quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O PRESENTE AMARGO DE FIM DE ANO QUE NOSSOS PARLAMENTARES NOS DEIXARAM

Emendas parlamentares previstas para 2024 somam R$ 53 bilhões

Na última semana, foi aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 (PLN 29/2023). Nela estão previstas as receitas obtidas pela União e suas despesas incorridas para o exercício financeiro do próximo ano.

Há muito que se discutir sobre o orçamento para 2024 e a forma como se deu a alocação de recursos, mas meu foco neste texto está centrado em um tipo de gasto que me incomoda profundamente, principalmente por haver uma crença de que ele é necessário e salutar em uma democracia. Refiro-me às emendas parlamentares. 

Este tipo de despesa parece não representar muito diante de um orçamento federal de R$ 5,5 trilhões, mas, tanto pelo seu volume, como pela sua alocação, esses gastos tendem a ser ineficientes, criam incentivos perversos e distorcem o próprio processo democrático brasileiro.As emendas parlamentares previstas para o próximo ano totalizam um valor de R$ 53 bilhões, sendo R$ 36 bilhões impositivas (de execução obrigatória). Apesar das críticas do então candidato Lula no ano passado, o valor dessas emendas para 2024 é 37% superior ao orçado no ano passado para 2023. E, até o momento, o atual presidente empenhou, neste ano, um valor de emendas parlamentares 79% superior ao que Bolsonaro empenhou no seu último ano de governo.

Escuto muito o argumento de que essas emendas seriam legítimas na medida em que os políticos estão sempre em contato com suas bases e, portanto, conhecem melhor o que seus eleitores necessitam. Particularmente, acho esse argumento, no mínimo, questionável. E isso por, pelo menos, quatro razões.

A primeira delas é que, como é de conhecimento público, a liberação dessas emendas tem sido negociada na base do “toma lá dá cá”, distorcendo o processo democrático de discussão sobre assuntos de legítimo interesse público. Toda vez que o Executivo tem um projeto no Congresso de seu interesse, passa a usar essas emendas como moeda de troca com os parlamentares.

E a maior prova disso é que as concentrações de liberações de emendas ocorrem em momentos de discussões mais relevantes no Congresso. Não por outra razão, os parlamentares criaram o tal do instrumento da emenda impositiva, de liberação obrigatória, como forma de reduzir o poder de barganha do Executivo.

A segunda razão está relacionada à falta de uma análise razoável sobre a eficiência dos gastos associados a essas emendas. Não há qualquer critério técnico para suas respectivas escolhas e muito menos uma preocupação em avaliar alternativas de uso dos recursos públicos a elas alocados.

Em terceiro, há pouca transparência sobre o destinatário final das emendas. Só para se ter um exemplo, no Portal da Transparência do governo federal, há situações nas quais o Banco do Brasil aparece como beneficiário, apesar da mensagem especificando que “este favorecido é um intermediário que recebe o recurso e repassa-o para os favorecidos finais.” Ou seja, tentar rastrear o dinheiro gasto é uma tarefa hercúlea.

No fundo, presume-se que, em sua grande maioria, essas emendas têm características paroquiais e tipicamente eleitoreiras, sendo, muitas vezes, utilizadas como um trunfo em campanhas políticas, inclusive com cartazes ou placas nas respectivas cidades onde os recursos são gastos. Entretanto, pode haver mais do que isso envolvido, o que nos leva ao quarto ponto.

Uma boa parte desses recursos envolve a contratação de serviços ou obras públicas, cuja checagem da razoabilidade dos valores pagos muitas vezes não é trivial. Assim, dada a pouca transparência do verdadeiro destinatário final do dinheiro, nada impede que ele sirva para fins menos republicanos, como atos envolvendo corrupção, inclusive para financiamento de campanhas.

E, neste capítulo, não é difícil lembrar das constantes falhas, atrasos e outros problemas envolvendo os Tribunais de Contas por todo o país, no que tange à fiscalização do uso do dinheiro público. Para quem ainda acha que é pouco dinheiro, vale lembrar que os R$ 53 bi de emendas parlamentares para o próximo ano estão perto do valor de R$ 58,9 bilhões previstos nos orçamentos fiscal e da seguridade social correspondente aos investimentos públicos para 2024.

No fundo, o que criamos ao longo dos anos foi um ambiente propício para que o círculo vicioso de uso de emendas parlamentares como forma de se obter uma vantagem competitiva injustificável durante as eleições se replique e gere mais demandas por recursos públicos para este fim.

Devemos lembrar ainda que o impacto político desse gasto se torna tão mais relevante quanto mais carente for a comunidade que recebe esses recursos, na medida em que esse tipo de eleitor tende a perceber o político responsável pela emenda como uma espécie de “protetor do povo da região”, criando uma falsa sensação de dependência.

Por outro lado, potenciais novos candidatos a parlamentares não têm acesso a este instrumento e acabam entrando no processo competitivo eleitoral em desvantagem com relação aos políticos já consolidados. E isso só tende a se agravar com o aumento dos valores envolvidos.

Em última instância, seja porque distorcem o debate democrático no Congresso, seja porque criam uma assimetria competitiva durante as eleições ou, mesmo, porque geram um efeito alocativo ineficiente dos gastos públicos, essas emendas deveriam ser limitadas em valor e às originárias nas comissões técnicas da Câmara e do Senado, onde há ao menos um debate público que as antecede e têm um caráter um pouco mais técnico.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 28/12/2023.”

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

DISCURSO PETISTA INDICA QUE O PARTIDO É O PIOR INIMIGO DO GOVERNO LULA

Resta saber qual o caminho que o nosso presidente pretende seguir desta vez

Durante a reunião do  Diretório Nacional do PT realizada no dia 8 de dezembro em Brasília, o partido deu sinais claros de que não aprendeu nada com o passado e que continua sem qualquer compromisso com uma agenda positiva para a economia brasileira que nos permita retomar o crescimento econômico.

A falta de compromisso começa pelo deputado José Guimarães (PT-CE), que afirmou que, se tiver que fazer déficit para vencer as próximas eleições, que assim o seja. Mas o mais grave foi a frase da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que disse que o país “precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal”.

Esse ataque direto ao pouco de racionalidade econômica que ainda existe dentro do governo ficou também refletido no documento final apresentado pelo PT. Um delírio megalomaníaco, tornando praticamente impossível acreditar nas palavras do ministro da Fazenda Fernando Haddad, que vive afirmando que o atual governo tem compromisso com o equilíbrio das contas públicas.

E tudo isso sem falar dos ataques ao Centrão, composto por partidos que dão sustentação ao atual governo, e da costumeira terceirização de responsabilidades por atos próprios que levaram o país ao caos que vivemos até hoje. Ou seja, mais do mesmo.

Em vez de facilitar a formação de um consenso mínimo que permita ao governo implementar medidas para a retomada do crescimento econômico, o PT continua a criar fricções desnecessárias, sendo que uma parte dos seus principais líderes continua a agir como se fossem diretores de um centro acadêmico.

O controle das contas públicas não é uma questão ideológica, mas sim uma necessidade que se impõe a qualquer país que pretenda ter um crescimento econômico sustentável e realizar políticas públicas que beneficiem as camadas mais pobres da sociedade.

Mais do que isso, controlar gastos não significa não gastar. Trata-se apenas de escolher para onde direcionar os recursos arrecadados de uma maneira eficiente. E talvez aí esteja o grande problema, a falta de prioridade que atenda aos anseios da sociedade, fato confirmado pela própria fala do deputado José Guimarães.

Juntando-se a isso a falsa ideia de que qualquer gasto público cria necessariamente desenvolvimento econômico, temos o ingrediente perfeito para chegarmos ao desastre econômico e social que chegaram  Argentina e, em pior grau, Venezuela.

Em verdade, com exceção daqueles gastos envolvendo as funções típicas do Estado (saúde, educação, segurança pública e que envolvam assistência social) ou que são condição sine qua non para a atração de investimentos privados, os demais gastos públicos tendem a ser ineficientes ou a gerar uma distribuição de renda negativa (via desperdício de recursos ou mesmo por meio de corrupção).

Mais do que isso, a arrecadação tributária derivada desse gasto público ineficiente nunca é suficiente para fechar as contas do governo, exigindo, portanto, elevação de impostos. E isso, em última Página | 2instância, implica retirar dinheiro da sociedade, que poderia ser alocado de uma maneira produtiva e mais eficiente. Ou seja, reduzimos a capacidade do país de gerar renda, emprego, etc.

Claro que alguém poderia dizer que esse gasto sempre pode ser financiado também via emissão de títulos públicos (e, consequentemente, com o aumento da dívida pública). Só que, com isso, criamos outro tipo de problema. Quanto maior for a dívida pública, maiores serão os juros pagos a cada período, elevando assim constantemente o déficit nominal (que incorpora também os juros pagos) e criando um círculo vicioso que tende a ser explosivo.

Ademais, uma dívida com uma trajetória crescente sinaliza que existe um risco de que, em algum momento, o governo não terá como honrá-la. Com isso, os financiadores do governo (detentores de títulos públicos) exigirão taxas de juros cada vez mais elevadas, novamente retroalimentando esse processo de crescimento da dívida.

E isso sem falar que a  elevaçãodas taxas de juros também terá um impacto negativo sobre a atividade econômica, implicando menos investimento, consumo, emprego e reduzindo, inclusive, a arrecadação do Estado. Novamente o círculo vicioso se reforça.

No limite, ao longo do tempo, só restará ao governo a alternativa de monetizar a economia (emitir moeda) para financiar esse processo, gerando o “pior e mais regressivo” de todos os impostos: o imposto inflacionário. E, neste caso, só restará ao Banco Central manter a taxa de juros primária elevada para controlar a inflação, algo tão criticado pelo próprio governo.

No fundo, a inflação é o resultado de um “vício” (alimentado implicitamente pelo descontrole fiscal financiado por emissão de moeda) que corrói o poder de compra da população, empobrecendo a todos, principalmente aos mais pobres, que não têm mecanismos de proteção financeira. E é exatamente isso que aconteceu com Venezuela e Argentina. Na Argentina, o nível de pobreza atinge hoje 40% da população e no caso da Venezuela, esse número chegou a ultrapassar os 90%.

As novas gerações não passaram por isso, mas é bom lembrar que o Brasil já viveu um processo de hiperinflação na primeira metade da década de 90, sendo que, em abril de 1990, a inflação acumulada de 12 meses chegou a 6.821,23%. E ela só foi debelada com a implantação do Plano Real, cujo principal crítico foi o PT, exatamente por ter como um dos pressupostos o controle das contas públicas.

Resta saber qual o caminho que o  nosso presidente pretende seguir desta vez. Fazer o que deve ser feito e preparar os alicerces para a retomada do crescimento econômico ou ficar preocupado apenas em eleger correligionários e levar o país para um caminho semelhante aos de nossos vizinhos.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 13/12/2023.”

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

POR QUE A REGULAÇÃO DEVE SER A EXCEÇÃO E NÃO A REGRA?

Decisões regulatórias podem ser interpretadas como um “produto” valioso para vários grupos da sociedade

A discussão sobre a atuação das agências reguladoras não é de hoje. Toda vez que aparece alguma decisão difícil a ser tomada envolvendo interesse de grupos distintos da sociedade, há sempre acusações sobre a inépcia desses órgãos ou de favorecimentos. Alguns mais críticos, inclusive, apontam problemas no modelo regulatório setorial vigente ou questionam a própria existência das agências. Mais comum ainda é assistirmos a ataques direcionados por alguns políticos, inclusive presidentes da república, que, normalmente, o fazem com a intenção de ter a decisão regulatória em suas mãos.

A regulação nada mais é do que um conjunto de comandos normativos, que envolve um agrupamento de regras coercitivas e/ou indutivas, editadas por órgãos criados para fins específicos. De uma maneira mais ampla, é uma forma de atuação estatal deliberada, que influencia o comportamento social, econômico ou, mesmo, político da sociedade.

Um bom modelo regulatório pode atrair investimentos para o setor alvo da regulação, gerando uma série de benefícios para a sociedade. Tais benefícios se materializam por meio de geração de empregos, renda, pagamento de impostos e incorporação de tecnologias, que acabam por elevar o grau de eficiência de toda a economia, ampliando a riqueza de um país.

Sob o ponto de vista prático, a atuação das agências reguladoras incorpora funções semelhantes às dos três poderes, quais sejam: (i) aprovar normas e regulamentos a serem seguidos (função típica legislativa); (ii) implementar as regras definidas, por meio de autorizações e licenças, regulação tarifária, etc., fiscalizando o cumprimento do quanto estipulado (função executiva); e (iii) julgar administrativamente se houve a devida observância da norma e aplicar punições àqueles que as descumpriram (atividade judicante).

Como se observa, a atividade regulatória é bastante complexa, sendo que cada uma das etapas da cadeia de decisão pode definir ganhadores e perdedores no jogo regulatório, redistribuindo riqueza na economia, e alterar o nível de eficiência e de bem-estar social. Nesse sentido, decisões regulatórias podem ser interpretadas como um “produto” valioso para vários grupos da sociedade.

Mais precisamente, podemos dizer que a regulação envolve um mercado de decisões no qual os ofertantes seriam os reguladores e os demandantes os vários grupos da sociedade com interesseem obter resultados “mais lucrativos” nas suas respectivas atividades. E, neste ambiente, a possibilidade de controlar as decisões regulatórias por meio de indicações de diretores ou via interferência e pressões (diretas e indiretas) sobre o processo decisório torna-se uma ferramenta valiosa nas mãos de grupos políticos.

Tal poder, na realidade, permite que esses grupos políticos maximizem seus próprios interesses (votos, financiamento de campanha, cargos, etc.), por meio da negociação com os vários grupos interessados em obter regras específicas ou normas regulatórias gerais.

Fato é que muitos dos erros regulatórios atribuídos a essas instituições nada mais são do que o reflexo da tentativa do controle de suas decisões por parte do universo político. Nesse sentido, a questão central a ser respondida é como fazer com que as decisões regulatórias sejam menos suscetíveis a erros e interferências políticas.

Antes de qualquer prescrição de governança regulatória, é fundamental ter-se em mente três aspectos. O primeiro é entender que a necessidade de regulação pressupõe que haja algum tipo de falha de mercado a ser corrigida. Se isso não se verificar, não há razão para a intervenção estatal.

A segunda é questionar se a regulação não criará uma “falha de Estado” maior do que a falha de mercado que se pretenda corrigir. Isso porque regular implica definir regras a partir de informações obtidas no mercado, o que já introduz de pronto um possível problema de assimetria informacional. Muitas vezes, ainda, não se tem como prever contingências futuras e não há como se ter uma ideia minimamente clara sobre o impacto de uma interferência estatal.

Nessas circunstâncias, se a falha de mercado identificada não provocar uma grande perda de bem-estar social, é melhor que não haja uma intervenção regulatória para que não se cometa erros e se crie uma distorção no mercado superior ao problema identificado que se pretenda corrigir.

Já a terceira questão a ser respondida é se a falha de mercado identificada exige de fato a presença de uma agência reguladora para corrigi-la. Algumas vezes, a simples definição de leis e punição adequadas para o descumprimento da regra já são suficientes para resolver o problema. Outras, a criação de políticas de fomento e constituição de linhas de crédito podem corrigir assimetrias competitivas pelo lado da oferta.

Quando olhamos para a experiência internacional, notamos que a regulação tem migrado de um modelo de “comando e controle”, mais pesado e punitivo, para uma visão mais “responsiva”, indutora, leve e baseada na cooperação. E essa mudança está centrada exatamente na ideia de que há de fato fortes assimetrias informacionais entre reguladores e regulados, que podem potencializar o risco de intervenções indevidas.

