Nesta última quinta-feira (18 de agosto),
aconteceu a sétima rodada de concessões de aeroportos à iniciativa
privada no Brasil.
Foram leiloados 15 aeroportos agrupados em 3 blocos regionais. Em particular,
chamou a atenção o Bloco composto por 10 aeroportos nos estados de São Paulo,
Mato Grosso do Sul, Pará e Minas Gerais.
Isso porque neste pacote estava incluído o
aeroporto de Congonhas, o segundo maior em movimentação de passageiros no país
e, potencialmente, muito rentável. Não obstante não ter havido concorrência
durante o leilão para esse bloco, o ágio (diferença entre o preço pago pela
concessão e o valor mínimo de referência do leilão) pago pelo grupo vencedor
foi de 231,02%.
Obviamente, sempre aparece o argumento na
mídia de que o ágio poderia estar associado a um erro cometido pelo Estado na
avaliação do ativo leiloado. Mais especificamente, o valor mínimo de outorga
estaria subavaliado e que o resultado do leilão representaria apenas esse erro.
Tenho uma visão distinta no caso do setor aeroportuário.
É provável que a explicação para o ágio
seja encontrada na própria característica do modelo de leilão adotado, que é
dividido em duas etapas (entrega de envelope fechado e, subsequentemente,
lances em viva-voz), sem que as informações sobre os habilitados que enviaram
proposta inicialmente sejam publicizadas.
A ideia desse modelo é criar uma dúvida
razoável aos potenciais consórcios concorrentes sobre quem serão seus efetivos
competidores no certame. O objetivo, em última instância, é induzir os grupos
que sejam avessos ao risco (aqueles que têm “medo” de não ganhar o direito de
prestar o serviço aeroportuário) a elevar suas ofertas já na primeira etapa.
Para entender essa questão, basta se
colocar no lugar do participante do leilão e entender o modelo descrito no
edital. Nele está especificado que, na primeira etapa, todos os interessados
devem encaminhar suas respectivas propostas para a Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), por meio de um envelope fechado. No caso, isso ocorreu no dia 15
de agosto.
A Anac, por sua vez, recepcionou todas as
propostas, sem informar quais foram os consórcios que, de fato, fizeram alguma
oferta pela concessão. Assim, ninguém sabe, nesse momento, quem realmente
estará competindo e muito menos quem poderá participar da segunda etapa (leilão
de viva-voz). E é aí que as coisas começam a se fechar.
Isso porque o edital estabelece ainda que
só poderiam participar da segunda etapa aqueles proponentes cuja oferta atenda,
após determinação do resultado provisório da abertura dos envelopes, a, pelo
menos, uma de duas condições.
A primeira é a de que o consórcio tenha
realizado ao menos umas das três maiores ofertas para aquele Bloco de
Aeroportos. A segunda, que o valor oferecido seja igual ou superior a 90% do
valor da maior oferta apresentada.
Em outras palavras, a regra da
“habilitação” para a segunda etapa do leilão introduz um risco de que alguns
consórcios não se classifiquem para essa fase caso não se enquadrem nos termos
acima especificados. Assim, pode não ser uma boa estratégia ofertar um valor
muito baixo na primeira etapa (envelope fechado), sob pena de não se
classificar para a segunda (viva-voz).
E, principalmente, na ausência de
conhecimento sobre quem mais estará apresentando oferta na primeira fase e
quais os respectivos valores oferecidos, um proponente averso ao risco
preferirá elevar seu lance logo no primeiro momento a um valor mais próximo do
seu “preço de reserva” (limite que estaria disposto a pagar para operar o Bloco
de Aeroportos alvo do leilão).
Nesse sentido, o ágio pago pelo consórcio
vencedor, Aena Desarrollo Internacional, pode ter sido reflexo do próprio
modelo aqui descrito. Em outras palavras, buscando evitar qualquer risco de
perder um ativo que considerava tão valioso, o consórcio pode ter preferido
elevar seu próprio lance inicial colocado no envelope fechado e, assim,
garantir sua participação na segunda etapa.
Note-se, ainda, que essa estratégia adotada
pela Aena teria como vantagem adicional para o grupo sinalizar a potenciais
concorrentes, em uma eventual segunda etapa do leilão (de viva-voz), que o
consórcio entrou no certame “para não perder”, e que estaria disposto a comprar
a briga ofertando lances bem elevados.
De toda forma, independentemente de quais
os reais motivos da Aena, fato é que o modelo que vem sendo utilizado está
baseado nas melhores práticas internacionais e na própria literatura econômica
sobre “teoria dos leilões”. E o seu objetivo é claramente aumentar a
concorrência pelo ativo leiloado e maximizar a receita arrecadada pelo Estado.
Portanto,
não me parece razoável atribuir o ágio obtido no Bloco de Congonhas a erros de
precificação do Estado ou mesmo dos dirigentes da Aena (como já li por aí). Ao
contrário, talvez esteja na hora de outros setores olharem e aprenderem com o
processo de leilão adotado no setor aeroportuário nacional.
“Texto publicado originalmente no UOL em 20/8/2022.”
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