Desde a última semana, o mundo está assistindo incrédulo ao que na melhor das hipóteses já se transformou em um Segunda Guerra Fria. Entretanto, a invasão criminosa na Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin era algo previsível.
Tenho lido algumas análises que apontam os
EUA e Europa como principais culpados por essa agressão desmedida. Na visão
dessas pessoas, o fato de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)
ter-se expandido para países do leste europeu, rompendo um suposto acordo que
nunca existiu formalmente, seria a real motivação de Putin decidir fazer o que
fez.
Confesso que tenho muita dificuldade em
aceitar essa explicação por vários motivos. Em primeiro lugar, porque conforme esclarece
a própria OTAN,
com a confirmação inclusive de Mikhail Gorbachev, essa questão nunca foi
tratada em qualquer acordo.
Em segundo, porque todo o processo de
adesão começa com um pedido formal do país interessado em fazer parte do grupo.
E se países como Polônia, Romênia, Eslováquia, dentre outros, fizeram isso de
livre e espontânea vontade, foi por entenderem que haveria um risco real de que
a Rússia algum dia quisesse retomar o domínio sobre essas nações.
A própria invasão na Ucrânia mostra que ela
e os demais países que procuraram a OTAN estavam provavelmente corretos em suas
análises. Aliás, neste aspecto, pergunto aos que culpam EUA e Europa, onde fica
o direito de autodeterminação dos países escrito no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1966?
Em terceiro, e mais importante, é o fato de
que a OTAN nunca demonstrou qualquer intenção de invadir o território russo
pela simples razão de que seus países-membros sempre souberam que gerariam uma
terceira guerra mundial com proporções catastróficas, dado o arsenal nuclear da
Rússia. Qualquer um que tenha estudado o mínimo de Teoria dos Jogos sabe que um
arsenal militar é suficiente para dissuadir qualquer invasão ao país detentor
desse armamento.
Não bastasse tudo isso, os investimentos na
OTAN estavam se reduzindo nos últimos anos e, principalmente, a Europa, vinha
tentando uma aproximação e mais diálogo com Moscou para evitar novos conflitos,
apesar do histórico de Putin. Um bom exemplo é o próprio gasoduto ligando a
Rússia à Alemanha.
Diante desse cenário, encontro apenas duas
explicações (não necessariamente excludentes) para a invasão na Ucrânia. A
primeira, no próprio Vladimir Putin, que tantos chamam de estrategista. Apesar
de não descartar tal qualificação, gostaria de lembrar que psicopatas também
são estrategistas e, na maioria das vezes, muitíssimo inteligentes.
Vale lembrar que um psicopata, de maneira
geral, é um sujeito frio, que não sente remorso ou culpa por ter praticado atos
cruéis, sendo totalmente inflexível, quando entende que alguém merece algum
tipo de punição. Ademais, tende a ser narcisista, manipulador e egocêntrico.
Quem conhece um pouco da história de Putin
sabe que ele demonstra constantemente todos esses “predicados”, com o agravante
de ser megalomaníaco. Claro que sem um diagnóstico clínico não teremos essa
certeza, mas dos cinco psiquiatras que consultei antes de escrever este artigo,
todos me disseram que ele seria um fortíssimo candidato.
Assim, eu não descartaria sua intenção de
aos poucos recriar a antiga União Soviética caso não seja dado um basta para
suas atitudes que envolvem uma “racionalidade própria”, que o Ocidente demorou
a entender. E vale lembrar que isso não necessariamente levará a uma guerra
nuclear, uma vez que a maioria dos psicopatas também têm instinto de
autopreservação.
A segunda explicação é de ordem
político-econômica. Putin construiu seu Estado autoritário baseado em dois
vetores. O primeiro deles, em uma plutocracia corruptora e em um staff
de governo corrupto. Aliás, uma observação do Índice de Percepção da
Corrupção 2021
da Transparência Internacional mostra que, em um ranking de 140, a
Rússia é um dos 4 países mais corruptos.
Já o segundo vetor está calcado na
combinação de populismo, censura e repressão interna a toda e qualquer
oposição. Só que isso tem um limite. Afinal, como diria a frase atribuída ao
marqueteiro da campanha de Bill Clinton em 1991, “é a economia, estúpido!”.
E a economia russa já não vinha bem havia
um certo tempo, ao menos desde 2013. Coincidentemente, a invasão da Crimeia foi
no início de 2014. Ninguém sabe ao certo o que se passa na cabeça de Putin mas
se ele resolveu arrumar mais um confronto para tirar o foco dos problemas
internos e recuperar sua popularidade, escolheu a pior forma e o pior de todos
os países.
A Ucrânia vem resistindo e ganhando apoio
da maior parte da comunidade internacional. Mesmo a China, uma “aliada sem
limites”, não tem visto essa invasão com bons olhos pelo estrago que pode
causar a todo o mundo. Aliás, os próprios russos, que já estavam divididos
sobre a ideia da invasão, têm manifestado seu inconformismo, apesar de toda
repressão interna.
Fato é que a escolha agora para o Ocidente
não é sobre qual a melhor opção, mas sim sobre o que seria a “menos pior”,
inclusive no longo prazo. Ceder mais uma vez aos “mimos” de Putin ou manter e
até ampliar as sanções econômicas impostas, mesmo com o ônus que possam gerar
para toda a economia mundial?
Em que pese a resposta não ser simples e
não resolver o problema imediato da Ucrânia, se olharmos para o passado e para
as perspectivas futuras, voltar a negociar com o Putin implica empurrar o
problema com a barriga e até torná-lo pior no futuro. Putin não é e nunca será
confiável.
As sanções que estão sendo impostas afetam
firmemente a todos os russos, inclusive aqueles que estão fora do país. Não só
ao povo, que já estava insatisfeito, como também àqueles que têm se beneficiado
dos anos seguidos de corrupção e de criminalidade, garantidas pelo governo
Putin. Ou seja, afeta a todos que sustentam sua “governabilidade”.
Apenas se presumirmos que Putin seja pior
do que um psicopata (um sujeito sem instinto de autopreservação), que tenha o
controle irrestrito de tudo (inclusive dos botões nucleares) e que seu entorno
não se importe em exterminar o mundo (algo pouquíssimo provável), teremos uma
guerra nuclear, algo no qual realmente não acredito.
Em realidade, se o Ocidente se mantiver
firme e alinhado com as sanções econômicas desta vez e se a China continuar com
sua neutralidade de fato, Putin estará com seus dias contados, mesmo que isso
demore um pouco mais do que a maior parte da sociedade mundial gostaria.
“Texto publicado originalmente no UOL em 4/3/2022.”
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