No limite, a regulação responsiva permite até mesmo que se crie um círculo virtuoso de desregulamentação nos mercados, reduzindo os custos para os administrados e agências reguladoras, em benefício da própria sociedade.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 29/11/2023.”

terça-feira, 14 de novembro de 2023

NOVA ONDA DE PROTECIONISMO PREOCUPA: NÃO APRENDEMOS NADA COM O PASSADO

As políticas colocadas em prática para o setor automobilístico nos seguidos governos do PT foram um desastre

Na última sexta-feira, dia 10, foi aprovada, pelo Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), a aplicação de cronograma de gravação progressiva do  Imposto de Importação de veículos eletrificados.

Na prática, isso quer dizer que, a partir de janeiro de 2024, voltaremos a pagar imposto de importação na compra de  carros elétricos híbridos e híbridos plug-invindos de fora do país, sendo que as alíquotas serão gradativamente elevadas até alcançarem 35% em 2026. Nesse período, haverá ainda a definição de cotas para compras do exterior com isenção de imposto.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o objetivo é estimular a indústria nacional a desenvolver a cadeia produtiva do setor e acelerar a redução de emissões de gás carbônico da frota brasileira. Os argumentos não são novos e apareceram também nos programas Inovar-Auto, criado em 2012, e Rota 2030, lançado em 2018.

Inovação tecnológica, geração de emprego, necessidade de proteção para desenvolvimento de cadeias produtivas no país e elevação das exportações são discursos recorrentes, algumas vezes baseados em pseudo justificativas técnico-econômicas, mas que, no fundo, acabam por deixar uma conta elevada para a sociedade.

Seus defensores argumentam que a restrição à competição de produtos importados é necessária para que as empresas tenham incentivos para investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e gerar as chamadas “externalidades positivas” representadas pelo desenvolvimento de produtos melhores, mais eficientes e menos poluentes.

Eles também sugerem que, ao fechar a economia à competição externa, as indústrias passariam a trazer para cá todo o processo produtivo (inclusive empresas fornecedoras de autopeças, no caso do setor automobilístico), gerando mais empregos e abrindo a oportunidade para exportar produtos de valor agregado.

Restrição à importação, fornecimento de subsídios e isenções tributárias foram políticas públicas muito utilizadas no país e só levaram a um imenso atraso tecnológico, a ponto de o então presidente Collor se referir aos carros vendidos na década de 90 como “verdadeiras carroças”.

Fato é que políticas como essas têm sido criticadas no mundo todo, seja por falta de embasamento teórico econômico que as justifiquem, seja porque, adotadas de maneira isolada e permanente, mostram péssimos resultados práticos, como o próprio Brasil o demonstra.

Mesmo os técnicos que ainda admitem a adoção de políticas desse tipo, destacam que a maneira como sua governança é construída define muito do seu sucesso. Seria necessário estabelecer incentivos que não fossem permanentes, escolhidos com critérios claros e de maneira transparente, com constante supervisão e com rápida revisão, caso os objetivos pré-definidos não fossem alcançados.

E isso somente para atividades específicas (estímulo a uma nova tecnologia, gastos com um tipo específico de treinamento, etc.) e não a setores propriamente ditos, muito menos para aquelas já estabelecidas no país. Ou seja, tudo ao contrário do que sempre fizemos e, pelo visto, continuaremos a fazer.

Se olharmos para o passado, veremos que as políticas colocadas em prática para o setor automobilístico nos seguidos governos do PT foram um desastre. Além de não tornarem a indústria mais competitiva no âmbito mundial, não geraram inovações relevantes e criaram excesso de oferta no mercado doméstico. Sem dizer que fomos condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

No final do dia, ao não entendermos que a lógica do setor envolve cadeias globais de produção, montamos um parque industrial com excesso de plantas pouco eficientes, que não conseguem obter ganhos de escala. Com isso, trabalham com um custo médio mais elevado que se reflete sobre os preços praticados ao consumidor.

No fundo, a justificativa apresentada para a elevação das tarifas de importação está baseada em argumentos falaciosos que não se sustentam mediante uma análise técnica séria. Se o objetivo fosse, de fato, ter uma indústria mais eficiente e com mais preocupação com o meio ambiente, o melhor seria abrir definitivamente o setor para a concorrência e permitir que o mercado se ajuste.

Não existe melhor incentivo do que a competição para fazer com que o empresário invista em melhores produtos e processos produtivos mais eficientes, pois, do contrário, acabará por perder o mercado. Em realidade, a decisão da Camex da última semana tem por pano de fundo um forte lobby do setor automobilístico, que visa garantir suas margens de lucro.

Só que o problema é que essa conta sempre acaba sobrando para os consumidores. Ademais, como efeito de segunda ordem, os setores importadores envolvidos também serão afetados, gerando menos renda e emprego na economia (do que poderiam fazê-lo em um ambiente competitivo). E isso sem falar da redução do ritmo de renovação de frota por veículos menos poluentes. Em última instância, o efeito líquido agregado acaba sempre sendo negativo para o conjunto da sociedade.

Interessante notar ainda que, na mesma data, a Camex também elevou a alíquota de importação de 73 produtos químicos cujo Imposto de Importação havia sido reduzido em 10% em maio do ano passado. Neste caso, a desculpa foi que a decisão teria sido tomada para reverter os impactos negativos causados à indústria nacional por conta do forte aumento das importações, ou seja, da concorrência externa.

E, aparentemente, não ficará só nisso. O setor do aço já apresentou, na última semana, um discurso na mesma direção, dizendo que está havendo uma inundação do aço chinês por aqui e pedindo uma elevação de alíquota de importação de 25%.

A pergunta que fica é quem se preocupará com o consumidor dentro do governo nessa onda neoprotecionista que tem se formado.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 14/11/2023.”

 

 

terça-feira, 7 de novembro de 2023

O QUE A TEMPESTADE RÁPIDA DA ÚLTIMA SEXTA EM SP DEVERIA NOS ENSINAR

O evento climático que aconteceu na última semana é algo que poderá se repetir

Na última sexta-feira, dia 3, São Paulo foi atingida por uma tempestade que derrubou inúmeras árvores e deixou milhões de pessoas sem luz . Vários bairros foram atingidos e, até o exato momento em que escrevo este texto, há ainda milhões que continuam sem acesso à energia.

Nos últimos dias, tenho lido vários textos procurando culpados para o fato em si e apontando o dedo apenas para a empresa concessionária de energia da cidade. Li até um articulista que buscou associar diretamente a tempestade ao aquecimento global, sem se lembrar de que estamos em um ano de “El Niño” ou que já tivemos em vários anos tempestades com essas características, principalmente durante o verão.

Fato é que a cidade ficou um caos e o custo para toda a sociedade paulistana será realmente elevado, tanto para pessoas físicas como para pessoas jurídicas. Só que mais importante do que debatermos a quem caberá arcar com esse prejuízo (que não deixa de ser importante), é questionarmos o que poderíamos fazer para minimizar o risco de passarmos pela mesma situação no futuro.

E, nesse aspecto, tenho me feito várias perguntas. A primeira delas é qual o limite para o crescimento vertical da cidade e qual o custo social desse processo. Não desconsidero que temos um déficit habitacional grave na cidade e ausência de transporte público de qualidade.

Mas a questão que me vem é se, ao permitirmos a construção de prédios cada vez mais elevados e com maior número de moradores (conforme Novo Plano Diretor, por exemplo), estaríamos solucionando, de fato, um problema, ou criando outro maior no futuro.

No fundo, as mudanças sequenciais em planos diretores na cidade têm facilitado o processo de verticalização e de adensamento populacional em áreas sem infraestrutura para dar conta de tanta gente, em benefício das grandes incorporadoras. E pior, em vez de buscamos criar mais áreas verdes, tornamos a cidade mais impermeável, com novas estruturas de concreto que acabam, inclusive, por enfraquecer as árvores já existentes.

E aí me ocorre uma segunda pergunta: qual a responsabilidade da Prefeitura nesse processo? Quem andou pela cidade nos últimos dias observou uma quantidade imensa de árvores caídas, muitas delas sobre fiações elétricas. E quem já tentou pedir uma poda de árvore por razões de segurança sabe quão lenta é a Prefeitura para resolver problemas desse tipo.

