sexta-feira, 25 de março de 2022

COM STATUS ATUAL DAS CONTAS PÚBLICAS, NÃO TEM COMO BRASIL TER JUROS BAIXOS


Recentemente, o Banco Central (BC) elevou a taxa de juros mais uma vez em um ponto percentual, chegando a 11,75% ao ano. Na Ata do Comitê de Política Monetária do Copom publicada no dia 22 de março, a instituição enumera uma série de razões para essa decisão, mas, em particular, um trecho do documento, que replico abaixo, chama muita atenção.

“A incerteza em relação ao futuro do arcabouço fiscal atual resulta em elevação dos prêmios de risco e eleva o risco de desancoragem das expectativas de inflação. Isso implica atribuir maior probabilidade para cenários alternativos que considerem taxas neutras de juros mais elevadas.”

De uma maneira muito simplificada, a taxa de juros neutra é aquela que, pressupondo uma situação de pleno emprego, não afeta o ritmo de inflação e de crescimento correntes. Ela é, no fundo, um parâmetro para se tomar decisões de política monetária.

Assim, se a inflação estiver acima da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o BC deverá subir a taxa de juros Selic vigente acima da neutra para trazer a inflação para o centro da meta definida. Ato contínuo, se a inflação estiver abaixo da meta (fato raro no Brasil), a taxa Selic deverá cair, estimulando a economia e fazendo com que a inflação suba.

A grande dificuldade que se tem nesse processo é identificar qual seria a taxa de juros neutra a cada momento e qual a calibragem correta da taxa Selic (acima da neutra) para levar a inflação para a meta no horizonte definido pela autoridade monetária.

No caso do trecho que extraí da Ata do Copom, o Banco Central tem enfatizado um aspecto fundamental com relação a um dos determinantes da taxa neutra: a incerteza sobre as finanças públicas. E não é para menos.

Desde a crise de 2008, com raros momentos de “sanidade fiscal”, os reiterados governos têm adotado uma política de elevação dos gastos públicos crescentes que culminaram em constantes déficits primários e retorno do crescimento da dívida pública a partir de 2014.

A Dívida Bruta do Governo Geral (abrangendo as três esferas de governo, menos BC e empresas estatais), que estava em 51,3% do PIB em dezembro de 2011, passou para 69,3% quando do impeachment da Presidente Dilma, saltou para 89% durante a pandemia e se reduziu para algo em torno de 80% em dezembro de 2021.

Note-se, entretanto, que essa redução no final de 2021 deriva em grande medida do “imposto inflacionário”, que nada mais é do que ganho obtido pelo governo ao emitir mais dinheiro para financiar seus gastos. Apenas para se ter uma ideia, a base monetária cresceu mais de 40% durante a pandemia.

Com o aumento da quantidade de moeda em circulação, cria-se um processo inflacionário, com perda de poder aquisitivo da população. Mas, em contrapartida, como os preços se elevam, o Governo Federal, estados e municípios arrecadam mais. Assim, se os gastos públicos não aumentarem na mesma proporção, revertem-se eventuais déficits existentes até então.

E foi exatamente isso que aconteceu com os estados e municípios, que apresentaram superávits no último ano. Já o Governo Federal, que teve que incorrer em elevados gastos com a pandemia, continuou a apresentar déficit.

De toda forma, este processo nunca é sustentável, uma vez que a sociedade e, principalmente, as corporações de funcionários públicos, acabam pressionando pela reposição das perdas incorridas com o imposto inflacionário.

Apenas a título ilustrativo, neste ano eleitoral, mais de 20 estados já aumentaram os salários dos funcionários públicos ou encaminharam projetos às assembleias legislativas. E se olharmos a programação de criação de gastos correntes do Governo Federal, a situação é menos alentadora ainda.

É neste contexto que o Banco Central tem alertado para o fato de que, se nada for feito de concreto, criaremos um ciclo crescente de déficits e inflação, que acabará por gerar uma trajetória da dívida pública insustentável.

E se isso ocorrer, os prêmios de risco para financiar a dívida do governo se elevarão e a taxa de juros neutra se tornará cada vez mais alta, obrigando a um constante aumento da taxa Selic. Ato contínuo, os investimentos privados cairão, a economia não se recuperará e o desemprego continuará elevado.

Tenho insistido nesta coluna que a única forma de resolvermos esse problema é por meio das chamadas reformas estruturais (administrativa, tributária e continuação da reforma da previdência) e da implementação de um amplo processo de privatizações e concessões.

