terça-feira, 15 de agosto de 2023

POR QUE O NOVO PAC CORRE O RISCO DE SER MAIS UMA CARTA DE INTENÇÕES

Programa não define modelo de governança a ser adotado para conseguir objetivos

Na última semana, o governo federal apresentou o que deve ser um novo programa de investimentos denominado “Novo PAC” (Novo Programa de Aceleração do Crescimentos. Ao todo, estão previstos R$ 1,7 trilhões de investimentos, cabendo, deste valor, R$ 612 bilhões ao setor privado.

Há que se reconhecer inicialmente que, ao contrário dos planos de investimentos anteriores do PT, a escolha, desta vez, baseada em eixos e não em setores da economia, tem algum sentido lógico e gera o que os economistas chamam de externalidade positiva para toda a sociedade.

Por exemplo, investimentos em infraestrutura e transporte elevam o nível de produtividade e reduzem custos. Em linha similar, investimentos em saúde e educação melhoram a qualidade de vida do cidadão, aumentam a produtividade do trabalhador e reduzem custos para o Estado. Mas as boas notícias ficam por aí. Em realidade, o Novo PAC se mostra muito mais como mais uma “carta de intenções megalomaníaca”, em um momento de finanças públicas totalmente desajustadas e sem qualquer sinal de qual será o modelo de governança a ser adotado para que os objetivos delineados sejam obtidos. 

Há que se entender, em primeiro lugar, que, muito mais importante do que os instrumentos estatais de intervenções escolhidos, a maneira como a governança da política pública é construída define muito do seu sucesso. Nesse sentido, usar a estratégia de “dar a cenoura com o porrete na mão” é fundamental neste processo. 

Em outras palavras, é necessário definir incentivos que não sejam permanentes, escolhidos com critérios claros e de maneira transparente. Ademais, é necessária uma supervisão constante de gestores bem-preparados e da própria sociedade e com espaço para revisão, caso os objetivos pré-definidos não sejam alcançados. No limite, a ausência de resultados deve ser entendida como um sinal para extinguir a política escolhida. E, ao menos até o momento, nada disso está claro no Novo PAC. 

Em segundo, com o Novo PAC, o governo prevê investimentos públicos da ordem de R$ 1 trilhão, entre aqueles originários do orçamento federal, de empréstimos e de estatais. E este é mais um dos principais problemas, na medida em que fica cada dia mais claro que o ajuste das contas públicas será deixado de lado ou só ocorrerá mediante elevação substancial da carga tributária.

É aí que mora o perigo para o crescimento econômico. Deixar de lado o controle das contas pública implicará a elevação dos juros no futuro, inibindo o investimento privado que se quer estimular, dentro de um fenômeno conhecido em economia como efeito “crowding out”. De maneira similar, aumentar ainda mais a já elevada carga tributária para abrir espaço para investimentos públicos também reduzirá o nível de atividade econômica. 

E isso nos leva a um terceiro aspecto. Como contar com R$ 600 bilhões do setor privado se os sinais fornecidos pelo Estado são os piores possíveis? E não me refiro apenas às contas públicas. Se refletirmos um pouco, boa parte dos investimentos privados esperados estão relacionados à área de infraestrutura, cujos setores, em geral, são regulados e contam também com a atuação de empresas públicas. 

Nesse sentido, parecem, no mínimo, contraditórias as falas do próprio presidente da república, que caminham no sentido de reestatizações de determinadas empresas ou sugerem a intervenção no sistema de preços de mercado por meio de estatais. 

E isso sem falar da falta de comprometimento de nossos políticos com a boa governança regulatória, a tentativa constante de mudança da Lei das Estatais para indicar apadrinhados em cargos-chave ou as constantes alterações das regras do jogo no meio da partida, como, por exemplo, a proposta de revisão do marco do saneamento encaminhada ao Congresso via Medida Provisória.

Fato é que o Novo PAC, além de não mostrar prioridades e uma governança bem definida, contrapõe-se ao discurso do Ministério da Fazenda de desenhar um arcabouço fiscal crível de controle das contas públicas, sem elevação da carga tributária. 

E, novamente, a questão aqui não é desmerecer os objetivos delineados neste novo plano, mas sim a forma a ser utilizada para alcançá-los. E, para tanto, melhor seria que o governo caminhasse, no mínimo, em três vertentes.

A primeira envolve revisar sua estrutura e qualidade de gastos públicos, definindo prioridades e liberando recursos para retomar seus investimentos para eixos fundamentais, como saúde e educação. Como o próprio presidente Lula afirma, não há contradição entre investimento público e controle fiscal. Basta haver um processo prévio de escolha de onde alocar o recurso arrecadado. 

A segunda, concentrar seus esforços em realizar uma reforma tributária consistente e controlar a trajetória das contas públicas de maneira crível. Só isso já provocaria uma queda do “Risco Brasil” e permitiria baixar substancialmente os juros de maneira consistente, reduzindo o custo do capital e induzindo investimentos.

A terceira, mas não menos importante, garantir as regras do jogo e dar segurança jurídica aos negócios pactuados. E, neste capítulo, é fundamental blindar as agências reguladoras e empresas estatais do controle político. A grande questão, entretanto, é saber se é isso mesmo que o atual governo deseja.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 15/8/2023.”

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