Recentemente, o Banco Central (BC) elevou a taxa de juros mais uma vez em um ponto percentual, chegando a 11,75% ao ano. Na Ata do Comitê de Política Monetária do Copom publicada no dia 22 de março, a instituição enumera uma série de razões para essa decisão, mas, em particular, um trecho do documento, que replico abaixo, chama muita atenção.
“A incerteza em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual resulta em elevação dos prêmios de risco e eleva o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas.”
De uma maneira muito simplificada, a taxa
de juros neutra é aquela que, pressupondo uma situação de pleno emprego, não
afeta o ritmo de inflação e de crescimento correntes. Ela é, no fundo, um
parâmetro para se tomar decisões de política monetária.
Assim, se a inflação estiver acima da meta
estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o BC deverá subir a taxa de
juros Selic vigente acima da neutra para trazer a inflação para o centro da
meta definida. Ato contínuo, se a inflação estiver abaixo da meta (fato raro no
Brasil), a taxa Selic deverá cair, estimulando a economia e fazendo com que a
inflação suba.
A grande dificuldade que se tem nesse
processo é identificar qual seria a taxa de juros neutra a cada momento e qual
a calibragem correta da taxa Selic (acima da neutra) para levar a inflação para
a meta no horizonte definido pela autoridade monetária.
No caso do trecho que extraí da Ata do
Copom, o Banco Central tem enfatizado um aspecto fundamental com relação a um
dos determinantes da taxa neutra: a incerteza sobre as finanças públicas. E não
é para menos.
Desde a crise de 2008, com raros momentos
de “sanidade fiscal”, os reiterados governos têm adotado uma política de
elevação dos gastos públicos crescentes que culminaram em constantes déficits
primários e retorno do crescimento da dívida pública a partir de 2014.
A Dívida Bruta do Governo Geral (abrangendo
as três esferas de governo, menos BC e empresas estatais), que estava em 51,3%
do PIB em dezembro de 2011, passou para 69,3% quando do impeachment da
Presidente Dilma, saltou para 89% durante a pandemia e se reduziu para algo em
torno de 80% em dezembro de 2021.
Note-se, entretanto, que essa redução no
final de 2021 deriva em grande medida do “imposto inflacionário”, que nada mais
é do que ganho obtido pelo governo ao emitir mais dinheiro para financiar seus
gastos. Apenas para se ter uma ideia, a base monetária cresceu mais de 40%
durante a pandemia.
Com o aumento da quantidade de moeda em
circulação, cria-se um processo inflacionário, com perda de poder aquisitivo da
população. Mas, em contrapartida, como os preços se elevam, o Governo Federal,
estados e municípios arrecadam mais. Assim, se os gastos públicos não
aumentarem na mesma proporção, revertem-se eventuais déficits existentes até
então.
E foi exatamente isso que aconteceu com os
estados e municípios, que apresentaram superávits no último ano. Já o
Governo Federal, que teve que incorrer em elevados gastos com a pandemia,
continuou a apresentar déficit.
De toda forma, este processo nunca é
sustentável, uma vez que a sociedade e, principalmente, as corporações de
funcionários públicos, acabam pressionando pela reposição das perdas incorridas
com o imposto inflacionário.
Apenas a título ilustrativo, neste ano
eleitoral, mais de 20 estados já aumentaram os salários dos funcionários
públicos ou encaminharam projetos às assembleias legislativas. E se olharmos a
programação de criação de gastos correntes do Governo Federal, a situação é
menos alentadora ainda.
É neste contexto que o Banco Central tem
alertado para o fato de que, se nada for feito de concreto, criaremos um ciclo
crescente de déficits e inflação, que acabará por gerar uma trajetória da
dívida pública insustentável.
E se isso ocorrer, os prêmios de risco para
financiar a dívida do governo se elevarão e a taxa de juros neutra se tornará
cada vez mais alta, obrigando a um constante aumento da taxa Selic. Ato
contínuo, os investimentos privados cairão, a economia não se recuperará e o
desemprego continuará elevado.
Tenho insistido nesta coluna que a única
forma de resolvermos esse problema é por meio das chamadas reformas estruturais
(administrativa, tributária e continuação da reforma da previdência) e da
implementação de um amplo processo de privatizações e concessões.
Só assim o país conseguirá racionalizar os
gastos públicos, elevar o nível de eficiência na economia (no setor público e
privado) e aumentar de maneira consistente o nível de arrecadação do governo. O
grande problema é que nenhum dos dois candidatos à presidência líderes nas
pesquisas parece estar preocupado com isso.
Bolsonaro boicotou sua própria reforma da
previdência, mandou uma reforma tributária capenga para o Congresso e enviou
uma administrativa que é extremamente corporativista e não atinge o cerne da
questão. Pior ainda foi ter levado o Centrão para dentro do governo,
estimulando o fim do Teto dos Gastos e rasgando a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
Lula, por sua vez, não propõe coisas muito
distintas. Temos ouvido nítidas declarações de que é contrário ao Teto dos
Gastos e que vai gastar o que for preciso, na esperança de recuperar a
economia, em uma “lógica falaciosa” de que isso gerará mais arrecadação no
futuro.
A verdade é que, no Brasil, uma boa parte
dos gastos públicos é regressivo e ineficiente, não gerando um retorno social
razoável e muito menos implicando aumentos na arrecadação do Estado mais do que
proporcionais aos gastos incorridos. E isso quando não se dissipam no meio de
tanta corrupção, como nos casos “Mensalão” e “Lava Jato”.
Nossa história, inclusive durante os
governos petistas, é clara em mostrar quão errado está Lula. A grande questão é
sabermos se queremos continuar nessa trajetória econômica suicida.
“Texto publicado originalmente no UOL em 25/3/2022.”
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