Ou seja, objetivamente, não faltou prevenção? A Prefeitura de São Paulo não tem se mostrado ineficiente no cuidado e na poda de árvores e, neste aspecto, seria corresponsável pela falta de luz? Se, por um lado, devemos sim questionar a concessionária de luz, também devemos cobrar aqueles agentes públicos que não cumpriram seu papel.

Há ainda um terceiro aspecto que tem sido levantado. De longa data, há um debate técnico sobre implementar redes subterrâneas, abrangendo tanto a parte elétrica como a de cabos de telefonia e TV. Para além de questões estéticas, colocar em prática essa mudança evitaria problemas de descarga na rede elétrica, diminuindo os apagões nos bairros e reduzindo, inclusive, os custos de manutenção para as concessionárias.

O grande problema, entretanto, é que a instalação de uma rede desse tipo em São Paulo não é algo trivial, que se faça de uma hora para outra, e sem gerar transtornos de toda ordem na cidade durante o seu processo de construção. Ademais, o investimento necessário é bem elevado e, por óbvio, deverá ser arcado pelos consumidores, para se manter o equilíbrio econômico-financeiro das empresas.

Em áreas greenfield (quando ainda não existe infraestrutura) ou de elevada densidade de carga (como a região da Avenida Paulista), até pode ser uma boa estratégia. Mas estender isso para o resto da cidade dependeria, no mínimo, de uma avaliação da relação custo/benefício para toda a sociedade paulistana e de um debate transparente sobre os efeitos dessa decisão.

A verdade é que o evento climático que aconteceu na última semana é algo que poderá se repetir. Sendo assim, devemos obviamente questionar se a concessionária de luz e a Prefeitura têm feito todo o possível para prevenir os efeitos derivados dessas tempestades e se contam com estrutura suficiente para, o mais rapidamente possível, restabelecer a situação de normalidade na cidade.

Mas, mais do que isso, devemos questionar se as políticas públicas de longo prazo que têm sido escolhidas para as cidades também consideram o risco de eventos climáticos desse tipo e seus efeitos sobre todos nós ou se representam apenas interesses de determinados grupos privados setoriais.

Sob o ponto de vista técnico, o correto seria colocar todas as opções sobre a mesa e escolher aquela que representa a melhor relação custo-benefício (ou custo-efetividade) para toda a sociedade. Assim, teríamos, inclusive, clareza de quem seriam ganhadores e perdedores associados a cada possível escolha.

Se isso acontecesse, desconfio que chegaríamos à conclusão que há muito espaço para melhorar no desenho de Planos Diretores para as grandes cidades (na esfera municipal) e na escolha de políticas de financiamento para o setor habitacional (na esfera federal).

“Texto publicado originalmente no portal IG em 7/11/2023.”

terça-feira, 31 de outubro de 2023

LULA CONTINUA A SER SEU PIOR INIMIGO POLÍTICO NO GOVERNO ATUAL

As falas do presidente indicam que nossa opção atual está sendo pela contratação antecipada de uma crise econômica futura

Na última sexta-feira (27), o presidente Lula, em café da manhã com jornalistas, afirmou que o país não precisa de uma  meta fiscal igual a zero “que obrigue o Brasil a começar o ano fazendo corte de bilhões (de reais) nas obras que são prioritárias para esse país”. E não bastasse isso, ainda disse “que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”.

Honestamente, acho estranho essas falas causarem tanto espanto a tantos. Na realidade, Lula está apenas reafirmando o que pensa e quem realmente é, além de trazer à baila o Lula das eleições passadas. Mas, de toda forma, não há como ignorar que seu discurso é falacioso, demagogo e irresponsável, e joga contra seu próprio governo.

Falacioso porque o ajuste fiscal não depende de corte em gastos prioritários (como em investimentos produtivos e sociais). Ao contrário, em um país cuja carga tributária beira os 35%, há muito espaço para melhorar a eficiência do gasto público. Para além das medidas de longo prazo (reforma administrativa e complemento da reforma da previdência), há que se priorizar e racionalizar gastos, inclusive na área social.

Há vários técnicos nos Ministérios da Fazenda e Planejamento que têm consciência disso e que poderiam ser ouvidos, em vez de seus colegas políticos na Casa Civil e em outros ministérios, que se preocupam apenas em atender interesses de determinados grupos privados ou de funcionários públicos.

Sua afirmação é demagoga porque, ao afirmar que “o mercado é ganancioso”, não especifica quem é o “tal mercado” e dá a entender que ele seria composto apenas pelos mais ricos e banqueiros. Entretanto, também fazem parte do “mercado” fundos de pensão (inclusive de trabalhadores) e médios e pequenos poupadores, que, inclusive, aplicam em fundos de renda fixa, cuja carteira é composta em sua maior parte por títulos públicos.

Aliás, uma rápida busca por notícias na internet mostra que o próprio Lula, na sua declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aloca uma boa parte do seu patrimônio em ativos financeiros (VGBL, aplicações de renda fixa e fundos de curto prazo), cujos rendimentos estão, inclusive, atrelados em alguma medida à taxa de juros paga pelos títulos públicos.

Ademais, esperar que alguém, seja lá quem for, esteja disposto a: (i) correr mais risco, com o mesmo retorno; (ii) alocar recursos em investimentos que podem render menos do que a inflação (se os juros reais forem negativos); ou (iii) manter dinheiro em ativos que rendam menos do que investimentos alternativos, é pedir que se faça um exercício de total irracionalidade econômica, que nem mesmo o próprio Lula parece estar disposto a fazer.

Finalmente, sua fala é irresponsável na medida em que afeta negativamente as expectativas econômicas e gera impacto sobre o câmbio, juros futuros e riqueza das pessoas (bolsa de valores, por exemplo). E essas mudanças afetam, direta ou indiretamente, o equilíbrio das contas públicas e a economia como um todo.

A desvalorização cambial, por exemplo, tem impacto sobre a inflação, dificultando o trabalho do  Banco Central de reduzir as taxas de juros, conforme demanda pública do próprio presidente Lula. Ademais, a inflação reduz o poder de compra da sociedade, principalmente dos mais pobres.

A sinalização da continuidade do déficit público e, consequentemente, da manutenção de uma trajetória crescente da dívida pública eleva a percepção de risco futuro de insolvência do Estado brasileiro. Com isso, os investidores passam a exigir maiores taxas de juros para financiar o governo, com impacto sobre todas as demais taxas do mercado, como aquelas que afetam o custo dos investimentos e do consumo.

Nesse sentido, a tendência é que a  economia cresça menos do que poderia, gerando menos emprego, menos arrecadação (piorando ainda mais a situação fiscal) e menos renda a ser distribuída; sem falar que a própria elevação dos juros tem um impacto negativo direto sobre o déficit nominal (que inclui os juros necessários para financiar o Estado).

Por fim, a piora das expectativas econômicas tende a afetar negativamente o valor de vários ativos, inclusive, mas não só, aqueles negociados na bolsa de valores. Neste processo, os detentores desses ativos passam a se sentir “mais pobres”, menos confiantes e, principalmente, menos dispostos a consumir. Ato contínuo, os empresários passam a ficar mais avessos a realizar novos investimentos produtivos. Com isso, cria-se um círculo vicioso que tende a se retroalimentar e paralisar a economia.

E isso, em um momento no qual o Congresso discute reformas no nosso sistema tributário  e a aprovação do orçamento para 2024. Aliás, este ruído já foi sentido no ambiente político. Na própria sexta-feira, o relator do orçamento, Danilo Fortes (União-CE), criticou, com toda razão, a declaração de Lula; mesmo porque, qual seria a lógica de se preparar um orçamento que já se sabe, de antemão, que não será cumprido?

Pior foi a entrevista nesta segunda-feira (30) do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Não esclareceu qual será a postura do governo daqui para frente, se limitando a acusar governos passados de não terem equacionado a questão fiscal (só se esquecendo de que o principal causador do problema foi o próprio PT, principalmente durante o governo Dilma). Ademais, mostrou-se irritado com os jornalistas que fizeram perguntas simples, que exigiam apenas uma resposta do tipo “sim” ou “não”.

