Nos últimos dias, temos visto uma série de Procons pelo país fazerem ameaças veladas a postos de combustíveis que aumentarem os preços nas bombas. O argumento estaria em uma “suposta figura jurídica” denominada aumento abusivo de preços.
Quero crer que esse movimento reflita
apenas uma “ignorância”, no sentido estrito da palavra desconhecimento, e não
mais uma onda de “populismo consumerista em ano eleitoral, conforme já ouvi por
aí. Com base nisso, gostaria de trazer alguns pontos para reflexão de todos.
A Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078
de 1990), em seu artigo 39, combinado com o inciso X, estabelece que “é vedado
ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, elevar
sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.
O grande problema dessa determinação legal
é que, além de isoladamente a interpretação de “sem justa causa” não fazer o
mínimo sentido econômico, essa expressão abre espaço para todo e qualquer tipo
de discricionariedade pelo poder público.
Para quem já estudou o básico de economia,
sabe que os preços nos mercados são formados a partir da interação entre
ofertantes de um lado (empresas) e demandantes do outro (consumidores). Dito de
outra forma, é a interação entre oferta e demanda que define os preços e
quantidades negociadas de equilíbrio.
Vale lembrar que os preços e as quantidades
de equilíbrio podem variar constantemente, a depender do mercado de que
tratamos (como, por exemplo, o mercado acionário ou o de commodities). A
questão é então entender o que determina essa flutuação. Na prática, essa
resposta não é trivial e pode estar associada a dois tipos de comportamento.
O primeiro deles é o natural de mercados.
Por exemplo, elevações de custos das empresas e choques de oferta (tal como
quebra de safras agrícolas) levam a uma redução da quantidade de bens e
serviços ofertados para os consumidores e, dado o nível de demanda vigente, a
consequente elevação de preços.
No caso particular do mercado aqui tratado,
a restrição à venda de petróleo russo no mundo e os problemas associados aos
custos de logísticas e de seguro de transporte justificam as elevações do preço
do petróleo no mercado internacional pelo lado da oferta.
Essa elevação, por sua vez, entra como um
componente de custo para os postos de combustíveis, em conjunto com outros
incorridos por esses empresários (que também têm subido por conta do processo
inflacionário vigente). De toda forma, esse é só um lado da história: o da
oferta.
Existe ainda uma infinidade de variáveis
pelo lado da demanda que podem justificar aumento de preços. Variações de
renda, disponibilidade de crédito, transferências governamentais e elevações de
impostos sobre o consumo são só alguns poucos exemplos que afetam a decisão de
compra do consumidor.
E isso coloca um problema para qualquer um
que queira fazer uma afirmação de que determinado empresário elevou
abusivamente o preço. Avaliar todas essas dimensões dos dois lados (oferta e
demanda), principalmente em mercados competitivos, é definitivamente uma tarefa
inglória.
No fundo, o que os Procons têm é, no
máximo, acesso a algumas variáveis de oferta, como eventuais planilhas de
custos de empresas. E mesmo essas, muitas vezes dão uma ideia errada sobre os
custos envolvidos na operação de venda de combustível, principalmente os custos
de oportunidade desses empresários.
Nesse sentido, qualquer conclusão dos
Procons sobre eventuais preços abusivos praticados nos mercados é, por
definição, arbitrária e sem qualquer base técnica completa. Note-se, ainda,
que, para se afirmar que determinado empresário elevou abusivamente o preço, os
Procons deveriam dizer o que não seria aumento abusivo; e isso implica regular
as margens dos postos, algo que foge da competência desses órgãos.
Aliás, mais do que isso, tal atitude
contraria frontalmente o inciso III do Artigo 3º da Lei da Liberdade Econômica
(Lei nº 13.874 de 2019), que determina que é direito do empresário “definir
livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como
consequência de alterações da oferta e da demanda”, como é o próprio caso do
mercado de revenda de combustíveis.
Na realidade, o foco de análise do Estado
deveria, no máximo, restringir-se ao segundo tipo de comportamento: ao do
empresário, e dentro da esfera da defesa da concorrência. Em particular, o que
se poderia cogitar avaliar é se os donos de postos, em cidades específicas,
atuaram de maneira coordenada, formando um cartel para elevar e convergir nos
preços praticados.
Em que pese o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) já ter punido vários casos desse tipo, o momento atual
não parece indicar que as elevações de preços estejam ligadas a casos de
cartéis (comportamento de empresário), mas sim ao comportamento natural do
mercado, dado o ambiente econômico incerto, que tem afetado principalmente o
lado da oferta.
Sendo mais claro, o que alguns Procons
precisam compreender é que variações de preços são a consequência de algo, e
não a causa em si mesma. Mais do isso, há que se entender que olhar apenas para
planilhas de custos não diz absolutamente nada sobre o que de fato ocorre nos
mercados, além de poder induzir a punições descabidas e injustas.
“Texto publicado originalmente no UOL em 19/3/2022.”
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