abertura do setor aéreo, MP do Bem, propostas de privatização, etc.

O que falta na realidade é fazer com que a área política deste governo entenda que sem trilhar este caminho, evitando debates ideológicos infrutíferos, o país não sairá do buraco e correremos o risco de ressuscitar velhas ideias econômicas que já se provaram um desastre. Falta um comprometimento maior da base de apoio do governo para explicar e defender e no Congresso a relevância das reformas que serão gradativamente apresentadas. Mas acima de tudo, falta o presidente se comprometer firmemente e não boicotar o que a sua área técnica tem proposto.

sexta-feira, 24 de maio de 2019

A economia política do tabelamento dos fretes


Recentemente o governo brasileiro anunciou uma série de medidas para contemplar as demandas dos caminhoneiros. Algumas na direção correta, que envolvem melhoria de infraestrutura e segurança. Outras paliativas e de pouca efetividade, como o cartão do caminhoneiro e o fornecimento de uma linha específica de financiamento do BNDES. Mas a pior delas é a que envolve colocar em prática uma tabela de fretes na prestação deste serviço. 

A razão desta insistência pode ser entendida a partir de ensinamentos econômicos construída ao longo dos últimos cinquenta anos. Particularmente, um conjunto de artigos que inauguraram o que se denomina Teoria da Regulação Econômica, publicados por Stigler[1], Posner[2]e Peltzman[3]no início da década de 70, nos auxilia a entender a economia política do quanto vivemos hoje pelo país.

Os políticos, como qualquer “homus economicus”, são motivados pela maximização de seus objetivos, no caso a obtenção e manutenção do poder. Isto implica assumir implicitamente que grupos de interesses podem influenciar os resultados dos processos legislativos e regulatórios ao fornecer apoio a esses mesmos políticos, seja via financiamento de campanha ou de voto. Assim, o poder decisório e coercitivo do Estado pode ser utilizado para dar benefícios valiosos a determinados grupos, o que faz com que a regulação possa ser entendida como um produto negociado no mercado político, e cuja alocação é governada por leis de oferta e demanda.

Para um melhor compreender a questão, devemos entender os caminhoneiros como parte do lado da demanda neste mercado e aqueles que definem leis e normas (políticos) como os ofertantes da política pública. 

É fato que o objetivo dos caminhoneiros é obter uma garantia de renda que consideram “adequada”. Para tanto, poderiam cogitar atuar coordenadamente elevando preços. Entretanto, esta decisão teria, no mínimo, o inconveniente de gerar um custo de transação muito elevado. Isto porque além do custo ex antede acertar os termos da coordenação (valor da tabela, por exemplo), haveria ainda que se incorrer também em custos ex postdo monitoramento dos termos pactuados; fato não trivial, considerando a quantidade e dispersão da oferta de caminhoneiros pelo país. Note-se que esta alternativa se mostra ainda mais problemática quando lembramos que acordos de preços no país (cartéis) são considerados infração tanto na esfera administrativa quanto penal.

Não obstante, dado que o mercado de transporte de carga é por natureza competitivo, um acordo em preços devidamente efetivado elevaria a margem de seus participantes, garantindo um benefício extra bastante atrativo para os envolvidos (caminhoneiros) em detrimento do resto da sociedade. Nesta linha, o foco desse grupo pode passar a ser então a obtenção de uma “regulação” com os mesmos efeitos de um cartel, qual seja, a definição de preços mínimos, nos moldes descritos por Stigler.[4]Este movimento, tem dupla implicação. A primeira é que criação de regras, inclusive com normas punitivas para seu descumprimento por parte do Estado, resolve o problema da coordenação ex antee reforça o cumprimento ex postaqui já destacado. A segunda vantagem está relacionada ao fato de que a “regulação” requer uma intervenção no processo político e no domínio econômico, de maneira a criar normas que se contraponham àquelas já vigentes. Mais especificamente, a “regulação” pode ser entendida como uma forma de criar uma espécie de imunidade antitruste e um salvo conduto para uma atuação contrária ao interesse da sociedade. 