Infelizmente, até segunda ordem, as falas de Lula indicam que nossa opção atual está sendo pela contratação antecipada de uma crise econômica futura, que pode culminar em um processo de estagflação (recessão com inflação).

“Texto publicado originalmente no portal IG em 31/10/2023.”


sábado, 28 de outubro de 2023

PRIMEIRO TURNO NA ARGENTINA MOSTRA PERSPECTIVA ECONÔMICA PREOCUPANTE

O candidato Sergio Massa tem se mostrado um total desastre na condução da política econômica

Tenho visto muita gente escrevendo que o  processo eleitoral na Argentina repetiu o padrão de polarização recente observado na América Latina, cujo melhor exemplo seria o caso brasileiro. Aliás, vi também jornalista e articulista comparando o  candidato Milei ao próprio  Bolsonaro e justificando que o melhor para o  Brasil seria a vitória do candidato governista Sergio Massa

A meu ver, tais comparações pouco agregam e não tocam no âmago da questão, qual seja, a razão de estarmos criando um padrão de levarmos para o  segundo turno posições extremas, deixando de discutir os reais problemas econômicos vivenciados na América Latina.

Se tomarmos o caso argentino, perceberemos que o discurso de  Javier Milei é pouco crível de ser levado à frente. E isso não só porque fala em dolarizar a  economia ou, na “melhor tradição” libertária, acabar com o Banco Central . Na realidade, a grande dificuldade que enfrentará será reduzir os gastos públicos para algo em torno de 15% do PIB argentino, conforme prometido, em um país com aproximadamente 40% da população que depende do Estado.

Claro que ele levanta contrapartidas que são bem-vindas, como simplificação tributária, modernização das leis trabalhistas, privatizações e reformas no setor de energia e agropecuário. Mas isso são medidas estruturais que levam tempo e que muito provavelmente não conseguiriam compensar os efeitos da redução drástica dos gastos públicos por ele proposta.

Por outro lado, Sergio Massa, o candidato da situação, é o atual Ministro da Fazenda e tem se mostrado um total desastre na condução da  política econômica no “melhor estilo” Kirchneristas/Peronista. E, para piorar, no desespero de tentar não perder as eleições, Massa resolveu adotar um conjunto de medidas populistas (denominado “PlanPlatita” pelos argentinos) que têm acabado de vez com as finanças públicas do país.

Em realidade, tais medidas não passam de uma compra de votos de maneira descarada envolvendo desonerações e distribuição de dinheiro para uma larga gama da sociedade argentina, principalmente para aqueles 40% que já se encontram abaixo da linha da pobreza. 

Fato é que essa decisão populista, associada a uma campanha política que propaga o medo com relação ao que Mileipode fazer, permitiu a  Massa ir para o segundo turno em primeiro lugar. E pelos números das pesquisas recentes, o candidato da situação deverá se eleger e ter que lidar com sua própria herança: uma economia que deve chegar ao final do ano com uma inflação em torno de 170% e com uma recessão gravíssima, derivados, em última instância, do desajuste das contas públicas.

E o problema disso é que nada em sua proposta de governo indica qualquer tentativa de correção consistente de rumo. Ao contrário, é um conjunto de intenções de mais do mesmo, que atende sua base eleitoral calcada em funcionários públicos e dependentes do Estado. E é neste ponto que mora todo o problema. 

Argentina caiu de vez em uma armadilha típica de países que não conseguem entender duas coisas. A primeira é que todo gasto público deve ter como contrapartida alguma fonte de receitas, pois, do contrário, o resultado será uma trajetória de elevação de déficit e dívida pública, culminando no que os economistas denominam estagflação (inflação com estagnação econômica).

A segunda coisa é entender que, mesmo que a correção seja realizada com elevação de impostos, a tributação em excesso acaba fazendo com que o país gere menos renda do que poderia, empobrecendo a todos. E isso é tão mais verdade quanto mais ineficientes forem os gastos públicos. E neste aspecto específico, tanto  Argentina como Brasil se igualam.

Em realidade, esse círculo vicioso de descontrole de gastos públicos, que gera como contrapartida desemprego e empobrecimento de uma boa parte da população, é um caminho fértil para criar uma espécie de “dependência química estatal de eleitores”, que passam a acreditar e votar em todo tipo de candidato populista. 

E isso acaba acontecendo porque muitos deles, inclusive, têm medo do que viria com a mudança do paradigma de distribuição de benesses estatais. E é neste raciocínio que Massa também tem se apoiado. Claro que alguém poderia dizer que, dada a gravidade da situação, ele seria obrigado a enfrentar a dura realidade do país e adotar ao menos algumas medidas corretivas. 

O problema é que mesmo para isso teria que mudar sua base de apoio no Congresso, uma vez que a atual nunca permitiria uma guinada da  política econômica desse tipo. Ou seja, Massa criou uma armadilha para si mesmo e para a própria Argentina

Nesse sentido, se o melhor para o  Brasil é ver o nosso terceiro maior parceiro comercial voltar a crescer, ainda acho melhor torcer para a vitória de Milei, com todas as suas falas bizarras, inclusive sobre o Mercosul. Isso porque parte de suas propostas, além de caminhar na direção correta, estão menos distantes das ideias da maioria do Congresso argentino atual. 

Ou seja, é mais fácil para Milei ter um choque de realidade do que o próprio Massa; mesmo porque implementar apenas parte de suas propostas (como, por exemplo, privatizações) na situação atual da Argentina, certamente, representará um enorme avanço no meio de tanto caos econômico, além um imenso ganho político futuro.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 28/10/2023.”

terça-feira, 17 de outubro de 2023

COMO O CONFLITO NO ORIENTE MÉDIO PODE AFETAR A ECONOMIA BRASILEIRA

O efeito mais direto já tem sido percebido com a elevação do preço do barril do petróleo no mercado internacional

Muita gente tem me perguntado em que medida a guerra que se avizinha entre  Israel e os grupos terroristas Hamas e Hezbollah pode afetar uma possível recuperação da economia brasileira. Particularmente, entendo que ainda seja cedo para fazer qualquer previsão mais acurada, mesmo porque não sabemos ainda quanto tempo esse conflito poderá durar e onde acabará.

Mas, de toda forma, é possível esclarecer quais seriam os mecanismos de transmissão dos efeitos da guerra para a nossa economia . Em primeiro lugar, o efeito mais direto já tem sido percebido com a elevação do preço do barril do petróleo no mercado internacional.

Com isso, o preço do combustível no  Brasil (que está atrelado ao preço internacional) também aumentará, refletindo-se sobre os custos e preços de diversos produtos em toda a economia. Em última instância, o consumidor final será direta e indiretamente afetado.

O segundo efeito tem muito a ver com o aumento da percepção de risco no  mundo todo. Com isso, os investidores tenderão a correr para ativos de menor risco, tais como os títulos do tesouro americano. Isso, em particular, poderá implicar uma saída de recursos (dólares) do país, o que, por sua vez, provocará uma depreciação cambial, ou seja, o Real perderá ainda mais seu valor. Consequentemente, poderemos ter dois vetores em sentidos opostos.

Por um lado, como uma parte do nosso consumo é direcionado a produtos importados e o preço de determinados bens é cotado em dólar (principalmente porque algumas empresas têm seus custos definidos em dólares, como o caso do setor aéreo), o consumidor brasileiro será mais uma vez afetado negativamente com a elevação dos preços.

Por outro lado, a depreciação cambial pode tornar nossos produtos mais competitivos no mercado internacional, elevando as exportações e gerando mais renda para alguns setores específicos, principalmente, no caso de commodities, como alguns minerais e produtos agrícolas.

Note-se que o efeito líquido desses vetores é de difícil previsão. De toda forma, o suposto benefício do aumento das exportações ainda pode ser limitado por dois outros fatores.

O primeiro deles é que, se o produto exportado também for consumido por brasileiros, o redirecionamento de sua oferta para o mercado internacional provocará uma elevação de preços para o mercado doméstico.

