Decisão cria brechas prejudiciais a trabalhadores que não querem contribuir mensalmente com organizações sindicais
Com isso, os sindicatos poderão convocar uma assembleia
com qualquer número de trabalhadores presentes e definir o valor a ser cobrado,
que deverá ser descontado pelas empresas da folha de pagamento dos seus
empregados, mesmo que estes não sejam sindicalizados.
Para que isso não aconteça, cada trabalhador poderá
comunicar seu empregador que não deseja pagar tal contribuição. No entanto, a
decisão do Supremo não esclarece como isso se dará, abrindo portas para gerar
todo tipo de ônus para os trabalhadores que não quiserem arcar com esse custo,
além de estimular um comportamento passado ruim por parte dos sindicatos.
Há dois aspectos que devem ser considerados para se
entender o efeito da decisão do Supremo. O primeiro, de ordem legal, está
relacionado ao quanto estipulado no artigo 8º da Constituição Federal, que
define o monopólio da negociação coletiva e da representação dos sindicatos,
além da impossibilidade de qualquer tipo de interferência ou intervenção
governamental, sendo que não há previsão para controle privado.
Em outras palavras, o monopólio sindical tem o poder de
cobrar o valor que bem entender de seus representados, sem a obrigação de
prestar contas de seus atos. Vale lembrar que houve uma tentativa de minimizar
esse problema em 2008. Quando da aprovação da Lei 11.648/2008, o Congresso
buscou condicionar os recursos das centrais sindicais à apreciação de suas
contas pelo Tribunal de Contas da União, mas o respectivo artigo foi vetado
pelo então presidente Lula.
Já o segundo aspecto envolve lógica econômica e pode ser
compreendido a partir do que se conhece, em modelos de governança, por problema
de Agente-Principal. A ideia é relativamente simples de ser entendida a partir
de uma análise sequencial.
Inicialmente, podemos entender os trabalhadores como um
grupo (aqui denominado de “Principal”) que delega aos sindicatos (seus
“Agentes”) a missão de negociar com as empresas melhores salários e condições
de trabalho, por exemplo. Ou seja, haveria um mandato a ser cumprido pelos
sindicatos.
Entretanto, pode ser que aqueles que recebem esse mandato
(sindicalistas) tenham outros interesses, tais como político-partidários, e
passem a direcionar os recursos arrecadados para eleger seus correligionários
ou se contraporem a adversários políticos. Aliás, há muitos que consideram que
várias entidades se tornaram braços sindicais de determinados partidos
políticos.
Nesse contexto, teríamos os “incentivos desalinhados”
entre o Principal (grupo de empregados) e o Agente (sindicatos), sendo que o
segundo deixaria de cumprir o mandato recebido do primeiro para atender aos
próprios interesses.
E isso tende a ser tão mais provável quanto maior for o
nível de assimetria informacional vigente nessa relação. E aqui se forma mais
um elo da cadeia. Na medida em que os sindicatos não são submetidos a
auditorias independentes e não prestam informações adequadas aos trabalhadores,
mais fácil será se desviar do mandato recebido e direcionar recursos
financeiros e esforços para outras ações que não aquelas esperadas pelos
trabalhadores.
Esse processo pode envolver gastos que atendam a
interesses político-partidários específicos, inchaço da máquina sindical,
desvio de verbas para “prestadores de serviços”, corrupção, dentre tantas
outras coisas. Claro que alguém poderia alegar que os empregados sempre podem
pedir informações sobre a atuação dos sindicatos, mas, quem já tentou abrir
essa caixa preta, seja por via administrativa ou judiciária, sabe que é
praticamente uma luta inglória.
Na realidade, o custo de transação para quem trabalha é
muito elevado, ainda mais porque os ganhos dos desvios são concentrados em
poucos (nos sindicalistas) e as perdas acabam por se diluir entre vários
(empregados), não gerando incentivo para que esse tipo de questionamento ocorra
e, se ocorrer, seja efetivo para tornar a atuação sindical eficiente.
Fato é que essa lógica perversa só será quebrada quando os
nossos legisladores acabarem de vez com o monopólio no sindicalismo e a
obrigatoriedade de pagamento de contribuições. Isso porque a possibilidade de
haver competição entre sindicatos fará com que os trabalhadores procurem
aqueles que estiverem, de fato, alinhados com seus interesses, que cobrem
menores valores de contribuição e que estejam dispostos a dar mais
transparência na sua atuação.
Note-se que não estou aqui discutindo a importância que os
sindicatos possam ter no processo de negociação de salários e outros termos no
mercado de trabalho. Eles, de fato, podem estabelecer um equilíbrio mais
equânime e estável entre as forças demandantes (empregadores) e ofertantes
(empregados) de mão-de-obra. Mas, para isso, precisam voltar a ter os
interesses alinhados com seus representados e serem mais eficientes.
Entretanto, o que o Supremo decidiu na última semana foi
diametralmente oposto a essa lógica. Os incentivos criados foram os piores
possíveis, estimulando um comportamento ineficiente e sem qualquer compromisso
com as melhores práticas de boa governança por parte dos sindicatos.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 5/9/2023.”
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