Nas últimas semanas, tem se intensificado a fala de políticos com soluções mirabolantes para resolver o problema da alta dos combustíveis no país. Entretanto, a cada nova “ideia” que surge, acabo sempre me lembrando daquela famosa frase: “para todo problema complexo existe uma solução simples, elegante e completamente errada”.
Tenho exposto nesta coluna minha total rejeição a propostas que envolvem algum tipo de controle de preços em mercados potencialmente competitivos ou que impliquem descontrole das finanças públicas. Minha posição está baseada não só em argumentos de lógica econômica, mas também na observação do passado.
No caso específico do mercado de
combustíveis, é fundamental entender que se trata de uma comodity, cujo
preço é definido em dólar no mercado internacional. Não atentar para isso
implicará sinalizar para o mercado que o custo (econômico) de oportunidade de
investir neste setor no Brasil se elevou, com consequências ruins para nossa
capacidade de atração de investimento, grau de concorrência futura e para a
própria oferta disponível.
Já tratei desse assunto em mais detalhes em
um texto anterior intitulado “Com alta do petróleo, governo terá que
mostrar se é mesmo liberal como diz”.
Nesse sentido, a fala do ex-presidente
Lula, por exemplo, em nada ajuda. Em primeiro lugar porque, ao sugerir submeter
a política de preços da Petrobras a decisões políticas internas,
desconsiderando que a empresa tem ações negociadas inclusive na Bolsa de Nova
York, o resultado será gerar novos processos por imposição de perdas aos
acionistas, principalmente nos EUA, com condenações certas e cujo custo será
arcado por todos os brasileiros.
Claro que Lula poderia alegar que pretende
fechar o capital da empresa. Mas aí incorreríamos em dois custos adicionais. O
primeiro é o da própria compra das ações em poder do setor privado (imaginando
que não passe pela cabeça de ninguém dar um calote).
Já o segundo seria o custo de oportunidade
(mais uma vez) de renunciarmos a um capital barato e passarmos a usar recursos
da própria empresa (capital próprio, que é, por definição, mais caro) e até
mesmo do orçamento público para a realização de investimentos futuros.
A pergunta que fica é se vale a pena
deslocarmos recursos da educação, saúde e segurança, por exemplo, para a
Petrobras.
Mas supondo que isso seja feito, já vimos
no passado para onde o controle de preços de combustíveis nos levou,
principalmente durante o governo Dilma. Descapitalização da Petrobras, inibição
de investimento de terceiros no setor (em novas refinarias e importações) e a
própria quebra generalizada no setor sucroalcooleiro.
Há também proposta do Senador Rogério
Carvalho do PT/SE (Projeto de Lei 1472/2021) que caminha em sentido parecido, apesar de
travestida de uma solução regulatória supostamente mais sofisticada.
De maneira convidativa, o Senador sugere a
criação de um fundo de estabilização de preços de combustíveis a partir de um
imposto sobre exportação de petróleo, com o objetivo de evitar flutuações dos
preços dos combustíveis no mercado interno. Só que essa proposta também ignora
os efeitos sobre os incentivos gerados no mercado.
Partindo do princípio de que o mercado
internacional de comodities de venda de petróleo bruto também é
competitivo, a Petrobras não conseguirá repassar o imposto de exportação, ou
seja, ela (a empresa) e nós contribuintes ficaremos mais uma vez com o “mico”
de arcar com esse ônus.
Mas mais do que isso, segurar preços no
mercado doméstico, mesmo que por períodos pré-definidos e temporários, terá o
mesmo efeito negativo sobre investimentos, concorrência, etc., que já destaquei
aqui; sem falar da possibilidade de a empresa ainda ganhar de brinde um
processo no CADE por preço predatório ou compressão de margem de concorrentes,
conforme expus em texto anterior.
Está em discussão ainda no Congresso a Proposta
de Emenda Constitucional 1/2022, de autoria do Senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que, ao
criar subsídios claramente populistas, tem sido chamada de PEC kamikaze, pelo
potencial de estrago nas contas pública que pode gerar.
Essa proposta conta com total apoio da ala
política do governo Jair Bolsonaro (PL-RJ) e de seus aliados no Congresso,
inclusive com o de seu filho, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Finalmente, vale mencionar o Projeto
de Lei Complementar 11/2020,
do Deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB/MT), que altera dois aspectos da
legislação referente à cobrança do ICMS sobre combustíveis.
Em primeiro lugar, modifica a forma de
cobrança do ICMS de imposto ad valorem (como um percentual sobre o preço
cobrado do produto) para um imposto específico (valor fixo pela quantidade
vendida). Em segundo, altera a mecânica de parametrização do preço de
referência para efeito da cobrança do ICMS, definindo-o como uma média dos preços
praticados no ano anterior e estabelecendo um teto com base nos preços
vigentes.
Em que pese entender que de fato os estados
têm sido “sócios” dos constantes aumentos de preços pela Petrobras (no modelo
vigente de imposto ad valorem) e que este projeto tem o mérito de
procurar discutir essa distorção, entendo que ele deveria ser tratado no âmbito
de uma reforma tributária mais ampla, sob pena de que saia algo atualmente
ineficiente e que gere mais problemas fiscais.
No fundo, se há algo que poderíamos fazer
de imediato para melhorar a situação atual seria agilizar as reformas
estruturais necessárias e ajustar as contas públicas. Com isso, as expectativas
melhorarão e o dólar tenderá a cair, permitindo uma redução consistente nos
preços dos combustíveis.
E, em particular, na discussão da reforma
tributária, deveríamos também considerar não só um modelo para o setor que
corrija eventuais distorções associadas a fortes flutuações na arrecadação, mas
que também considere no seu bojo questões ambientais, que procurem desestimular
o consumo de combustíveis mais poluentes, como os fósseis.
“Texto publicado originalmente no UOL em 12/2/2022.”
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