Emendas parlamentares previstas para 2024 somam R$ 53 bilhões
Na última semana, foi aprovada a Lei Orçamentária
Anual (LOA) para 2024 (PLN 29/2023). Nela estão previstas as receitas
obtidas pela União e suas despesas incorridas para o exercício financeiro do
próximo ano.
Há muito que se discutir sobre o orçamento para
2024 e a forma como se deu a alocação de recursos, mas meu foco neste texto
está centrado em um tipo de gasto que me incomoda profundamente, principalmente
por haver uma crença de que ele é necessário e salutar em uma democracia.
Refiro-me às emendas parlamentares.
Este tipo de despesa parece não representar muito diante
de um orçamento federal de R$ 5,5 trilhões, mas, tanto pelo seu volume, como
pela sua alocação, esses gastos tendem a ser ineficientes, criam incentivos
perversos e distorcem o próprio processo democrático brasileiro.As emendas
parlamentares previstas para o próximo ano totalizam um valor de R$ 53 bilhões,
sendo R$ 36 bilhões impositivas (de execução obrigatória). Apesar das críticas
do então candidato Lula no ano passado, o valor dessas emendas para 2024 é 37%
superior ao orçado no ano passado para 2023. E, até o momento, o atual
presidente empenhou, neste ano, um valor de emendas parlamentares 79% superior
ao que Bolsonaro empenhou no seu último ano de governo.
Escuto muito o argumento de que essas emendas seriam
legítimas na medida em que os políticos estão sempre em contato com suas bases
e, portanto, conhecem melhor o que seus eleitores necessitam. Particularmente,
acho esse argumento, no mínimo, questionável. E isso por, pelo menos, quatro
razões.
A primeira delas é que, como é de conhecimento público, a
liberação dessas emendas tem sido negociada na base do “toma lá dá cá”,
distorcendo o processo democrático de discussão sobre assuntos de legítimo
interesse público. Toda vez que o Executivo tem um projeto no Congresso de seu
interesse, passa a usar essas emendas como moeda de troca com os parlamentares.
E a maior prova disso é que as concentrações de liberações
de emendas ocorrem em momentos de discussões mais relevantes no Congresso. Não
por outra razão, os parlamentares criaram o tal do instrumento da emenda
impositiva, de liberação obrigatória, como forma de reduzir o poder de barganha
do Executivo.
A segunda razão está relacionada à falta de uma análise
razoável sobre a eficiência dos gastos associados a essas emendas. Não há
qualquer critério técnico para suas respectivas escolhas e muito menos uma
preocupação em avaliar alternativas de uso dos recursos públicos a elas
alocados.
Em terceiro, há pouca transparência sobre o destinatário
final das emendas. Só para se ter um exemplo, no Portal da Transparência do
governo federal, há situações nas quais o Banco do Brasil aparece como
beneficiário, apesar da mensagem especificando que “este favorecido é um
intermediário que recebe o recurso e repassa-o para os favorecidos finais.” Ou
seja, tentar rastrear o dinheiro gasto é uma tarefa hercúlea.
No fundo, presume-se que, em sua grande maioria, essas
emendas têm características paroquiais e tipicamente eleitoreiras, sendo,
muitas vezes, utilizadas como um trunfo em campanhas políticas, inclusive com
cartazes ou placas nas respectivas cidades onde os recursos são gastos.
Entretanto, pode haver mais do que isso envolvido, o que nos leva ao quarto
ponto.
Uma boa parte desses recursos envolve a contratação de
serviços ou obras públicas, cuja checagem da razoabilidade dos valores pagos
muitas vezes não é trivial. Assim, dada a pouca transparência do verdadeiro
destinatário final do dinheiro, nada impede que ele sirva para fins menos
republicanos, como atos envolvendo corrupção, inclusive para financiamento de
campanhas.
E, neste capítulo, não é difícil lembrar das constantes
falhas, atrasos e outros problemas envolvendo os Tribunais de Contas por todo o
país, no que tange à fiscalização do uso do dinheiro público. Para quem ainda
acha que é pouco dinheiro, vale lembrar que os R$ 53 bi de emendas
parlamentares para o próximo ano estão perto do valor de R$ 58,9 bilhões
previstos nos orçamentos fiscal e da seguridade social correspondente aos
investimentos públicos para 2024.
No fundo, o que criamos ao longo dos anos foi um ambiente
propício para que o círculo vicioso de uso de emendas parlamentares como forma
de se obter uma vantagem competitiva injustificável durante as eleições se
replique e gere mais demandas por recursos públicos para este fim.
Devemos lembrar ainda que o impacto político desse gasto
se torna tão mais relevante quanto mais carente for a comunidade que recebe
esses recursos, na medida em que esse tipo de eleitor tende a perceber o
político responsável pela emenda como uma espécie de “protetor do povo da
região”, criando uma falsa sensação de dependência.
Por outro lado, potenciais novos candidatos a
parlamentares não têm acesso a este instrumento e acabam entrando no processo
competitivo eleitoral em desvantagem com relação aos políticos já consolidados.
E isso só tende a se agravar com o aumento dos valores envolvidos.
Em última instância, seja porque distorcem o debate
democrático no Congresso, seja porque criam uma assimetria competitiva durante
as eleições ou, mesmo, porque geram um efeito alocativo ineficiente dos gastos
públicos, essas emendas deveriam ser limitadas em valor e às originárias nas
comissões técnicas da Câmara e do Senado, onde há ao menos um debate público
que as antecede e têm um caráter um pouco mais técnico.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 28/12/2023.”