Já o segundo fator tem relação mais direta com o próprio efeito do conflito no Oriente Médio. Se ele perdurar e se estender para outras áreas ou, mesmo, se elevar a sensação de incerteza e insegurança no mundo, o fluxo de comércio internacional poderá se reduzir. Isso porque tanto empresários como empregados tenderão a ser mais conservadores em suas respectivas decisões de investir e consumir.

É bom lembrar, ainda, que estamos com uma guerra em andamento na Europa (a da Ucrânia) e uma economia chinesa em crise (em grande medida associada aos problemas vivenciados no seu setor imobiliário).

Por outro lado, é verdade que os EUA têm dado sinais de que sua economia continua aquecida, o que poderia eventualmente estimular, em parte, o fluxo de comércio internacional. Mas, como a inflação por lá ainda está elevada, a tendência é que o FED (banco central americano) tenha que manter os juros elevados por mais tempo, revertendo a situação atual.

Ademais, dado o estoque da dívida pública americana, é de se esperar que, em breve, o “governo americano de plantão” seja obrigado a adotar uma política fiscal contracionista (cortar gastos público), o que ajudará a desaquecer a economia americana, com impacto negativo também sobre suas importações, inclusive sobre aquelas direcionadas a produtos brasileiros.

No fundo, o conjunto da obra no mundo mostra um cenário, no mínimo, muito desafiador para a economia brasileira, ainda mais se lembrarmos que o problema das nossas contas públicas está longe de ser solucionado.

Nesse contexto, o  conflito no Oriente Médio é só mais um ingrediente que reforça que tanto as expectativas inflacionárias como a própria inflação poderão não cair nos próximos meses (ou até mesmo voltar a subir), dificultando a continuação da queda da taxa Selic pelo Banco Central Brasileiro (BACEN).

Mais do que isso, como o atual governo reluta em fazer os tão necessários cortes nos gastos públicos, a tendência é que esse ciclo vicioso se perpetue, impedindo uma recuperação efetivamente sólida e contínua da nossa economia.

Fato é que, infelizmente, parece que o  presidente Lula ainda não entendeu que, ao contrário dos seus dois primeiros governos (2003-2011), tanto o cenário internacional quanto o doméstico se mostram muito piores, exigindo de sua parte atitudes mais responsáveis.

 “Texto publicado originalmente no portal IG em 17/10/2023.”

terça-feira, 10 de outubro de 2023

FALA DO MINISTRO DO TRABALHO SOBRE UBER É UM CONVITE À IRRACIONALIDADE

Luiz Marinho diz que, se a Uber quiser sair do Brasil, o 'problema' é da empresa

Na última semana, o atual ministro do Trabalho, Luiz Marinho, afirmou, durante audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, que se a  Uber quiser sair do país, é um problema da empresa e que outros concorrentes ocupariam o espaço deixado pela empresa.

Pior ainda, sugeriu que os  Correios poderiam estudar “um aplicativo de forma mais humana para trabalhadores que desejassem usar o aplicativo dos Correios, para poder trabalhar sem a neura do lucro dos capitalistas, que acontece com Uber, Ifood" etc.

Para além do próprio preconceito demonstrado ao setor privado, a fala do ministro é carregada de um conteúdo sem precedente de ignorância no sentido estrito da palavra. Isso porque ele demostrou um total desconhecimento sobre o modelo de negócio deste tipo de empresa, que envolve plataformas que atuam em um ambiente denominado, em economia, de mercado de dois ou mais lados.

E esse conceito está bem documentado, por exemplo, em estudo da  Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2009. Segundo a instituição, esses mercados são caracterizados por três elementos.

O primeiro deles é a presença de dois grupos distintos de “usuários” que dependem uns dos outros de alguma forma e que contam com uma plataforma para intermediar as relações entre eles. Uma plataforma de dois lados, por exemplo, fornece, simultaneamente, serviços a esses dois grupos.

No caso específico aqui discutido, a  Uber é a plataforma que coloca em contato motoristas e usuários de transportes. E, para isso, define um valor a ser pago pelo usuário com base na quantidade demandada e ofertada neste mercado a cada momento, e cobra um valor do motorista pelo serviço a ele prestado ao conectá-lo com o usuário transportado (uma espécie de taxa de desconto).

E essa discussão inicial indica que, longe de haver uma relação trabalhista entre Uber e motoristas, há sim uma relação de prestação de serviços por uma plataforma que interliga dois lados do mercado (usuários e motoristas), cobrando por isso dos motoristas. Note-se que a relação de trabalho que a Uber guarda de fato é com seus empregados diretos, das várias áreas dentro de sua empresa, e não com os motoristas.

O segundo elemento apontado pela OCDE é a existência do que se denomina “externalidades indiretas” entre os grupos que fazem uso da plataforma. Traduzindo, o valor que cada grupo atribui à plataforma cresce com o número de pessoas conectadas do outro lado. Assim, uma plataforma será tão mais interessante quanto mais gente estiver a ela conectada, o que exige um trabalho não trivial de investimentos constantes na plataforma, de maneira a mantê-la sempre interessante a todos os envolvidos.

O terceiro elemento é a ausência de neutralidade na estrutura de preços, ou seja, a escolha entre cobrar mais de um lado ou de outro do mercado pode afetar a quantidade de transações e, consequentemente, o lucro e bem-estar da sociedade.

Considerando esses dois últimos aspectos, qualquer interferência governamental que imponha algum custo adicional à plataforma ou restrição à sua forma de definição de preços poderá implicar três movimentos. O primeiro será uma recalibração dos níveis de preço(s) cobrado(s), quando isso não for limitado. O segundo será um desincentivo a investimentos em inovação. O terceiro, até mesmo um desincentivo a permanecer no negócio.

Seja qual for o efeito gerado (inclusive podendo ser uma combinação dos três movimentos acima descritos), o nível de transações se reduzirá, gerando uma perda para todos os envolvidos. Menos usuários usando a plataforma, menos corridas, menos recebimento para motoristas e menos lucro para a plataforma.

No limite, o custo imposto pelo Estado poderá sim inviabilizar o negócio não só para a Uber mas para outros atuais ou potenciais concorrentes. Em realidade, a fala do ministro do Trabalho desconsidera esse efeito, inclusive para os próprios motoristas, exatamente por não entender como esse mercado funciona.

Também desconsidera os efeitos aos “consumidores” dos serviços de transporte, seja porque a imposição de custos maiores certamente elevará diretamente os preços definidos pela Uber, seja porque esse movimento reduzirá a capacidade das plataformas de competir com os táxis, por exemplo.

Por fim, o ministro erra ainda ao pressupor que os Correios resolverão o problema. Criar uma plataforma deste tipo envolve investimentos pesados e constantes em tecnologia, conhecimento de mercado, atualizações de segurança, melhorias de prestação de serviços, busca por serviços adicionais, etc.

Isso não é algo trivial e, na melhor das hipóteses, sendo muito otimista, imporá um custo de oportunidade elevado para uma empresa estatal que mal consegue dar conta de suas obrigações. Ou seja, desviar o foco dos Correios de seu core business ("negócio principal", em tradução livre) só reforça uma visão deturpada da realidade que vivemos hoje, principalmente em um país com o nível do déficit público vigente.

No fundo, a fala do ministro do Trabalho, seja por razões populistas ou pela total incapacidade de entender do que estamos tratando, foi muito irresponsável. Se levada adiante, criará mais uma fonte de insegurança jurídica para novos investimentos em um momento no qual o país precisa, urgentemente, gerar novos empregos. 

“Texto publicado originalmente no portal IG em 10/10/2023.”

terça-feira, 3 de outubro de 2023

POR QUE O ESTADO É UM DOS MAIORES RESPONSÁVEIS PELOS JUROS ELEVADOS

Quando o governo gasta mais do que arrecada continuamente acaba gerando inflação

Com frequência assistimos a discursos inflamados de políticos de várias vertentes dizendo que as taxas de juros no Brasil são absurdas (para dizer o mínimo) e culpam os banqueiros (“gananciosos”) e até o presidente do Banco Central do Brasil (BACEN) por esse resultado. Em particular, até o presidente da República tem se esmerado em fazer tais afirmações.