Só assim o país conseguirá racionalizar os gastos públicos, elevar o nível de eficiência na economia (no setor público e privado) e aumentar de maneira consistente o nível de arrecadação do governo. O grande problema é que nenhum dos dois candidatos à presidência líderes nas pesquisas parece estar preocupado com isso.

Bolsonaro boicotou sua própria reforma da previdência, mandou uma reforma tributária capenga para o Congresso e enviou uma administrativa que é extremamente corporativista e não atinge o cerne da questão. Pior ainda foi ter levado o Centrão para dentro do governo, estimulando o fim do Teto dos Gastos e rasgando a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Lula, por sua vez, não propõe coisas muito distintas. Temos ouvido nítidas declarações de que é contrário ao Teto dos Gastos e que vai gastar o que for preciso, na esperança de recuperar a economia, em uma “lógica falaciosa” de que isso gerará mais arrecadação no futuro.

A verdade é que, no Brasil, uma boa parte dos gastos públicos é regressivo e ineficiente, não gerando um retorno social razoável e muito menos implicando aumentos na arrecadação do Estado mais do que proporcionais aos gastos incorridos. E isso quando não se dissipam no meio de tanta corrupção, como nos casos “Mensalão” e “Lava Jato”.

Nossa história, inclusive durante os governos petistas, é clara em mostrar quão errado está Lula. A grande questão é sabermos se queremos continuar nessa trajetória econômica suicida.

“Texto publicado originalmente no UOL em 25/3/2022.”

sábado, 19 de março de 2022

AMEAÇAR POSTOS DE GASOLINA, PROCONS CORREM RISCO DE COMETER INJUSTIÇA

Nos últimos dias, temos visto uma série de Procons pelo país fazerem ameaças veladas a postos de combustíveis que aumentarem os preços nas bombas. O argumento estaria em uma “suposta figura jurídica” denominada aumento abusivo de preços.

Quero crer que esse movimento reflita apenas uma “ignorância”, no sentido estrito da palavra desconhecimento, e não mais uma onda de “populismo consumerista em ano eleitoral, conforme já ouvi por aí. Com base nisso, gostaria de trazer alguns pontos para reflexão de todos.

A Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990), em seu artigo 39, combinado com o inciso X, estabelece que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.

O grande problema dessa determinação legal é que, além de isoladamente a interpretação de “sem justa causa” não fazer o mínimo sentido econômico, essa expressão abre espaço para todo e qualquer tipo de discricionariedade pelo poder público.

Para quem já estudou o básico de economia, sabe que os preços nos mercados são formados a partir da interação entre ofertantes de um lado (empresas) e demandantes do outro (consumidores). Dito de outra forma, é a interação entre oferta e demanda que define os preços e quantidades negociadas de equilíbrio.

Vale lembrar que os preços e as quantidades de equilíbrio podem variar constantemente, a depender do mercado de que tratamos (como, por exemplo, o mercado acionário ou o de commodities). A questão é então entender o que determina essa flutuação. Na prática, essa resposta não é trivial e pode estar associada a dois tipos de comportamento.

O primeiro deles é o natural de mercados. Por exemplo, elevações de custos das empresas e choques de oferta (tal como quebra de safras agrícolas) levam a uma redução da quantidade de bens e serviços ofertados para os consumidores e, dado o nível de demanda vigente, a consequente elevação de preços.

No caso particular do mercado aqui tratado, a restrição à venda de petróleo russo no mundo e os problemas associados aos custos de logísticas e de seguro de transporte justificam as elevações do preço do petróleo no mercado internacional pelo lado da oferta.

Essa elevação, por sua vez, entra como um componente de custo para os postos de combustíveis, em conjunto com outros incorridos por esses empresários (que também têm subido por conta do processo inflacionário vigente). De toda forma, esse é só um lado da história: o da oferta.

Existe ainda uma infinidade de variáveis pelo lado da demanda que podem justificar aumento de preços. Variações de renda, disponibilidade de crédito, transferências governamentais e elevações de impostos sobre o consumo são só alguns poucos exemplos que afetam a decisão de compra do consumidor.

E isso coloca um problema para qualquer um que queira fazer uma afirmação de que determinado empresário elevou abusivamente o preço. Avaliar todas essas dimensões dos dois lados (oferta e demanda), principalmente em mercados competitivos, é definitivamente uma tarefa inglória.

No fundo, o que os Procons têm é, no máximo, acesso a algumas variáveis de oferta, como eventuais planilhas de custos de empresas. E mesmo essas, muitas vezes dão uma ideia errada sobre os custos envolvidos na operação de venda de combustível, principalmente os custos de oportunidade desses empresários.

