terça-feira, 12 de abril de 2022

PRECISAMOS DISCUTIR COM TRANSPARÊNCIA O DESTINO DOS IMPOSTOS QUE PAGAMOS


Na última semana foi divulgado que nossa carga tributária subiu para 33,9% do PIB, tornando-se a maior desde 2010. Podemos discutir o que houve para ela ter subido neste último ano (elevação da arrecadação, fim de isenções fiscais, etc.), mas o fato é que nossa carga tributária bruta já está acima dos 30% desde o início do século.

Quando a comparamos com a carga tributária média dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que está em torno de 34%, percebemos que não estamos muito distantes dos países mais desenvolvidos do mundo em termos de arrecadação.

Mas visto de maneira crua, esses dados simplesmente escondem três questões que são fundamentais para um debate claro sobre desenvolvimento econômico com distribuição de renda. O primeiro deles diz respeito à forma como esses impostos são atualmente arrecadados no Brasil.

Nossa estrutura tributária é extremamente regressiva, concentrada em impostos sobre o consumo, o que faz com que os mais pobres paguem percentualmente mais impostos sobre os rendimentos recebidos.

Temos muitos impostos e alguns extremamente complexos – como o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – que elevam os custos de transação no processo arrecadatório, tanto para o Estado como para a iniciativa privada. E isso sem falar de isenções seletivas que são criadas (como a Zona Franca de Manaus), que distorcem a alocação eficiente de recursos, principalmente investimentos.

Do lado do gasto público, as coisas não são diferentes. Não utilizamos quaisquer critérios de avaliação social na alocação de recursos. Ao contrário, na maioria das vezes, as escolhas seguem diretrizes eminentemente politiqueiras, como mostra o próprio “orçamento secreto”, ou são limitadas pelos engessamentos legais construídos por todos os tipos de lobbies.

Mesmo quando falamos de funções básicas do Estado – Educação, Saúde, Segurança e a própria atuação do Judiciário – por qualquer métrica de comparação internacional que se escolha, nossos indicadores são terríveis. E tudo isso sem falar na corrupção que assola o país, com impacto direto sobre nosso desenvolvimento econômico.

Não por outra razão, apesar de termos uma carga tributária de “primeiro mundo”, o nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nos coloca na 84a posição entre 189 países, atrás de países como Chile (43a) e Colômbia (83a), com respectivas cargas tributárias em torno de 20%, e México (74a), com carga tributária de 16,4%.

E isso fica ainda mais claro quando vemos que países com cargas tributárias semelhantes estão muito à frente no ranking do IDH. São exemplos o Reino Unido (13º), Canadá (16º), Espanha (25º) e Portugal (38º).

Note-se que a questão aqui se sobrepõe a simples chavões, como “a defesa de um Estado Mínimo”. Não cabe a nós economistas dizermos qual o tamanho que o Estado deve ter. Essa é uma escolha da sociedade, que deve ser moldada a partir da nossa constituição e de nossas leis. Mas cabe sim a nós alertarmos que não “existe almoço grátis”.

Mais direitos implicam mais custos e, portanto, maior necessidade de arrecadação. E essa conta acaba sendo paga por nós, uma vez que o Estado é apenas o meio pela qual a riqueza se transfere entre membros da sociedade. Claro que podemos criar um modelo no qual os ricos contribuam cada vez mais, mas mesmo isso tem limite.

Na área tributária, é comum fazer-se referência a um conceito denominado Curva de Laffer, nome dado em homenagem ao economista norte-americano que a apresentou. Essa curva mostra que a arrecadação cresce na medida em que as alíquotas tributárias se elevam, mas apenas até um certo ponto, a partir do qual o governo começa a perder arrecadação.

E isso ocorreria porque elevações marginais de alíquotas reduziriam os incentivos para produzir riqueza por parte dos agentes afetados pelas obrigações tributárias adicionais (sem falar que esse processo poderia ainda estimular a elisão e sonegação fiscais). O grande problema de ordem prática é descobrir qual seria o ponto de inflexão arrecadatório.

Em que pese não haver um consenso sobre este assunto, os professores de economia de Berkeley, Christina Romer e David H Romer, em seu artigo de 2010 “The Macroeconomic Effects of Tax Changes: Estimates Based on a New Measure of Fiscal Shocks”, deram uma bela contribuição à discussão sobre efeitos de variações tributárias.

O casal demonstrou, com base em estudos econométricos e um longo trabalho de garimpagem de mudanças legislativas tributárias nos EUA, que um aumento de 1% em impostos para corrigir déficits ou estimular o crescimento de longo prazo pode provocar uma queda de até 3% no PIB. Obviamente nossa realidade tributária é outra, assim como nossa distribuição de renda.

Mas os resultados de lá nos convidam a refletir se a ideia sempre presente na cabeça dos nossos políticos, principalmente os de “esquerda”, de elevar tributos para resolver o descontrole dos nossos gastos públicos ou com o objetivo de retomar o crescimento econômico, não se tornará um verdadeiro tiro no pé. E isso ainda mais com a regressividade e baixa qualidade dos nossos gastos públicos.

Melhor faríamos se aprendêssemos algo com Christina Romer e seu marido, inclusive porque ela foi presidente do Conselho de Assessores Econômicos da administração Obama, um partido considerado de “esquerda” nos EUA, e supostamente mais preocupado com distribuição de renda. Mesmo porque podemos avançar muito apenas melhorando nosso sistema tributário e a qualidade do gasto público.

“Texto publicado originalmente no UOL em 12/4/2022.”


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