O grande problema é que, seja por ignorância (no sentido estrito da palavra) ou por puro populismo, nenhum deles toca nos reais motivos pelos quais nossa taxa de juros é realmente elevada. Em verdade, para entender o problema, precisamos ter em mente ao menos três questões.

A primeira, que os bancos são intermediários financeiros que colocam poupadores em contato com quem necessita de crédito. Assim, tirando a parte do dinheiro que fica em suas respectivas tesourarias (dinheiro da própria instituição), todo o resto é recurso dos poupadores, que incluem pequenos investidores, pessoas da classe média e até mesmo fundos de pensão. Ou seja, a ideia de que só os ricos e banqueiros ganham com os juros elevados é um tanto quanto falaciosa.

A segunda questão a se entender é que os juros nada mais são do que o preço do dinheiro. Assim, se existe muita demanda para pouca oferta de crédito, a tendência é que esse preço suba e vice-versa. Ademais, se o risco de se emprestar se elevar, é natural que poupadores exijam remunerações mais elevadas (juros mais altos) para emprestar. 

O terceiro ponto a ter-se em mente é que toda transação financeira envolve custos, tais como aqueles associados à parte operacional da instituição financeira, à captação do dinheiro, à inadimplência, à tributação, etc. É natural, portanto, que a instituição procure cobrir esses custos e receber um spread (lucro) no processo de intermediação, pois, do contrário, não teria sentido realizar empréstimos. Obviamente que quanto maior o nível de concorrência em cada segmento financeiro, menor será o spread bancário. 

Mas, para além desses aspectos, é importante entender que o Estado é o maior responsável pelos juros elevados no país. Em primeiro lugar porque, ao gastar mais do que arrecada continuamente, acaba criando um excesso de demanda no mercado por bens e serviços na economia, o que implica gerar inflação.

E para corrigir esse processo, o Banco Central, por meio da política monetária, é obrigado a elevar os juros primários na economia (a taxa Selic), desestimulando o consumo dos demais agentes econômicos (inclusive com efeitos ruins sobre o nível de emprego e investimentos).

A permanência de déficits constantes, quando não cobertos por tributação adicional, também obriga o governo a ir ao mercado contrair empréstimos por meio de títulos públicos, elevando-se, assim, a demanda por crédito no mercado e, consequentemente o preço do dinheiro (juros).

Vejam que o aumento da dívida, ao longo do tempo, cria uma percepção ruim de que, no futuro, o governo possa não honrar esse compromisso. Em outras palavras, a percepção do risco de um calote futuro pode fazer com que os investidores (poupadores) exijam juros mais altos para financiar o Estado, o que também impacta negativamente todo o mercado de crédito.

Nessa mesma linha, devemos lembrar que o risco também se eleva quando o Legislativo resolve apresentar propostas esdrúxulas sobre controle de juros (como o recente aprovado Projeto de Lei do Desenrol a – PL 2.685/22) ou quando, no âmbito do Judiciário, temos decisões contraditórias e que, a pretexto de proteger o consumidor, criam uma enorme insegurança jurídica ou que caminham no sentido de dificultar a recuperação do crédito concedido. E, novamente, em um ambiente de risco mais elevado, os poupadores tendem a ofertar menos dinheiro ou exigir maiores taxas. 

E tudo isso sem falar das distorções criadas pelo governo que, por exemplo, usa seus bancos públicos para fornecer juros subsidiados a setores privilegiados, inclusive com dinheiro do trabalhador e do contribuinte. Um bom exemplo é o caso do BNDES, que, durante anos, atuou dessa maneira, inibindo qualquer tentativa de se criar um mercado de crédito de mais longo prazo no país, que, ao longo do tempo, permitiria também baixar os juros neste segmento de mercado.

Então, diante desse quadro, qual seria a prescrição adequada para baixar os juros no país? Em primeiro lugar, o Estado deveria corrigir sua trajetória das contas públicas. Ao fazer isso, tornar-se-ia um componente a menos de pressão inflacionária, demandaria menos recursos no mercado financeiro e minimizaria a percepção de risco dos agentes econômicos.

Em segundo, deveria rever mecanismos de atuação no mercado financeiro que só geram distorções e passar a estimular a criação de um mercado de crédito de longo prazo, principalmente voltado à infraestrutura.

Em terceiro, trabalhar fortemente em legislações que favoreçam a recuperação do crédito e exercer um papel de advocacy (promotor de ideia racionais) junto ao Judiciário, no sentido de esclarecer o risco de decisões baseadas apenas em “argumentos consumeristas” (sem qualquer base econômica) se tornarem um tiro no pé do próprio consumidor. Mais do que isso, demonstrar que garantir a segurança jurídica é condição indispensável para se reduzir mais efetivamente os juros no país.

Em quarto lugar, ser mais ativo em áreas relacionadas à defesa da concorrência e concorrência regulatória, impedindo definitivamente concentrações excessivas e punindo com mais rapidez e rigor condutas anticompetitivas. Aqui cabe uma ação mais integrada entre CADE e BACEN.

Em quinto, investir mais na correção de assimetrias informacionais no mercado financeiro e, principalmente, em educação financeira, fazendo uso dos órgãos de defesa do consumidor e do próprio Bacen. Note-se que quanto mais informados e preparados estiverem os tomadores de crédito sobre a dívida que estão contraindo e sobre suas reais capacidades de pagamento, menor a chance de os bancos cobrarem juros mais elevados.

Claro que essas não são medidas de curto prazo, mas são aquelas que, no final do dia, resolverão de vez o problema do alto custo do dinheiro no país.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 3/10/2023.”

terça-feira, 5 de setembro de 2023

STF RECRIA INCENTIVOS RUINS DERIVADOS DA NOSSA ESTRUTURA SINDICAL

Decisão cria brechas prejudiciais a trabalhadores que não querem contribuir mensalmente com organizações sindicais

Com isso, os sindicatos poderão convocar uma assembleia com qualquer número de trabalhadores presentes e definir o valor a ser cobrado, que deverá ser descontado pelas empresas da folha de pagamento dos seus empregados, mesmo que estes não sejam sindicalizados.

Para que isso não aconteça, cada trabalhador poderá comunicar seu empregador que não deseja pagar tal contribuição. No entanto, a decisão do Supremo não esclarece como isso se dará, abrindo portas para gerar todo tipo de ônus para os trabalhadores que não quiserem arcar com esse custo, além de estimular um comportamento passado ruim por parte dos sindicatos. 

Há dois aspectos que devem ser considerados para se entender o efeito da decisão do Supremo. O primeiro, de ordem legal, está relacionado ao quanto estipulado no artigo 8º da Constituição Federal, que define o monopólio da negociação coletiva e da representação dos sindicatos, além da impossibilidade de qualquer tipo de interferência ou intervenção governamental, sendo que não há previsão para controle privado. 

Em outras palavras, o monopólio sindical tem o poder de cobrar o valor que bem entender de seus representados, sem a obrigação de prestar contas de seus atos. Vale lembrar que houve uma tentativa de minimizar esse problema em 2008. Quando da aprovação da Lei 11.648/2008, o Congresso buscou condicionar os recursos das centrais sindicais à apreciação de suas contas pelo Tribunal de Contas da União, mas o respectivo artigo foi vetado pelo então presidente Lula.

Já o segundo aspecto envolve lógica econômica e pode ser compreendido a partir do que se conhece, em modelos de governança, por problema de Agente-Principal. A ideia é relativamente simples de ser entendida a partir de uma análise sequencial. 

Inicialmente, podemos entender os trabalhadores como um grupo (aqui denominado de “Principal”) que delega aos sindicatos (seus “Agentes”) a missão de negociar com as empresas melhores salários e condições de trabalho, por exemplo. Ou seja, haveria um mandato a ser cumprido pelos sindicatos. 