Nesse sentido, qualquer conclusão dos Procons sobre eventuais preços abusivos praticados nos mercados é, por definição, arbitrária e sem qualquer base técnica completa. Note-se, ainda, que, para se afirmar que determinado empresário elevou abusivamente o preço, os Procons deveriam dizer o que não seria aumento abusivo; e isso implica regular as margens dos postos, algo que foge da competência desses órgãos.

Aliás, mais do que isso, tal atitude contraria frontalmente o inciso III do Artigo 3º da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874 de 2019), que determina que é direito do empresário “definir livremente, em mercados não regulados, o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda”, como é o próprio caso do mercado de revenda de combustíveis.

Na realidade, o foco de análise do Estado deveria, no máximo, restringir-se ao segundo tipo de comportamento: ao do empresário, e dentro da esfera da defesa da concorrência. Em particular, o que se poderia cogitar avaliar é se os donos de postos, em cidades específicas, atuaram de maneira coordenada, formando um cartel para elevar e convergir nos preços praticados.

Em que pese o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) já ter punido vários casos desse tipo, o momento atual não parece indicar que as elevações de preços estejam ligadas a casos de cartéis (comportamento de empresário), mas sim ao comportamento natural do mercado, dado o ambiente econômico incerto, que tem afetado principalmente o lado da oferta.

Sendo mais claro, o que alguns Procons precisam compreender é que variações de preços são a consequência de algo, e não a causa em si mesma. Mais do isso, há que se entender que olhar apenas para planilhas de custos não diz absolutamente nada sobre o que de fato ocorre nos mercados, além de poder induzir a punições descabidas e injustas.

“Texto publicado originalmente no UOL em 19/3/2022.”

quarta-feira, 16 de março de 2022

CONTROLAR PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS MOSTRA QUE O BRASIL VIVE SEMPRE NO PASSADO

 De tempos em tempos venho nesta coluna tratar de algo que se tornou um fetiche no mundo político nacional: o controle de preços de combustíveis. Mas nas últimas semanas, a coisa realmente esquentou com a forte elevação do preço do petróleo no mercado internacional.

Com isso, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) conseguiu aprovar na última quinta-feira dois Projetos de Lei. O primeiro, PLP 11/2020, altera a forma de cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e que foi, inclusive, aprovado no dia seguinte na Câmara dos Deputados e sancionado pelo Presidente da República.

O segundo, PL 1.472/2021, agora em tramitação na Câmara, define uma espécie de política de controle de preços dos combustíveis. Já tratei dos problemas associados a cada um dos dois projetos recentemente aqui nesta coluna “Combustível não ficará mais barato com projetos da insana política atual”.

Com relação ao PLP 11/2020, continuo a entender que ele é menos problemático, na medida em que apenas muda a forma de cobrança do imposto para específico (valor fixo por unidade), algo condizente com a lógica de que a quantidade arrecadada de impostos deve estar associada à necessidade de gastos públicos definida pela sociedade, e não aos preços de mercado. De toda forma, o ideal teria sido que esse debate ocorresse no âmbito da Reforma Tributária.   

Já o PL 1.472/2021 é uma verdadeira ode ao “heterodoxismo econômico” brasileiro, que causou tantos problemas e distorções no país durante os anos de hiperinflação que vivenciamos na década de 80 e início da de 90.

A ideia geral foi criar um Fundo de Estabilização de Preços do Petróleo (FEPETRO) e definir diretrizes para reajuste de preços dos combustíveis derivados do petróleo com base nas cotações médias do mercado internacional, nos custos internos de produção e nos custos de importação.

Em outras palavras, interferência sobre o sistema de preços em mercado potencialmente competitivo e criação de subsídios regressivos para favorecer parte da sociedade. E sejamos justos. Esse barco, desenhado pelo senador do PT, foi tomado por Lula, Bolsonaro, pelos presidentes das duas casas legislativas e pelos partidos da grande maioria dos candidatos à presidência.

Confesso que não esperava algo diferente, principalmente em ano político, quando o populismo e a irresponsabilidade se exacerbam como nunca. Mas já que a escolha foi essa, deixo abaixo algumas questões para que “nossos nobres representantes” respondam.

O que Vossa Excelência faria se fosse um importador que tivesse que comprar o combustível no mercado internacional a um preço elevado e vendê-lo no mercado doméstico a um valor menor, dado que o teto no mercado doméstico passa a ser balizado pelas regras de preços impostas à Petrobras?

