terça-feira, 25 de junho de 2019

BOLSONARO APENAS REPETE O DISCURSO DE LULA SOBRE AS AGÊNCIAS REGULADORAS

Neste sábado o presidente Bolsonaro se disse vítima do Congresso afirmando que querem transformá-lo em uma espécie de Rainha da Inglaterra. Este tipo de discurso não é novo e lembra o de Lula quando venceu a primeira eleição. Para quem não lembra, nos idos de 2003 o então presidente soltou a famosa frase que “ganhou a eleição, mas não levou” para contrapor-se à regra de reajuste tarifário da época no setor de telefonia.

Neste episódio Lula simplesmente rasgou a Lei Geral de Telecomunicações para trocar o presidente da Anatel da época, que corretamente não queria referendar a decisão política de não cumprir os contratos de concessão com as empresas do setor. Este foi apenas o primeiro passo no processo de enfraquecimento do modelo das agências reguladoras. De lá para cá assistimos a vários tipos de ingerências e indicações não técnicas para esses órgãos. Chegamos a ter integrantes nas diretorias que eram colegas próximos de presidentes, gente ligada a sindicatos e até mesmo políticos ou principalmente seus indicados.

Muito dos erros hoje atribuídos a essas instituições estão associados a este desmonte institucional, baseado em visões ideológicas distorcidas da realidade e na tentativa de sobrepor decisões políticas às técnicas. O grande problema é que, ao fazer isso, o Estado desestimulou investimentos nos setores regulados e contribuiu para reduzir a qualidade dos serviços prestados.

E é exatamente para minorar problemas deste tipo que a Lei da Agências Reguladoras foi aprovada. Consolidada a partir de um longo debate técnico sobre os problemas vivenciados nos setores regulados, que incluiu pessoas dos setores públicos e privados, a lei a ser sancionada nesta semana tem vários méritos, dentre os quais define um caráter mais técnico e objetivo para a indicação de diretores das agências.

Ao contrário do que afirmou o presidente, os novos diretores não passarão a ser indicados pelo Congresso. Com o novo processo de escolha, são vetados nomes de políticos e de parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, pessoas que exerçam cargos em atividades políticas e sindicais e outras que possam ter interesse diretamente ligado a empresas do setor no qual atuarão. Ademais, os candidatos deverão demonstrar longa experiência em regulação ou no setor para o qual serão indicados e se submeter à avaliação de uma comissão técnica. Esta comissão encaminhará uma lista tríplice para o Presidente da República, sendo o nome escolhido enviado ao Senado para ser sabatinado e aprovado, como já ocorre hoje.

O que se percebe é que mais uma vez a assessoria política do presidente deixou de consultar a equipe econômica para informá-lo melhor sobre o assunto. Se a preocupação de Bolsonaro é real com a qualidade das decisões das agências, deveria sancionar a lei apenas como um veto pontual. O do inciso VI do Artigo 8–A do artigo 42, posto que este dispositivo dificultará sobremaneira atrair bons quadros do setor privado para as agências reguladoras e cujo texto atende unicamente aos interesses de corporações de funcionários públicos.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 25/6/2019.”

segunda-feira, 17 de junho de 2019

DEIXAR AS MALAS GRÁTIS NÃO FARIA PASSAGEM AÉREA FICAR MAIS BARATA

Nesta segunda-feira o presidente vetou o artigo que determinaria a proibição de cobrança pelo despacho das bagagens aéreas. Pelo próprio debate equivocado e cheio de ruídos criado sobre o assunto, não se esperaria uma decisão deste tipo por parte de um político, mas felizmente ele fez a coisa certa desta vez.

A questão posta não é se o preço da passagem e dos serviços aéreos estão caros ou não. Isso é fato. Basta comparar o preço das pontes aéreas no Brasil com o de outros países. O ponto é entender o porquê desse resultado e como fazer para reverter esse processo. E em economia não existem respostas fáceis para problemas complexos.

