Futuro da política monetária nos próximos dois anos já está definido desde o resultado das eleições passadas
Na última semana, o Comitê de Política Monetária (Copom)
reduziu a taxa de juros Selic
para 10,50% ao ano. Em seu comunicado, o Comitê, como de costume, elencou os
principais aspectos que embasaram sua decisão.
No cenário externo, foram destacados como pontos
preocupantes a incerteza sobre o início da flexibilização de política monetária
nos Estados Unidos e sobre a velocidade com que se observará a queda da
inflação de forma sustentada em diversos países.
Já no âmbito doméstico, o Copom alertou que há um conjunto
de indicadores de atividade econômica (principalmente do mercado de trabalho)
que tem apontado um maior aquecimento econômico do que era de se esperar. Em
particular, foi destacada uma resiliência da inflação de serviços maior do que
a esperada, dado que o hiato do produto (diferença entre o PIB efetivo e o
potencial) tem sido menor do que o projetado.
Também foram apontadas preocupações com a falta de
compromisso do governo com um ajuste fiscal crível e seu potencial impacto
sobre a política monetária. De fato, a manutenção de uma trajetória das contas
públicas sustentável é fundamental para ancorar as expectativas de inflação e
permitir a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros e,
consequentemente, a queda da taxa de juros primária.
E isso é ainda mais verdade em um modelo de metas de
inflação cuja taxa de juros neutra é um balizador importante no processo do
Banco Central (Bacen). Essa taxa nada mais é do que aquela que, pressupondo uma
situação de pleno emprego, não afeta o ritmo de inflação e de crescimento
correntes. Ela é, no fundo, um parâmetro para se tomar decisões de política
monetária.
Assim, se a inflação estiver acima da meta estipulada pelo
Conselho Monetário Nacional (CMN), o Bacen deverá subir a taxa
de juros primária (Selic) vigente acima da neutra para trazer a inflação
para o centro da meta definida. Ato contínuo, se a inflação estiver abaixo da
meta (fato raro no Brasil), a taxa Selic deverá cair, estimulando a economia e
fazendo com que a inflação suba.
A grande dificuldade que se tem nesse processo é
identificar qual seria a taxa de juros neutra a cada momento e qual a
calibragem correta da taxa Selic (acima da neutra) para levar a inflação para a
meta no horizonte definido pela autoridade monetária. E as incertezas apontadas
na última ata do Copom (principalmente com relação às contas públicas) só
reforçam que essa não é uma tarefa trivial, abrindo margem para visões
distintas sobre o ritmo da queda.
Nesse sentido, parece-me que o valor que o mercado
financeiro e a imprensa estão atribuindo à divergência entre os membros do
Copom é algo um tanto quanto exagerado. A interpretação de que o “racha” entre
os membros indicados pelo atual governo e os dos governos anteriores apontaria
para um afrouxamento da política monetária no futuro ignora alguns fatos
objetivos.
Em primeiro lugar, não houve divergência sobre a direção
que os juros devam tomar. Todos concordaram que há, neste momento, espaço para
uma redução da taxa primária. E como disse, dado o grau de incerteza vigente na
economia brasileira e mundial, há claramente espaço para uma discussão técnica
sobre qual o ritmo da queda da taxa de juros a ser empreendida.
Em segundo, não me parece razoável assumir, a priori, que
todos os indicados pelo governo Lula estariam lá
apenas por razões políticas, com o objetivo de atender aos interesses ditados
pelo presidente e por seu partido.
Por exemplo, o economista e professor da FGV Paulo
Picchetti é reconhecidamente um profissional do mais alto gabarito, um dos
maiores especialistas em inflação do país e profundo conhecedor de modelos
econométricos. E quem já teve a oportunidade de trabalhar com ele sabe de sua
seriedade e ética profissional.
Em terceiro, o rumo futuro da política monetária nos
próximos dois anos já está definido desde o resultado das eleições passadas.
Gostemos ou não, o presidente da república tem o direito (e até o dever) de
nomear os próximos diretores do Banco Central e já deixou bem claro sua total
falta de compromisso com qualquer ajuste fiscal sério e com uma política
monetária que busque controlar a inflação. Aliás, justiça seja feita, ele
externou claramente sua posição durante o próprio processo eleitoral.
Nesse contexto, parece-me totalmente sem sentido só agora
ter caído a ficha para o mercado e para a imprensa em geral sobre o rumo da
política monetária a partir da troca dos próximos diretores. Se fosse isso
mesmo, estaríamos diante de gestores profissionais de fundo assumindo uma
postura “pollyanna” ou adotando uma estratégia de avestruz, escondendo a cabeça
debaixo da terra para fugir do óbvio.
Como não creio nisso, a única explicação plausível que
vejo para esse suposto “treme treme” no mercado financeiro na última semana é
que se criou um medo generalizado de que agora ficará mais difícil convencer
poupadores de que vivemos no país das oportunidades e que existe um amplo leque
de ótimos investimentos com retornos razoáveis disponíveis.
Na realidade, o “rei já está nu há muito tempo” e a
associação de políticas fiscal e monetária expansionistas, no atual contexto do
país, só fará repetir no futuro o que aconteceu no governo Dilma, quando a
inflação passou de dois dígitos. O problema é que é muito fácil olhar para os
dados atuais e acreditar que a economia esteja bem, quando o que importa, de
fato, é a dinâmica que estará sendo criada para os próximos anos. Quem viver
verá.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 14/5/2024.”
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