Na última semana, o governo brasileiro divulgou entusiasticamente que teria finalmente recebido a formalização do conviteda Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que opaís ingresse na entidade. E de fato, essa foi uma ótima notícia, dado que o Brasil aguardava por isso desde 2017, quando apresentou sua candidatura formal para se tornar Membro Pleno da entidade.
Há que se lembrar, entretanto, que esta é
apenas mais uma etapa do processo de entrada do país nesse seleto grupo, que se
iniciou ainda na década de 90 e que contou com etapas como a criação no âmbito
da OCDE de programa direcionado ao Brasil (1998), uma resolução da entidade
estabelecendo um programa de engajamento ampliado, definindo Brasil como
Parceiro-Chave (2007) e a assinatura de Acordo de Cooperação Brasil-OCDE
(2015).
De uma maneira geral, a OCDE pode ser
entendida como uma espécie de “think tank global”, cujo objetivo é
construir um arcabouço institucional de “melhores práticas” a partir da
cooperação e do diálogo entre os países e com a finalidade última de melhorar a
governança global.
Os valores que regem a entidade são
eminentemente democráticos e envolvem o respeito aos direitos humanos, às leis
e aos princípios de transparência e do livre mercado. Não por outra razão, os
países que participam da entidade acabam sendo vistos como possuidores de um
selo de qualidade, obtendo maior credibilidade da visão de investidores
internacionais.
A entidade tem como método de trabalho a
interação entre os países por meio de comitês temáticos (38 no total) e
inúmeros grupos de trabalho. Há que se destacar que o Brasil já participa das
discussões em 33 comitês, com status que variam de associado,
participante ou apenas convidado.
É fato que a participação contínua do
Brasil nesses comitês já nos tem trazido bons frutos, na medida em que passamos
a ter acesso ao que há de melhor no mundo em termos de governança. Mas a
entrada como membro pleno também nos dará voz nos rumos da entidade e na
constituição de soluções globais.
Para os mais preocupados com uma eventual
“submissão” aos países desenvolvidos, lembro que a OCDE não trabalha com
mecanismos de solução de controvérsia ou de punição, como os da área do
comércio internacional.
Ao contrário, a pressão é realizada de
maneira mais light, via um processo de revisões periódicas pelos pares (peer
review) na entidade e por especialistas independentes. Assim, é avaliado se
o país está de fato implementando as melhores práticas e, em caso contrário,
são atribuídas “sanções morais” (críticas) na elaboração dos relatórios.
Aliás, essa forma de trabalho tem,
inclusive, gerado efeitos positivos para aqueles países que se engajam no
processo de entrada na entidade. Trabalhos como o da professora Christina L.
Davis (More than Just a Rich Country Club: MembershipConditionality and Institutional Reform in the OECD), da Universidade de Princeton, têm
indicado que os países, ao se submeterem a revisões periódicas nas várias áreas
analisadas, já começam a implementar reformas em direção às melhores práticas,
com efeitos positivos para a economia local.
Fato é que na semana passada demos mais um
passo em direção à OCDE. Entretanto, temos muito ainda a caminhar e muita lição
de casa a fazer antes de sermos aceitos. Em 2017 a OCDE adotou um documento
intitulado Framework for the Consideration of Prospective Members no
qual estabelece critérios e informações para o processo de a acessão de um novo
membro.
E nesse aspecto estamos bem. De um total de
251 instrumentos normativos delineados no âmbito da organização, o Brasil já
aderiu a 103, muito mais que outros países atualmente pleiteantes. Mas
obviamente só isso não basta. Mais do que as promessas ou intenções, valerá a
prática. E nesse sentido, continuaremos a passar por processos futuros de
revisões periódicas; e agora cada vez mais duros.
A boa notícia é que já estamos acostumados
com isso. Já nos submetemos a mais de 60 revisões por nossos futuros pares e
especialistas, sendo a maioria já concluída. Mas há várias questões que
precisamos melhorar até sermos aceitos. Elas passam, na visão do atual governo,
por questões como a melhoria no nosso sistema tributário e financeiro, por
aspectos ligados ao meio ambiente e pela retirada do protecionismo a certas
indústrias, como a naval.
Mas particularmente entendo que, com o
avançar desse processo, teremos também que enfrentar questões caras à entidade,
como o comprometimento mais forte e claro no combate à corrupção, a melhoria
nas nossas governanças pública e empresarial e a forma como tratamos os
investimentos no país.
O que temos que ter em mente é que essa
tarefa não será fácil e exigirá um comprometimento de toda a sociedade.
Do Executivo, porque terá que fazer uma
verdadeira “revolução administrativa”. Do Legislativo, porque demandará
disposição para mudar leis e até a Constituição. Do Judiciário, porque será
fundamental alterar sua forma de trabalho, entendendo que precisamos constituir
jurisprudências que sinalizem claramente quais serão as regras do jogo.
Dos empresários, porque deveremos caminhar
para uma economia mais livre e competitiva, com menos espaço para privilégios e
proteções setoriais. E dos trabalhadores, porque o processo de adaptação não
será fácil e exigirá mais preparo e investimento em educação.
Mas no final dessa caminhada, que se
consolidará gradativamente, chegaremos à conclusão, a exemplo de outros países
que já passaram por isso, que esse processo terá compensado e que o país como
um todo se beneficiará.
“Texto publicado originalmente no portal UOL em 3/2/2022.”
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