Parte da explicação dos valores que hoje pagamos está associada aos elevados custos incorridos pelo setor, tais como o preço do combustível de aviação e do leasing de aeronaves. Ambos são definidos em dólares e se elevaram substancialmente de 2016 para cá. A restrição de oferta derivada do processo de recuperação judicial da Avianca também contribui para a agravar a situação. Mas outra parte muito relevante está associada à baixa concorrência vigente no mercado.

Neste contexto, não será a proibição de cobrança por serviços prestados e muito menos um eventual controle de preços que resolverá o problema. Tais atitudes só nos levaram a resultados piores para consumidores ao longo do tempo. A ideia de proibir a cobrança de bagagem, por exemplo, só faria com que as companhias aéreas distribuíssem os custos do serviço por todos os passageiros, inclusive por aqueles que não o usam. E pior, afastaria do mercado as companhias estrangeiras de baixo custo, que passaram a olhar para cá depois da liberalização para investimento de até 100% do capital estrangeiro.

No mundo todo, foram exatamente essas companhias que acirraram a concorrência e reduziram os preços de todos os serviços aéreos ao longo do tempo. E o modelo de negócio delas está exatamente baseado na possiblidade de dividir o preço dos serviços de acordo com a disposição a pagar dos diferentes grupos de consumidores. Assim, se o veto não tivesse ocorrido, teríamos mais uma jabuticaba para a nossa coleção, que certamente afastaria este tipo de investimentos no setor.

Não existe remédio fácil para o que estamos vivendo. A redução consistente dos preços dos serviços aéreos só iniciará com mais concorrência. Mas para isso é necessário que a economia volte a crescer e que o Estado concentre seus esforços em garantir uma regulação que estimule a entrada de novas empresas no mercado, em vez de restringir modelos de negócios.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 17/6/2019.”

quarta-feira, 12 de junho de 2019

DECISÃO DO STF SOBRE PRIVATIZAÇÃO É CONTRADITÓRIA E NÃO DISCUTE O PRINCIPAL

Na última quinta-feira o Supremo proibiu a privatização de empresas estatais sem aval do Congresso, mas permitiu a venda de suas subsidiárias. A inusitada decisão do STF mostrou-se contraditória com os objetivos pretendidos pela maioria dos Ministros, na medida em que sinalizou que basta criar uma nova subsidiária e transferir os ativos da matriz para esta empresa que a privatização poderá ser levada a cabo sem passar pelo Congresso.

A discussão em plenário passou ainda ao largo de vários aspectos relevantes sobre o tema da privatização. Perdemos a oportunidade, por exemplo, de debatermos o que seria o tal do interesse público especificado no caput do artigo 173 da Constituição Federal, que justificaria a existência de empresa pública.

Interesse público nunca deve ser entendido como interesse de determinados grupos da sociedade. Mas, infelizmente, o que vimos ao longo da nossa história foram empresas estatais sendo criadas para atender interesses específicos, principalmente, derivados de demandas políticas.

A teoria econômica e a própria experiência prática têm derrubado os antigos preceitos de que uma empresa pública atenderia com mais eficiência aos interesses distributivos da sociedade. Os novos mecanismos de governança regulatória têm fornecido respostas mais eficientes, indicando resultados melhores com empresas privadas.

Há cinco razões para implantarmos um processo de privatização amplo e irrestrito no país. A primeira, foco da discussão no Supremo, é obter recursos para que o Estado reduza a dívida e déficit público.

A segunda é elevar o nível de eficiência dos serviços prestados e ampliar a concorrência nos mercados, atendendo melhor ao consumidor.

A terceira é evitar interferências políticas indevidas sobre o domínio econômico, que possam desvirtuar os incentivos para investimento privado. Exemplos passados como o do controle de preços dos combustíveis e de energia elétrica devem ser evitados.

A quarta é não permitir que grupos de interesse se apropriem de recursos constituídos a base de monopólios estatais, cuja conta sempre recai sobre a sociedade, como foi o caso da Lava-Jato e do Mensalão.

A quinta, e mais importante, envolve liberar o Estado para alocar tempo e dinheiro em áreas prioritárias que realmente atendam ao interesse do conjunto da sociedade, tais como educação, saúde e segurança.

A questão não é mais se devemos privatizar, mas sim a forma como ela deve ser realizada para que benefícios gerados sejam compartilhados com todos. E isso envolve transparência, desenho de modelos competitivos, tanto nos leilões como na estruturação de mercados, e atuação eficiente de agências reguladoras.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 12/6/2019.”

sexta-feira, 7 de junho de 2019

PARA PAÍS CRESCER, BOLSONARO TEM DE PARAR DE BOICOTAR SUA EQUIPE ECONÔMICA

Na semana passada foi divulgado que o Brasil teve a primeira queda no PIB trimestral desde 2016, provocando um arrefecimento ainda maior nas expectativas no setor privado. Em boa medida, este resultado é consequência da falta de uma postura firme e clara sobre qual o rumo que o presidente entende que o país deva seguir. Infelizmente, o que temos observado é um boicote a sua equipe econômica, com comentários e atitudes que enfraquecem as reformas a serem implementadas ou que sinalizam algum tipo de controle indevido sobre a economia, como o caso do preço do petróleo e do tabelamento de fretes.
Há um razoável consenso entre os economistas mainstream sobre quais são os problemas enfrentados pelo país e como resolvê-los. Em sua maioria há a concordância que criar um ambiente adequado para o investimento privado e liberar recursos para que o Estado execute suas funções básicas é a única forma de trilhar um caminho consistente de crescimento econômico e de geração de emprego. A agenda econômica está claramente definida, a dificuldade maior está em colocá-la em prática.
Não há muita dúvida sobre a necessidade da reforma da previdência, principalmente para corrigir o déficit público e liberar recursos para investimento em educação, saúde e segurança pública. Também é reconhecida a necessidade de se realizar uma reforma tributária que crie um sistema mais justo e eficiente.
Imprimir um processo de privatizações e concessões na prestação de serviços público, estimular a concorrência, principalmente no setor financeiro, e promover uma gradual e consistente abertura comercial também fazem parte do pacote.
Para completar a equação, é necessário implementar um processo amplo de desburocratização e revisão legislativa, que permita reduzir os custos de realizar negócios no país e que crie um modelo normativo e judicial mais estável.
O caminho da volta ao crescimento já é conhecido. O que falta é fazer com que a área política deste governo entenda que sem essas medidas o país não sairá do buraco e correremos o risco de ressuscitar velhas ideias econômicas, que já se provaram um desastre. Mas acima de tudo, falta o presidente se comprometer firmemente com as reformas e não boicotar mais o seu próprio governo.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 7/6/2019.”