E é exatamente nesta linha que se dá o movimento dos caminhoneiros. Como uma forma de obter ganhos extraordinários em detrimento do resto da sociedade. Vale lembrar que o inciso IV do artigo 170 da Constituição Federal e a Lei 12.529/2011 são claríssimos em entender como princípio basilar da ordem econômica e do interesse público a livre concorrência.

A forte mobilização da categoria nos mostrou ainda que a busca pela regulação pode também ser entendida a partir de um mixde dois movimentos apontados por Posner. O primeiro, de caráter mais “democrático”, enfatiza a relevância do número de eleitores que podem se beneficiar da regulação e de sua capacidade de influenciar os demais eleitores. Já o segundo, de caráter coercitivo, está baseado em ameaças críveis de retaliação violenta, caso a sociedade não lhes conceda tratamento mais favorável. Um exemplo clássico desta segunda postura são as ameaças e boicotes.

Note-se que foram esses dois movimentos que pressionaram fortemente os ofertantes da regulação, mais precisamente os políticos. O medo de perda de apoio e de votos nos fez assistir discursos inflamados totalmente desconectados do real interesse público, além de observar a adoção de medidas equivocadas dentro do poder executivo, inclusive na agência reguladora setorial, e no próprio legislativo brasileiro. E isso ocorreu a tal nível que outros possíveis players, pelo lado da demanda (indústria e agricultura), não tiveram força suficiente para se contrapor à pressão dos caminhoneiros. Em última instância, o que tem pesado neste jogo é o voto ofertado pelos caminhoneiros e o impacto sobre o nível de aprovação do governo de plantão.

Não por outra razão, durante o governo Temer assistimos ao Chefe da Casa Civil da época e à maioria do Congresso atropelarem a Constituição Federal e a Lei de Defesa da Concorrência para garantirem o quanto solicitado pelos caminhoneiros. Em que pese todos os trabalhos técnicos apresentados para indicar o erro que seria o tabelamento da época, a decisão foi tomada baseada na expectativa de votos para esses políticos.

Infelizmente parece que a lição não foi aprendida. O governo atual, cujo presidente durante a campanha aproveitou-se deste movimento, já se mostrou também entregue a este mesmo grupo. O sinal foi dado em janeiro, quando dois excelentes técnicos da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) foram exonerados, em circunstâncias nada transparentes, de acordo com notícias dos jornais da época. Isto porque encaminharam ao CADE e ao STF documento produzido por aquela Secretaria apontando que os caminhoneiros abusaram “do direito de greve, conspiraram, de forma anticompetitiva, para coagir autoridades públicas à edição de legislação que lhes garanta benefícios econômicos, em detrimento do bem-estar social”.

Este aparente medo do governo atual ficou ainda mais transparente na exposição recente dos Ministros da Casa Civil e da Infraestrutura, que trataram os caminhoneiros como “amigos do presidente”; e este fato foi reforçado pela divulgação de um WhatsApp com a voz de Onix Loenzoni, mostrando o nível de influência e de capacidade de intervenção deste grupo sobre a política de preços da Petrobrás.

No final do dia, o que observamos é que neste mercado político os demandantes de regulação (caminhoneiros) estão conseguindo seus objetivos dos ofertantes (políticos). Sendo isso verdade, seria ao menos honesto que este governo estabelecesse formalmente uma isenção antitruste de direito (e não apenas de fato) e explicasse claramente para a sociedade que todos pagaremos esta conta por meio de maiores preços e menos empregos em outros setores (assunto de artigo futuro...).


[1]STIGLER, J.S. The Theory of Economic Regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science. Vol. 2, No. 1 (Spring, 1971), pp. 3-21.
[2]POSNER. R.A. Theories of Economic Regulation. Bell Journal of Economics, 1974, v5(2), 335-358.
[3]PELTZMAN, S. The Economic Theory of Regulation after a Decade of Deregulation. Brookings Papers: Microeconomics 1989. 
[4]Stigler sugere ainda em sua obra outras formas pelas quais políticos atendem a grupos de interesse, como, por exemplo: a limitação de entrada de novas empresas no mercado; o fornecimento de subsídios diretos a determinadas indústrias; e a elevação de tarifas de importação. Certamente o leitor deste texto reconhecerá este movimento em outros setores no caso brasileiro.