Na última terça-feira, dia 26, a Câmara dos
Deputados aprovou a Medida Provisória (MP 1089/21) que reformula a legislação
sobre aviação civil no Brasil. Apesar de conter alguns aspectos positivos no
caminho de reduzir a regulamentação excessiva no setor, essa MP traz também um
dispositivo que vai na contramão da lógica econômica e da prática
internacional.
Refiro-me, mais precisamente, à emenda da
deputada Perpétua Almeida (PC do B/AC), que inclui no Código de Defesa do
Consumidor dispositivo proibindo as companhias aéreas de cobrarem
qualquer tipo de taxa,
em voos nacionais, pelo despacho de bagagens de até 23 kg, e em voos
internacionais, pelo despacho de bagagens de até 30 kg.
Vale lembrar que a possibilidade de cobrar
em separado por bagagem despachada é algo recente no Brasil, apesar de ser
comum há muito tempo na grande maioria dos países. Mais precisamente, essa
decisão foi tomada por aqui em 2019. Naquela oportunidade, cheguei
a escrever sobre o assunto.
Não tenho como afirmar que a proposta da
deputada do PC do B, que foi aprovada por vários deputados, carrega um “Q” de
populismo barato ou é apenas fruto de uma compreensão totalmente equivocada
sobre economia e, particularmente, sobre o setor.
Mas o fato é que essa decisão, ao invés de
reduzir os preços para os consumidores, conforme sugere a nobre deputada,
certamente elevará, na média, o preço das passagens aéreas para o conjunto de
passageiros. No fundo, é mais uma decisão do tipo “me engana que eu gosto”.
Explico o porquê.
Há pessoas que não viajam com bagagem
despachada e outras que estão dispostas a viajar sem despachar, caso tenham que
pagar por esse serviço. No fundo, o modelo de precificação das companhias
aéreas procura captar esse fato e, por óbvio, maximizar o lucro a partir disso.
Ao dividir o valor pago em dois -
transporte de passageiros e transporte de bagagem – as empresas aéreas dão a
opção para que alguns passageiros paguem menos do que outros e “incentivam” as
pessoas a transportarem o estritamente necessário em suas viagens.
Note-se que para aqueles que querem
transportar mais bagagem, há sempre a possibilidade de se adquirir esse
“direito”, inclusive com malas adicionais. Vale lembrar que o transporte de
bagagem implica custo para a empresa. Mais peso exige a utilização de mais
combustível.
No mínimo a utilização de mais espaço no
porão do avião implica um custo de oportunidade para as empresas, posto que
deixarão de transportar mais carga e rentabilizar seu voo de outra forma que
não o transporte de passageiro. E este ponto é central, uma vez que acabarão
por compensar esse custo adicional cobrando mais das passagens aéreas.
Nesse sentido, o que a proibição de
cobrança por despacho de bagagem faz é criar um modelo de “venda casada” no
setor aéreo, obrigando as empresas a cobrarem pela soma dos dois serviços
(transporte de passageiro mais bagagem).
Por óbvio, como não existe almoço grátis,
elas reposicionarão seu nível de preço para cima para todos os passageiros,
mesmo porque os preços são livres neste mercado (como, de fato, deveriam ser).
No fundo, o que a proposta aprovada na
Câmara dos Deputados faz é criar um subsídio cruzado entre passageiros, sendo
que mesmo aqueles que estariam dispostos a abrir mão de despachar bagagens
sejam obrigados a pagar pelo despacho dos demais passageiros.
Em outras palavras, a nova diretiva, ao
contrário do que acontece no resto do mundo, criará um modelo que implicará
perda de eficiência, associada à impossibilidade de discriminar preços entre
passageiros, além de reduzir a possibilidade de rentabilizar o voo por meio de
transporte de carga.
Fato é que essa discussão parece ter sido
contaminada pelas elevações de preços no setor, que nada têm a ver com o modelo
de precificação em duas partes (passageiro e bagagem). Conforme tenho insistido
nesta coluna, os preços em mercados potencialmente competitivos flutuam de
acordo com as movimentações de oferta e demanda.
E no caso do setor aéreo, esses dois
vetores têm caminhado no sentido de pressionarem os preços para cima. Pelo lado
da oferta, os constantes aumentos dos preços dos combustíveis, a instabilidade
do dólar e a própria inflação têm pressionado os custos das empresas; sem falar
da restrição de oferta de voos que ainda se faz sentir, mesmo com o fim da
pandemia.
Já pelo lado da demanda, o que se observa é
uma forte retomada da procura por viagens aéreas pelos brasileiros. Em
fevereiro, por exemplo, a demanda de passageiros e a oferta de voos indicaram
crescimento, respectivamente, de 367% e 127%. Não por outra razão os preços têm
subido substancialmente nos últimos meses.
Neste cenário, só resta esperar que o
Senado tenha mais discernimento do que a Câmara e seja capaz de analisar a
questão da cobrança do despacho de bagagem de maneira cuidadosa, separando o
joio (modelo de cobrança em duas partes no transporte aéreo) do trigo
(flutuações do nível de preços associadas a variáveis de oferta e
demanda).
“Texto publicado originalmente no UOL em 29/4/2022.”
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