Na última semana, a Folha de São Paulo
convidou os principais partidos a escreverem um artigo sobre suas respectivas
propostas econômicas para as próximas eleições. Guido Mantega foi o escalado
pelo ex-presidente Lula para escrever um texto divulgando as ideias econômicas
que nortearão o futuro governo Lula.
Nada mais justo que essa tarefa fosse
delegada a Mantega. Afinal, ele foi ministro do Planejamento (2003-2004),
presidente do BNDES (2004-2006) e ministro da Fazenda (2006 a 2014), ou seja, é
um legítimo representante do PT, tendo uma longa ficha de serviços prestadas ao
partido.
Mas indo direto ao texto, o que me chamou a
atenção é que ele repete a mesma linha de um outro anterior divulgado em
dezembro de 2020, intitulado “Mais uma década perdida”, cujo conteúdo aparenta
demonstrar uma profunda amnésia econômica sobre os fatos dos quais participou.
Aliás, também escrevi um artigo na mesma
época relembrando fatos que contaram com a participação de Mantega e que
levaram à crise econômica e política do início da década passada, que culminou
no impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Fato é que o atual texto do escalado por
Lula deixa claro que devemos esquecer o “Lulinha paz e amor” e a “Carta ao Povo
Brasileiro” de 2002, escrita em sua primeira eleição. Na realidade, essa carta
foi uma jogada de mestre de Antonio Palocci, então Coordenador da Campanha
eleitoral do PT, que procurou tornar Lula e o partido mais palatáveis ao
mercado, com a promessa de estabilidade institucional e econômica.
Mais do que isso, Palocci, quando ministro
da Fazenda, levou para dentro do governo um time técnico de primeiro nível e,
com o apoio de uma equipe muito competente do Ministério da Justiça, conseguiu
preservar e ampliar o esforço de ajuste fiscal que já vinha sendo feito e
prosseguir com algumas reformas microeconômicas fundamentais para o país.
O mérito dessa equipe é inquestionável,
tanto por reconhecer e preservar os avanços que já haviam sido obtidos desde o
plano real - inclusive com a recém aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar nº 101/2000) e com a instituição do regime de Metas de
Inflação - como por conseguir segurar a ânsia gastadora e intervencionista das
alas mais radicais do PT.
No fundo, foi o trabalho desse time que, em
conjunto com a “herança bendita” do governo FHC (apesar dos vários erros que
também foram cometidos) e com o boom de commodities no início do século,
propiciaram o processo de crescimento econômico sustentável até 2008 e as
políticas de distribuição de renda continuadas e ampliadas durante o governo
Lula.
Entretanto, com a substituição de Palocci
por Mantega no Ministério da Fazenda em 2006 e, principalmente, com a saída do
Secretário de Política Econômica, Bernard Appy, em 2008, a racionalidade
econômica foi deixada de lado e o governo Lula passou a ter a cara das alas
mais radicais do PT.
E é exatamente essa cara que aparece no
último texto de Guido Mantega e nas próprias falas do candidato Lula e da
presidente do PT, Gleisi Hoffmann. O conjunto da obra mostra, por exemplo, um
total descompromisso com a responsabilidade fiscal, principal causa da inflação
continuada no país. Não há milagres. Sem que tenhamos uma trajetória controlada
da relação Dívida/PIB, não sairemos nunca da crise econômica atual.
A ideia de baixar juros a fórceps sem um
ajuste fiscal adequado, a exemplo do ocorrido durante o governo Dilma, também
só reforçará o processo inflacionário que estamos vivenciando no governo
Bolsonaro.
No atual contexto, propor mais investimento
público só seria possível com um forte corte de despesas correntes ineficientes
ou com a elevação da carga tributária. Ou seja, seriam necessárias reformas
estruturais (como a administrativa), às quais o PT se mostra refratário ou
criar mais impostos, que implicaria trocar gasto privado por público, sendo que
os últimos tendem a ser naturalmente muito mais ineficientes.
E por falar em ineficiência, a proposta de
“revogar” a reforma trabalhista, insistir em políticas industriais nos moldes
petistas (que só fizeram distribuir renda de maneira regressiva) e revisar
privatizações, além da ideia do controle de preços de combustíveis, só
introduzirão novas distorções na economia e afastarão investimentos do país.
Aliás, no capítulo reestatização (ou “não
privatização”), vale lembrar ainda que os maiores escândalos de corrupção
aconteceram exatamente dentro de empresas públicas ou de capital misto durante
os governos do PT. E corrupção, além de acabar com as instituições, como temos
assistido no país, afasta bons investimentos (de empresas sérias) e reduz o
potencial de crescimento econômico.
Neste contexto, lembrar do candidato Lula
sem lembrar de Dilma é um erro porque foi em seu governo que as decisões
equivocadas, que nos levaram à crise econômica iniciada na última década,
começaram a ser tomadas; sem falar que Dilma é cria de Lula, tendo sido
inclusive sua chefe na Casa Civil.
Lembrar de Lula sem lembrar de Mensalão e
de Petrolão é esquecer que as estatais foram o epicentro de toda a corrupção
vivenciada nas duas últimas décadas, como “nunca antes na história desse país”.
Lembrar de Lula sem lembrar do
aparelhamento de agências reguladoras, inclusive no caso de interferência
direta da troca de presidente da Anatel, é deixar de considerar a importância
das instituições para o crescimento de um país.
Lembrar de Lula sem lembrar das constantes
tentativas de implementar o “controle social da mídia” é ignorar a importância
do papel da imprensa como um dos contrapesos ao abuso do Estado, além dos
valores democráticos que garantiram o desenvolvimento econômico da grande
maioria dos países desenvolvidos.
De toda forma, se o candidato Lula vencer
as próximas eleições, conforme indicam todas as pesquisas, ele descobrirá o que
é verdadeiramente uma “herança maldita”, deixada não só por erros cometidos
durante o governo Bolsonaro, mas também pelos resquícios das sucessivas
decisões equivocadas dos governos petistas a partir de 2008.
E aí, a realidade será totalmente distinta
do seu primeiro mandato. Resta saber se ele “cairá na real” e incorrerá no ônus
político de fazer o que deve ser feito para evitar o aprofundamento da crise no
país ou, a exemplo de seus colegas Alberto Fernández e Nicolás Maduro, trilhará
o caminho do populismo econômico, que tem destruído gradativamente Argentina e
Venezuela.
“Texto publicado originalmente no portal UOL em 13/1/2022.”
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