A AGENDA DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

Há um razoável consenso entre os economistas mainstream sobre quais são os problemas enfrentados pelo país e como resolve-los. Em sua maioria há a concordância que criar um ambiente adequado para o investimento privado e liberar recursos para que o Estado execute suas funções básicas é a única forma trilhar um caminho consistente de crescimento econômico e de geração de emprego.
Não há muita dúvida, por exemplo, que a reforma da previdência é condição necessária, mas não suficiente para atingirmos o resultado esperado. Sua premência está associada à necessidade de se corrigir o déficit público, evitando assim um caos futuro incontornável na economia e liberando recursos para investimento em educação, saúde e segurança pública. Pode-se se discutir sua extensão e a maneira de promover a maior equalização dos futuros beneficiados, mas ela é realmente indispensável.
Em particular, devemos lembrar que o investimento em educação - principalmente nos ensinos fundamental e médio - é reconhecidamente a melhor forma (para não se dizer a única) de se garantir um crescimento econômico com distribuição de renda de maneira consistente ao longo do tempo.
Também é reconhecida a necessidade de se realizar uma reforma tributária que tire o peso dos impostos sobre produtos e que seja um sistema mais justo, que onere menos as camadas mais baixas da população. Neste sentido, ter como parâmetro os princípios da equidade, simplicidade e neutralidade é o mínimo que se espera dos responsáveis que tratarão deste assunto. Ademais qualquer reforma proposta não deve elevar ainda mais a carga tributária no país, hoje em torno e 35%. 
Não menos importante é implementar um amplo programa de racionalização nos gastos públicos, revisando políticas que já se mostraram ineficientes e substituindo-as por outras que tenham maior efetividade e que particularmente tenham por foco medidas que beneficiem as camadas mais pobres da população. E neste aspecto, estabelecer critérios claros de avaliação de políticas públicas é fundamental.
As privatizações e concessões na prestação de serviços público também são peças-chave nesta engrenagem. Para além da função arrecadatória, o objetivo primordial deste processo deve ser elevar a eficiência empresarial e estimular a concorrência, permitindo que os benefícios obtidos sejam também incorporados pelo conjunto da sociedade. 
No mesmo sentido, promover uma gradativa e efetiva abertura comercial em paralelo à reforma tributária permitirá às empresas se adaptarem e se tornarem mais competitivas, para que inclusive possam concorrer no mercado global. Devemos lembrar que atualmente o país é uma das economias mais fechadas do mundo, graças a todo tipo de disfuncionalidades criadas ao longo do tempo. O que observamos nas últimas décadas foi um excesso de burocracias intermináveis nos processos de exportação e importação, uma baixa eficiência da infraestrutura de transporte e portuária e a adoção de políticas de defesa comercial (cotas, medidas antidumping de salvaguardas, etc) que subverteram os incentivos à busca de eficiência por parte das empresas nacionais.
A implementação de um processo amplo de desburocratização, que reduza os custos de transacionar no país, também é algo há muito apontado por vários organismos internacionais como fator chave para motivar investimentos. Na mesma linha, há a necessidade de uma forte revisão dos nossos modelos legal e judicial. O excesso de leis e normas, muitas vezes totalmente discricionárias ou contraditórias, elevam substancialmente a incerteza nos mercados e tornam o ambiente de negócio uma aventura para qualquer empresário. Não por outra razão que o ex-ministro da fazenda, Pedro Malan, nos brindou com a célebre frase: “no Brasil até o passado é incerto”. O que necessitamos, em última instância, é tornar o processo decisório mais estável e ágil, fazendo com que agências reguladoras, autarquias em geral e os próprios tribunais sejam mais consistentes, rápidos e menos suscetíveis a intemperes políticas. 
Para completar a equação, é necessário reduzir os spreads bancários e, por consequência os juros no país, ampliando ao mesmo tempo tanto o crédito para consumo como para investimento. Para além de questões tributárias e aquelas relacionadas ao problema na inadimplência no país (constantemente apontadas pela FEBRABAN como causa do problema), há uma série de medidas que certamente seriam bastante efetivas na redução dos juros. Uma parte delas passa pela implementação de um modelo regulatório menos pesado, que reduza o custo de entrada e operação no setor, de maneira a atrair novas instituições financeiras e permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio (Fintechs). Outra vertente fundamental é reforçar a coordenação entre Banco Central, CADE e os órgão de defesa do consumidor, permitindo uma atuação complementar e coordenada mais efetiva, de maneira a punir mais rapidamente e com maior rigor abusos nas esferas da concorrência e do consumidor. 
Todos os aspectos aqui destacados não são novidades para a equipe econômica atual, cuja qualidade técnica, na sua grande maioria, dispensa maiores elogios. Para onde quer que se olhe há estudos e propostas sobre praticamente todas as questões acimas apontadas. Open Banking, Lei das Agências Reguladoras, MP da abertura do setor aéreo, MP do Bem, propostas de privatização, etc.
O que falta na realidade é fazer com que a área política deste governo entenda que sem trilhar este caminho, evitando debates ideológicos infrutíferos, o país não sairá do buraco e correremos o risco de ressuscitar velhas ideias econômicas que já se provaram um desastre. Falta um comprometimento maior da base de apoio do governo para explicar e defender e no Congresso a relevância das reformas que serão gradativamente apresentadas. Mas acima de tudo, falta o presidente se comprometer firmemente e não boicotar o que a sua área técnica tem proposto.