Programa não define modelo de governança a ser adotado para conseguir objetivos
Na última semana, o governo federal apresentou o
que deve ser um novo programa de investimentos denominado “Novo PAC”
(Novo Programa de Aceleração do Crescimentos. Ao todo, estão
previstos R$ 1,7 trilhões de investimentos, cabendo, deste valor,
R$ 612 bilhões ao setor privado.
Há que se reconhecer inicialmente que, ao contrário dos
planos de investimentos anteriores do PT, a escolha, desta vez, baseada em
eixos e não em setores da economia, tem algum sentido lógico e gera o que os
economistas chamam de externalidade positiva para toda a sociedade.
Por exemplo, investimentos em infraestrutura e transporte
elevam o nível de produtividade e reduzem custos. Em linha similar,
investimentos em saúde e educação melhoram a qualidade de vida do cidadão,
aumentam a produtividade do trabalhador e reduzem custos para o Estado. Mas as
boas notícias ficam por aí. Em realidade, o Novo PAC se mostra muito mais
como mais uma “carta de intenções megalomaníaca”, em um momento de finanças
públicas totalmente desajustadas e sem qualquer sinal de qual será o modelo de
governança a ser adotado para que os objetivos delineados sejam obtidos.
Há que se entender, em primeiro lugar, que, muito mais
importante do que os instrumentos estatais de intervenções escolhidos, a
maneira como a governança da política pública é construída define muito do seu
sucesso. Nesse sentido, usar a estratégia de “dar a cenoura com o porrete na
mão” é fundamental neste processo.
Em outras palavras, é necessário definir incentivos que
não sejam permanentes, escolhidos com critérios claros e de maneira
transparente. Ademais, é necessária uma supervisão constante de gestores bem-preparados
e da própria sociedade e com espaço para revisão, caso os objetivos
pré-definidos não sejam alcançados. No limite, a ausência de resultados deve
ser entendida como um sinal para extinguir a política escolhida. E, ao menos
até o momento, nada disso está claro no Novo PAC.
Em segundo, com o Novo PAC, o governo prevê investimentos
públicos da ordem de R$ 1 trilhão, entre aqueles originários do orçamento
federal, de empréstimos e de estatais. E este é mais um dos principais
problemas, na medida em que fica cada dia mais claro que o ajuste das contas
públicas será deixado de lado ou só ocorrerá mediante elevação substancial da
carga tributária.
É aí que mora o perigo para o crescimento econômico.
Deixar de lado o controle das contas pública implicará a elevação dos juros no
futuro, inibindo o investimento privado que se quer estimular, dentro de um
fenômeno conhecido em economia como efeito “crowding out”. De maneira
similar, aumentar ainda mais a já elevada carga tributária para abrir espaço
para investimentos públicos também reduzirá o nível de atividade
econômica.
E isso nos leva a um terceiro aspecto. Como contar com R$ 600
bilhões do setor privado se os sinais fornecidos pelo Estado são os piores
possíveis? E não me refiro apenas às contas públicas. Se refletirmos um pouco,
boa parte dos investimentos privados esperados estão relacionados à área de infraestrutura,
cujos setores, em geral, são regulados e contam também com a atuação de
empresas públicas.
Nesse sentido, parecem, no mínimo, contraditórias as falas
do próprio presidente da república, que caminham no sentido de reestatizações
de determinadas empresas ou sugerem a intervenção no sistema de preços de
mercado por meio de estatais.
E isso sem falar da falta de comprometimento de nossos
políticos com a boa governança regulatória, a tentativa constante de mudança da
Lei das Estatais para indicar apadrinhados em cargos-chave ou as constantes
alterações das regras do jogo no meio da partida, como, por exemplo, a proposta
de revisão do marco do saneamento encaminhada ao Congresso via Medida
Provisória.
Fato é que o Novo PAC, além de não mostrar prioridades e
uma governança bem definida, contrapõe-se ao discurso do Ministério da Fazenda
de desenhar um arcabouço fiscal crível de controle das contas públicas, sem
elevação da carga tributária.
E, novamente, a questão aqui não é desmerecer os objetivos
delineados neste novo plano, mas sim a forma a ser utilizada para alcançá-los.
E, para tanto, melhor seria que o governo caminhasse, no mínimo, em três
vertentes.
A primeira envolve revisar sua estrutura e qualidade de
gastos públicos, definindo prioridades e liberando recursos para retomar seus
investimentos para eixos fundamentais, como saúde e educação. Como o próprio
presidente Lula afirma, não há contradição entre investimento público e
controle fiscal. Basta haver um processo prévio de escolha de onde alocar o
recurso arrecadado.
A segunda, concentrar seus esforços em realizar uma
reforma tributária consistente e controlar a trajetória das contas públicas de
maneira crível. Só isso já provocaria uma queda do “Risco Brasil” e permitiria
baixar substancialmente os juros de maneira consistente, reduzindo o custo do
capital e induzindo investimentos.
A terceira, mas não menos importante, garantir as regras
do jogo e dar segurança jurídica aos negócios pactuados. E, neste capítulo, é
fundamental blindar as agências reguladoras e empresas estatais do controle
político. A grande questão, entretanto, é saber se é isso mesmo que o atual
governo deseja.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 15/8/2023.”
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