O que Vossa Excelência faria se fosse um potencial investidor em refinarias no país e percebesse que o seu preço de venda estaria sendo limitado pela polícia de preços do Estado, enquanto em outros países o preço praticado é livre?

O que Vossa Excelência faria se fosse um potencial investidor da Petrobras e visse que a margem de lucro da empresa estaria limitada pelo Estado brasileiro e a margem de outras petroleiras em outros países permaneceria sendo ditada pelas regras do mercado?

Em particular, gostaria de saber de nossos nobres representantes da dita esquerda, que tanto criticam Bolsonaro na questão do meio ambiente, se vossas excelências lembraram que estão propondo um subsídio a um produto fóssil altamente poluente?

Será que vossas excelências sabem que os dividendos da Petrobras também são distribuídos para o Estado brasileiro, que pode utilizá-los para investir em educação, saúde, segurança e até mesmo no abatimento da dívida, permitindo, assim, que sobrem mais recursos públicos para novos investimentos futuros em áreas prioritárias? 

Poderia continuar com uma sequência de outras perguntas como essas, mas já me convenci que este não é o ponto aqui. Como já diriam por aí, o Brasil não é um país para amadores e muito menos sério. As regras do jogo por aqui são constantemente alteradas, criando instabilidade no ambiente econômico.

Mas é bom lembrar que subdesenvolvimento não se improvisa. É, na realidade, um longo caminho trilhado por uma sequência de decisões equivocadas, irresponsáveis e, na maioria das vezes, populistas, como a aqui tratada.

O novo “pacote de bondades” aprovado no setor do petróleo, além de ser regressivo em termos de distribuição de recursos na sociedade, trará fortes distorções no mercado de combustíveis e elevará a percepção de risco de se investir no país. Mas isso só será sentido no médio e longo prazo, quando alguns dos responsáveis por essa decisão nem estarão mais por aí.

De maneira mais específica, essa decisão elevará o risco de desabastecimento, dado que uma parte do que consumimos é importada, inibirá a entrada de novas empresas no mercado, reforçando o “monopólio de fato” (não de direito) da Petrobras e enfraquecerá a capacidade da própria empresa de investir no futuro.

Traduzindo, nossa oferta futura de combustível será menor do que poderia ser e, consequentemente, a pressão sobre os preços continuará, mesmo em um ambiente no qual não haja guerra.

“Texto publicado originalmente no UOL em 16/3/2022.”


sexta-feira, 4 de março de 2022

O OCIDENTE DEMOROU PARA ENTENDER QUE PUTIN NUNCA QUIS NEGOCIAR DE “BOA FÉ”

 Desde a última semana, o mundo está assistindo incrédulo ao que na melhor das hipóteses já se transformou em um Segunda Guerra Fria. Entretanto, a invasão criminosa na Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin era algo previsível.

Tenho lido algumas análises que apontam os EUA e Europa como principais culpados por essa agressão desmedida. Na visão dessas pessoas, o fato de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ter-se expandido para países do leste europeu, rompendo um suposto acordo que nunca existiu formalmente, seria a real motivação de Putin decidir fazer o que fez.

Confesso que tenho muita dificuldade em aceitar essa explicação por vários motivos. Em primeiro lugar, porque conforme esclarece a própria OTAN, com a confirmação inclusive de Mikhail Gorbachev, essa questão nunca foi tratada em qualquer acordo.

Em segundo, porque todo o processo de adesão começa com um pedido formal do país interessado em fazer parte do grupo. E se países como Polônia, Romênia, Eslováquia, dentre outros, fizeram isso de livre e espontânea vontade, foi por entenderem que haveria um risco real de que a Rússia algum dia quisesse retomar o domínio sobre essas nações.

A própria invasão na Ucrânia mostra que ela e os demais países que procuraram a OTAN estavam provavelmente corretos em suas análises. Aliás, neste aspecto, pergunto aos que culpam EUA e Europa, onde fica o direito de autodeterminação dos países escrito no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966?

Em terceiro, e mais importante, é o fato de que a OTAN nunca demonstrou qualquer intenção de invadir o território russo pela simples razão de que seus países-membros sempre souberam que gerariam uma terceira guerra mundial com proporções catastróficas, dado o arsenal nuclear da Rússia. Qualquer um que tenha estudado o mínimo de Teoria dos Jogos sabe que um arsenal militar é suficiente para dissuadir qualquer invasão ao país detentor desse armamento.

