Na última semana foi divulgado que nossa
carga tributária subiu para 33,9% do PIB, tornando-se a maior desde 2010. Podemos
discutir o que houve para ela ter subido neste último ano (elevação da arrecadação,
fim de isenções fiscais, etc.), mas o fato é que nossa carga tributária bruta
já está acima dos 30% desde o início do século.
Quando a comparamos com a carga tributária
média dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), que está em torno de 34%, percebemos que não estamos muito
distantes dos países mais desenvolvidos do mundo em termos de arrecadação.
Mas visto de maneira crua, esses dados
simplesmente escondem três questões que são fundamentais para um debate claro
sobre desenvolvimento econômico com distribuição de renda. O primeiro deles diz
respeito à forma como esses impostos são atualmente arrecadados no Brasil.
Nossa estrutura tributária é extremamente
regressiva, concentrada em impostos sobre o consumo, o que faz com que os mais
pobres paguem percentualmente mais impostos sobre os rendimentos recebidos.
Temos muitos impostos e alguns extremamente
complexos – como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) –
que elevam os custos de transação no processo arrecadatório, tanto para o
Estado como para a iniciativa privada. E isso sem falar de isenções seletivas
que são criadas (como a Zona Franca de Manaus), que distorcem a alocação
eficiente de recursos, principalmente investimentos.
Do lado do gasto público, as coisas não são
diferentes. Não utilizamos quaisquer critérios de avaliação social na alocação
de recursos. Ao contrário, na maioria das vezes, as escolhas seguem diretrizes
eminentemente politiqueiras, como mostra o próprio “orçamento secreto”, ou são
limitadas pelos engessamentos legais construídos por todos os tipos de lobbies.
Mesmo quando falamos de funções básicas do
Estado – Educação, Saúde, Segurança e a própria atuação do Judiciário – por
qualquer métrica de comparação internacional que se escolha, nossos indicadores
são terríveis. E tudo isso sem falar na corrupção que assola o país, com
impacto direto sobre nosso desenvolvimento econômico.
Não por outra razão, apesar de termos uma
carga tributária de “primeiro mundo”, o nosso Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) nos coloca na 84a posição entre 189 países, atrás de países
como Chile (43a) e Colômbia (83a), com respectivas cargas
tributárias em torno de 20%, e México (74a), com carga tributária de
16,4%.
E isso fica ainda mais claro quando vemos
que países com cargas tributárias semelhantes estão muito à frente no ranking
do IDH. São exemplos o Reino Unido (13º), Canadá (16º), Espanha (25º) e
Portugal (38º).
Note-se que a questão aqui se sobrepõe a
simples chavões, como “a defesa de um Estado Mínimo”. Não cabe a nós
economistas dizermos qual o tamanho que o Estado deve ter. Essa é uma escolha
da sociedade, que deve ser moldada a partir da nossa constituição e de nossas
leis. Mas cabe sim a nós alertarmos que não “existe almoço grátis”.
Mais direitos implicam mais custos e,
portanto, maior necessidade de arrecadação. E essa conta acaba sendo paga por
nós, uma vez que o Estado é apenas o meio pela qual a riqueza se transfere
entre membros da sociedade. Claro que podemos criar um modelo no qual os ricos
contribuam cada vez mais, mas mesmo isso tem limite.
Na área tributária, é comum fazer-se
referência a um conceito denominado Curva de Laffer, nome dado em homenagem ao
economista norte-americano que a apresentou. Essa curva mostra que a
arrecadação cresce na medida em que as alíquotas tributárias se elevam, mas
apenas até um certo ponto, a partir do qual o governo começa a perder
arrecadação.
E isso ocorreria porque elevações marginais
de alíquotas reduziriam os incentivos para produzir riqueza por parte dos
agentes afetados pelas obrigações tributárias adicionais (sem falar que esse
processo poderia ainda estimular a elisão e sonegação fiscais). O grande
problema de ordem prática é descobrir qual seria o ponto de inflexão
arrecadatório.
Em que pese não haver um consenso sobre
este assunto, os professores de economia de Berkeley, Christina Romer e David H
Romer, em seu artigo de 2010 “The Macroeconomic Effects of Tax Changes:
Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks”, deram uma bela contribuição à discussão
sobre efeitos de variações tributárias.
O casal demonstrou, com base em estudos
econométricos e um longo trabalho de garimpagem de mudanças legislativas
tributárias nos EUA, que um aumento de 1% em impostos para corrigir déficits ou
estimular o crescimento de longo prazo pode provocar uma queda de até 3% no
PIB. Obviamente nossa realidade tributária é outra, assim como nossa
distribuição de renda.
Mas os resultados de lá nos convidam a
refletir se a ideia sempre presente na cabeça dos nossos políticos,
principalmente os de “esquerda”, de elevar tributos para resolver o descontrole
dos nossos gastos públicos ou com o objetivo de retomar o crescimento
econômico, não se tornará um verdadeiro tiro no pé. E isso ainda mais com a
regressividade e baixa qualidade dos nossos gastos públicos.
Melhor faríamos se aprendêssemos algo com
Christina Romer e seu marido, inclusive porque ela foi presidente do Conselho
de Assessores Econômicos da administração Obama, um partido considerado de
“esquerda” nos EUA, e supostamente mais preocupado com distribuição de renda.
Mesmo porque podemos avançar muito apenas melhorando nosso sistema tributário e
a qualidade do gasto público.
“Texto publicado originalmente no UOL em 12/4/2022.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário