quarta-feira, 29 de novembro de 2023

POR QUE A REGULAÇÃO DEVE SER A EXCEÇÃO E NÃO A REGRA?

Decisões regulatórias podem ser interpretadas como um “produto” valioso para vários grupos da sociedade

A discussão sobre a atuação das agências reguladoras não é de hoje. Toda vez que aparece alguma decisão difícil a ser tomada envolvendo interesse de grupos distintos da sociedade, há sempre acusações sobre a inépcia desses órgãos ou de favorecimentos. Alguns mais críticos, inclusive, apontam problemas no modelo regulatório setorial vigente ou questionam a própria existência das agências. Mais comum ainda é assistirmos a ataques direcionados por alguns políticos, inclusive presidentes da república, que, normalmente, o fazem com a intenção de ter a decisão regulatória em suas mãos.

A regulação nada mais é do que um conjunto de comandos normativos, que envolve um agrupamento de regras coercitivas e/ou indutivas, editadas por órgãos criados para fins específicos. De uma maneira mais ampla, é uma forma de atuação estatal deliberada, que influencia o comportamento social, econômico ou, mesmo, político da sociedade.

Um bom modelo regulatório pode atrair investimentos para o setor alvo da regulação, gerando uma série de benefícios para a sociedade. Tais benefícios se materializam por meio de geração de empregos, renda, pagamento de impostos e incorporação de tecnologias, que acabam por elevar o grau de eficiência de toda a economia, ampliando a riqueza de um país.

Sob o ponto de vista prático, a atuação das agências reguladoras incorpora funções semelhantes às dos três poderes, quais sejam: (i) aprovar normas e regulamentos a serem seguidos (função típica legislativa); (ii) implementar as regras definidas, por meio de autorizações e licenças, regulação tarifária, etc., fiscalizando o cumprimento do quanto estipulado (função executiva); e (iii) julgar administrativamente se houve a devida observância da norma e aplicar punições àqueles que as descumpriram (atividade judicante).

Como se observa, a atividade regulatória é bastante complexa, sendo que cada uma das etapas da cadeia de decisão pode definir ganhadores e perdedores no jogo regulatório, redistribuindo riqueza na economia, e alterar o nível de eficiência e de bem-estar social. Nesse sentido, decisões regulatórias podem ser interpretadas como um “produto” valioso para vários grupos da sociedade.

Mais precisamente, podemos dizer que a regulação envolve um mercado de decisões no qual os ofertantes seriam os reguladores e os demandantes os vários grupos da sociedade com interesseem obter resultados “mais lucrativos” nas suas respectivas atividades. E, neste ambiente, a possibilidade de controlar as decisões regulatórias por meio de indicações de diretores ou via interferência e pressões (diretas e indiretas) sobre o processo decisório torna-se uma ferramenta valiosa nas mãos de grupos políticos.

Tal poder, na realidade, permite que esses grupos políticos maximizem seus próprios interesses (votos, financiamento de campanha, cargos, etc.), por meio da negociação com os vários grupos interessados em obter regras específicas ou normas regulatórias gerais.

Fato é que muitos dos erros regulatórios atribuídos a essas instituições nada mais são do que o reflexo da tentativa do controle de suas decisões por parte do universo político. Nesse sentido, a questão central a ser respondida é como fazer com que as decisões regulatórias sejam menos suscetíveis a erros e interferências políticas.

Antes de qualquer prescrição de governança regulatória, é fundamental ter-se em mente três aspectos. O primeiro é entender que a necessidade de regulação pressupõe que haja algum tipo de falha de mercado a ser corrigida. Se isso não se verificar, não há razão para a intervenção estatal.

A segunda é questionar se a regulação não criará uma “falha de Estado” maior do que a falha de mercado que se pretenda corrigir. Isso porque regular implica definir regras a partir de informações obtidas no mercado, o que já introduz de pronto um possível problema de assimetria informacional. Muitas vezes, ainda, não se tem como prever contingências futuras e não há como se ter uma ideia minimamente clara sobre o impacto de uma interferência estatal.

Nessas circunstâncias, se a falha de mercado identificada não provocar uma grande perda de bem-estar social, é melhor que não haja uma intervenção regulatória para que não se cometa erros e se crie uma distorção no mercado superior ao problema identificado que se pretenda corrigir.

Já a terceira questão a ser respondida é se a falha de mercado identificada exige de fato a presença de uma agência reguladora para corrigi-la. Algumas vezes, a simples definição de leis e punição adequadas para o descumprimento da regra já são suficientes para resolver o problema. Outras, a criação de políticas de fomento e constituição de linhas de crédito podem corrigir assimetrias competitivas pelo lado da oferta.

Quando olhamos para a experiência internacional, notamos que a regulação tem migrado de um modelo de “comando e controle”, mais pesado e punitivo, para uma visão mais “responsiva”, indutora, leve e baseada na cooperação. E essa mudança está centrada exatamente na ideia de que há de fato fortes assimetrias informacionais entre reguladores e regulados, que podem potencializar o risco de intervenções indevidas.

No limite, a regulação responsiva permite até mesmo que se crie um círculo virtuoso de desregulamentação nos mercados, reduzindo os custos para os administrados e agências reguladoras, em benefício da própria sociedade.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 29/11/2023.”

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