Entretanto, pode ser que aqueles que recebem esse mandato (sindicalistas) tenham outros interesses, tais como político-partidários, e passem a direcionar os recursos arrecadados para eleger seus correligionários ou se contraporem a adversários políticos. Aliás, há muitos que consideram que várias entidades se tornaram braços sindicais de determinados partidos políticos.

Nesse contexto, teríamos os “incentivos desalinhados” entre o Principal (grupo de empregados) e o Agente (sindicatos), sendo que o segundo deixaria de cumprir o mandato recebido do primeiro para atender aos próprios interesses. 

E isso tende a ser tão mais provável quanto maior for o nível de assimetria informacional vigente nessa relação. E aqui se forma mais um elo da cadeia. Na medida em que os sindicatos não são submetidos a auditorias independentes e não prestam informações adequadas aos trabalhadores, mais fácil será se desviar do mandato recebido e direcionar recursos financeiros e esforços para outras ações que não aquelas esperadas pelos trabalhadores.

Esse processo pode envolver gastos que atendam a interesses político-partidários específicos, inchaço da máquina sindical, desvio de verbas para “prestadores de serviços”, corrupção, dentre tantas outras coisas. Claro que alguém poderia alegar que os empregados sempre podem pedir informações sobre a atuação dos sindicatos, mas, quem já tentou abrir essa caixa preta, seja por via administrativa ou judiciária, sabe que é praticamente uma luta inglória. 

Na realidade, o custo de transação para quem trabalha é muito elevado, ainda mais porque os ganhos dos desvios são concentrados em poucos (nos sindicalistas) e as perdas acabam por se diluir entre vários (empregados), não gerando incentivo para que esse tipo de questionamento ocorra e, se ocorrer, seja efetivo para tornar a atuação sindical eficiente. 

Fato é que essa lógica perversa só será quebrada quando os nossos legisladores acabarem de vez com o monopólio no sindicalismo e a obrigatoriedade de pagamento de contribuições. Isso porque a possibilidade de haver competição entre sindicatos fará com que os trabalhadores procurem aqueles que estiverem, de fato, alinhados com seus interesses, que cobrem menores valores de contribuição e que estejam dispostos a dar mais transparência na sua atuação.

Note-se que não estou aqui discutindo a importância que os sindicatos possam ter no processo de negociação de salários e outros termos no mercado de trabalho. Eles, de fato, podem estabelecer um equilíbrio mais equânime e estável entre as forças demandantes (empregadores) e ofertantes (empregados) de mão-de-obra. Mas, para isso, precisam voltar a ter os interesses alinhados com seus representados e serem mais eficientes. 

Entretanto, o que o Supremo decidiu na última semana foi diametralmente oposto a essa lógica. Os incentivos criados foram os piores possíveis, estimulando um comportamento ineficiente e sem qualquer compromisso com as melhores práticas de boa governança por parte dos sindicatos. 

“Texto publicado originalmente no portal IG em 5/9/2023.”

terça-feira, 29 de agosto de 2023

O NOVO ARCABOUÇO ESTÁ LONGE DE RESOLVER OS NOSSOS PROBLEMAS FISCAIS

Nova regra define metas e prevê zerar o déficit da União já no próximo ano

Na última semana, foi aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 93/2023, conhecido como “Novo Arcabouço Fiscal”, que veio em substituição à regra do “Teto dos Gastos” vigente até então. Segundo o atual governo, a ideia da alteração da regra foi criar uma forma sustentável de preservar as finanças públicas no país, sem a rigidez que supostamente estaria sendo imposta pela regra anterior.

Para entender melhor o que está em jogo, devemos lembrar que o Teto dos Gastos foi instituído em 2017 como uma forma de se evitar que o governo federal mantivesse um ritmo de crescimento das despesas acima de suas receitas, tornando insustentável a trajetória da dívida pública.

O objetivo era dar uma garantia de que o país não entraria em insolvência, retomando, assim, a confiança e o crescimento econômico. Na época, foram fixados, por 20 anos, limites individualizados para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que seriam corrigidos anualmente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Mas, já naquela época, algumas despesas ficaram fora do teto, entre elas, as transferências de recursos da União para estados e municípios, gastos para realização de eleições, despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes e verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissionais da Educação Básica (Fundeb).

A regra do Teto dos Gastos tinha a vantagem de ser de simples compreensão e acompanhamento, além de estimular uma discussão mais franca sobre o nível de gastos públicos que a sociedade estava disposta a financiar e, principalmente, como os recursos arrecadados seriam distribuídos. Entretanto, com a pandemia e as constantes brechas abertas pelo Congresso durante o governo Bolsonaro, ficou claro que os nossos políticos não estavam satisfeitos com os limites legais impostos por eles mesmos.

Assim, aos poucos, a partir de 2019, o Teto dos Gastos foi sendo gradativamente relaxado e desmoralizado por uma série de medidas, como a PEC 102/19 (que passou a dividir com estados e municípios o resultado de leilões do pré-sal), a PEC 186/19 (Auxílio Emergencial), a PEC 1/22 (Auxílio Brasil), a PEC 23/21 (Precatórios) e a PEC 32/22 (Transição).

A partir daí criou-se um entendimento equivocado de que a regra vigente impunha um limite insustentável, que impedia a realização de políticas públicas. E, pegando carona nesse discurso, o novo governo resolveu propor a regra do Arcabouço Fiscal.

Esta nova regra define metas e prevê zerar o déficit da União já no próximo ano e, a partir daí, passará a definir metas de superávits primários (resultado das contas públicas excluindo os juros pagos) como proporção do PIB para os anos subsequentes, permitindo variações de 0,25% para baixo ou para cima. Entretanto, a PEC da Transição sozinha ampliou o teto de gastos deste ano em R$ 169 bilhões e hoje as projeções de déficit primário para 2023 estão em torno de 1%. Dado esse cenário, é pouquíssimo crível que o governo consiga “zerar” o déficit no próximo ano e nos subsequentes, a não ser à custa de uma elevação brutal de tributos.

Mas, para além desse aspecto, a nova regra apresenta problemas adicionais. O primeiro deles é que atrela a elevação de gastos públicos ao aumento de receitas (do ano anterior). O grande problema é que uma parte das receitas tende a ser incerta e até mesmo temporária, enquanto a maioria das despesas públicas, quando incorridas, passam a ser permanentes.

Ou seja, mesmo definindo um percentual de acréscimo de despesas públicas limitado a uma banda que varia entre 50% ou 70% do crescimento da receita, e um teto superior para o aumento dessas despesas (conforme o texto do Arcabouço Fiscal), o que observamos é que, na melhor das hipóteses e sendo bem otimista, a estabilização da dívida pública só ocorrerá em um futuro bem distante.

E isso sem mencionar a lista de gastos que ficaram fora da nova regra, das quais são apenas alguns exemplos os derivados da obrigação de dar aumento real do salário mínimo, das despesas excepcionais e imprevisíveis (créditos extraordinários), dos recursos do Fundeb e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).

O caso dos investimentos públicos é bastante emblemático, na medida em que o seu total deva ser sempre igual ou maior do que o ano anterior, em termos reais, além de contar com a possibilidade de ser levado a um novo patamar superior toda vez que o governo superar a meta de superávit primário.

Por outro lado, é fato que existem punições para o governo de plantão pelo descumprimento das metas, mas que são muito similares àquelas já previstas no texto do Teto dos Gastos. Mas vale lembrar que os gestores não poderão ser punidos pelo não cumprimento das metas estabelecidas pelo Novo Arcabouço caso tenham respeitado as medidas de contingenciamento e acionado aquelas automáticas de controle.

Nesse sentido, o novo texto gera pouco incentivo para que os gestores se limitem ao quanto está no texto da lei, sem a preocupação de buscar medidas adicionais que possam reduzir gastos públicos de maneira eficiente e permanente.

No final do dia, o que fizemos foi trocar um marco fiscal que gerava incentivo para a discussão sobre alocação eficiente dos gastos públicos e corte de despesas improdutivas por outro que, “na melhor das hipóteses”, cria incentivos para se buscar novas fontes de receitas para o governo, principalmente aquelas derivadas de arrecadação tributária.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 29/8/2023.”