Não bastasse tudo isso, os investimentos na OTAN estavam se reduzindo nos últimos anos e, principalmente, a Europa, vinha tentando uma aproximação e mais diálogo com Moscou para evitar novos conflitos, apesar do histórico de Putin. Um bom exemplo é o próprio gasoduto ligando a Rússia à Alemanha.

Diante desse cenário, encontro apenas duas explicações (não necessariamente excludentes) para a invasão na Ucrânia. A primeira, no próprio Vladimir Putin, que tantos chamam de estrategista. Apesar de não descartar tal qualificação, gostaria de lembrar que psicopatas também são estrategistas e, na maioria das vezes, muitíssimo inteligentes.

Vale lembrar que um psicopata, de maneira geral, é um sujeito frio, que não sente remorso ou culpa por ter praticado atos cruéis, sendo totalmente inflexível, quando entende que alguém merece algum tipo de punição. Ademais, tende a ser narcisista, manipulador e egocêntrico.

Quem conhece um pouco da história de Putin sabe que ele demonstra constantemente todos esses “predicados”, com o agravante de ser megalomaníaco. Claro que sem um diagnóstico clínico não teremos essa certeza, mas dos cinco psiquiatras que consultei antes de escrever este artigo, todos me disseram que ele seria um fortíssimo candidato.

Assim, eu não descartaria sua intenção de aos poucos recriar a antiga União Soviética caso não seja dado um basta para suas atitudes que envolvem uma “racionalidade própria”, que o Ocidente demorou a entender. E vale lembrar que isso não necessariamente levará a uma guerra nuclear, uma vez que a maioria dos psicopatas também têm instinto de autopreservação.

A segunda explicação é de ordem político-econômica. Putin construiu seu Estado autoritário baseado em dois vetores. O primeiro deles, em uma plutocracia corruptora e em um staff de governo corrupto. Aliás, uma observação do Índice de Percepção da Corrupção 2021 da Transparência Internacional mostra que, em um ranking de 140, a Rússia é um dos 4 países mais corruptos.

Já o segundo vetor está calcado na combinação de populismo, censura e repressão interna a toda e qualquer oposição. Só que isso tem um limite. Afinal, como diria a frase atribuída ao marqueteiro da campanha de Bill Clinton em 1991, “é a economia, estúpido!”.

E a economia russa já não vinha bem havia um certo tempo, ao menos desde 2013. Coincidentemente, a invasão da Crimeia foi no início de 2014. Ninguém sabe ao certo o que se passa na cabeça de Putin mas se ele resolveu arrumar mais um confronto para tirar o foco dos problemas internos e recuperar sua popularidade, escolheu a pior forma e o pior de todos os países.

A Ucrânia vem resistindo e ganhando apoio da maior parte da comunidade internacional. Mesmo a China, uma “aliada sem limites”, não tem visto essa invasão com bons olhos pelo estrago que pode causar a todo o mundo. Aliás, os próprios russos, que já estavam divididos sobre a ideia da invasão, têm manifestado seu inconformismo, apesar de toda repressão interna.

Fato é que a escolha agora para o Ocidente não é sobre qual a melhor opção, mas sim sobre o que seria a “menos pior”, inclusive no longo prazo. Ceder mais uma vez aos “mimos” de Putin ou manter e até ampliar as sanções econômicas impostas, mesmo com o ônus que possam gerar para toda a economia mundial?

Em que pese a resposta não ser simples e não resolver o problema imediato da Ucrânia, se olharmos para o passado e para as perspectivas futuras, voltar a negociar com o Putin implica empurrar o problema com a barriga e até torná-lo pior no futuro. Putin não é e nunca será confiável.

As sanções que estão sendo impostas afetam firmemente a todos os russos, inclusive aqueles que estão fora do país. Não só ao povo, que já estava insatisfeito, como também àqueles que têm se beneficiado dos anos seguidos de corrupção e de criminalidade, garantidas pelo governo Putin. Ou seja, afeta a todos que sustentam sua “governabilidade”.

Apenas se presumirmos que Putin seja pior do que um psicopata (um sujeito sem instinto de autopreservação), que tenha o controle irrestrito de tudo (inclusive dos botões nucleares) e que seu entorno não se importe em exterminar o mundo (algo pouquíssimo provável), teremos uma guerra nuclear, algo no qual realmente não acredito.

Em realidade, se o Ocidente se mantiver firme e alinhado com as sanções econômicas desta vez e se a China continuar com sua neutralidade de fato, Putin estará com seus dias contados, mesmo que isso demore um pouco mais do que a maior parte da sociedade mundial gostaria.

“Texto publicado originalmente no UOL em 4/3/2022.”