Na última semana, o Tribunal de Contas da
União (TCU) finalmente aprovou o processo de capitalização da Eletrobras, em que pese as constantes tentativas do
Ministro Vital do Rêgo de atrasar a votação.
Segundo ele, haveria seis ilegalidades que
implicariam reduzir o valor mínimo de referência pelo qual a empresa seria
leiloada. Na realidade, poucas vezes vi no TCU uma proposta de discussão tão
inócua e sem sentido. No fundo, o valor efetivo pelo qual a participação da
empresa será vendida dependerá do grau de sua atratividade aos olhos dos
investidores e do nível de concorrência vigente no processo de licitação.
Só que em nenhum momento essas questões
foram tratadas no TCU. Se realmente o ministro estivesse preocupado com o valor
arrecadado pelo Estado brasileiro, ou mesmo com o consumidor, melhor faria
revisar, por exemplo, todos os penduricalhos aprovados no bojo da lei que
definiu a capitalização da Eletrobras, e que tantas distorções geraram no
mercado e no próprio valor percebido da empresa.
Cheguei a tratar disso em junho de
2021 e julho do
mesmo ano.
De maneira resumida, os problemas vão desde a obrigação de contratação prévia
de geração termelétrica movida a gás natural até a escolha do modelo
“corporation”, que limita o direito a voto de cada acionista ou grupo de
acionistas a apenas 10% do total de ações.
Tampouco observei no voto do Ministro Vital
do Rêgo qualquer discussão sobre qual o melhor modelo de leilão a ser
implementado para gerar concorrência pela Eletrobras ou eventuais limitações a
serem previamente incorporadas no edital que pudessem evitar a elevação do grau
de concentração no segmento de geração de energia.
No fundo, o voto do Ministro disfarçou-se
de técnico, quando, na realidade, carregou um forte componente ideológico
associado à sua origem política. E note-se que a capitalização da Eletrobras é
um movimento bastante tímido, que tem como verdadeiro mérito tirar o Estado
brasileiro da gestão da empresa, de modo a criar uma governança um pouco mais
eficiente e economizar recursos públicos.
Sob o ponto de vista econômico, o ideal
seria implementar uma verdadeira privatização, com a transferência total das
ações para o setor privado, sem qualquer tipo de interferência do governo nas
decisões da empresa, inclusive em um eventual processo de transferência de
titularidade. Mas reconheço que politicamente essa não é uma decisão simples.
Afinal, durante anos o país foi bombardeado
com slogans falaciosos de que as empresas públicas são um patrimônio do povo
brasileiro, que podem dar lucro, ou que existem setores estratégicos que
deveriam ser mantidos nas mãos do Estado. Só que cada um desses argumentos não
resiste a uma análise econômica ou prática minimamente criteriosa.
Os supostos “patrimônios brasileiros” têm
sido entregues a políticos de todas as colorações políticas ao longo do tempo e
se transformado em fontes inesgotáveis de ineficiência e corrupção. Vide casos
como Mensalão, Petrolão, Eletrolão, dentre outros.
E isso sem falar dos casos de corporações
de funcionários de algumas dessas empresas, que se apropriam dos resultados por
elas obtidos, por meio da criação de todo tipo de “benefício” a ser dividido
entre eles.
O argumento de que algumas empresas dão
lucros que são distribuídos para o Estado é o mais “charmoso” de todos, mas
esconde uma série de equívocos. Em primeiro lugar, a maior parte das empresas
estatais não apresenta lucro contábil e muito menos econômico. Ao contrário, se
considerarmos o capital investido, o resultado tende a ser bastante ruim.
E mesmo aquelas que apresentam algum lucro,
ciclicamente são utilizadas como instrumento populista de política
macroeconômica de controle de preços. O caso da Petrobras no governo Dilma é só
um dos vários exemplos. De toda forma, as que apresentam lucros periódicos são,
na maioria das vezes, aquelas caracterizadas como monopólios ou quase
monopólios. E nesses casos, os gestores precisam ser extremamente criativos
para gerarem prejuízos.
Finalmente, a afirmação de que alguns
setores são estratégicos (o de energia, por exemplo), ao contrário de
justificar a existência de empresas públicas, só indica que o arcabouço
regulatório deve ser bem desenhado e administrado de forma totalmente isolada
do universo político. Em outras palavras, são os incentivos criados que definem
os investimentos realizados no setor.
Só assim conseguiremos gerar segurança
jurídica de maneira a atrair investimentos privados, cujos recursos estão
disponíveis pelo mundo todo, e que, inclusive, implicam menor custo de
oportunidade social, na medida em que os recursos públicos passam a ser
liberados para áreas mais meritórias (como saúde, educação, segurança pública e
para políticas assistenciais).
Infelizmente, a forma como o processo de
capitalização da Eletrobras tem sido conduzido e todos os jabutis incorporados
na lei que abriu essa possibilidade só mostram que não há real intenção
política de se modificar o status quo vigente. Ao contrário, tudo indica
que o atual governo ainda enfrentará uma série de barreiras para dar um pequeno
passo de abrir mão do controle da empresa.
E se isso está ocorrendo com a Eletrobras,
que perdeu substancialmente sua importância ao longo do tempo, pode-se imaginar
que tipo de discussão envolverá a suposta proposta de privatização da
Petrobras; uma empresa com participação em vários segmentos dentro do setor
petrolífero, ainda mais em um contexto de preço internacional do petróleo nas
alturas.
“Texto publicado originalmente no UOL em 26/5/2022.”
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