Em geral, escuto três tipos de argumentos em favor de empresas públicas
Nos últimos meses, uma série de falas e de atitudes
do Presidente da
República e de alguns de seus ministros têm ressuscitado um debate
envolvendo qual deveria ser o papel de empresas sob o controle (ou
participação) do Estado no país. Sob a minha ótica, há uma pergunta que
antecede essa discussão, qual seja: precisamos de empresas públicas nos dias de
hoje?
Em geral, escuto três tipos de argumentos em favor de
empresas estatais. O primeiro deles é o de que elas são empresas estratégicas
para o desenvolvimento econômico. Aliás, esse é o principal argumento da
maioria dos políticos e do próprio presidente da república. Implicitamente,
este primeiro argumento nos leva à necessidade lógica de uma avaliação
econômica da presença do que se denomina falha de mercado.
A ideia seria que, se deixássemos por conta do mercado,
determinados serviços não seriam criados e certos setores não se
desenvolveriam. Há, entretanto, alguns aspectos a serem considerados. O
primeiro deles é que esse pressuposto pressupõe a identificação das chamadas
falhas de mercado, que envolvem conceitos técnicos, como a presença de bens
públicos e externalidades. O problema é que, no caso brasileiro, a presença de
estatais, com raríssimas exceções, como o caso da Embrapa, não tem como
contrapartida a identificação de qualquer falha de mercado que a justifique.
Aliás, há uma grande confusão entre o conceito econômico
de bem público e jurídico de empresa pública. Enquanto o primeiro nos leva à
conclusão de que, na ausência do Estado, determinados serviços não seriam
criados (dos quais são exemplos segurança pública, defesa nacional, iluminação
pública, dentre outros), o segundo envolve simplesmente uma decisão de opção
política, sem qualquer justificativa econômica.
Por exemplo, na ausência do Estado, nada indica que não
teríamos hoje uma empresa geradora de energia, outra voltada à exploração e
refino de petróleo, aeroportos privados, empresas de telecomunicações ou mesmo
de comunicações.
Note-se ainda que, mesmo tendo identificado algum tipo de
falha de mercado, a solução pode passar apenas pela coordenação do Estado, sem
que haja a necessidade de se criar uma empresa pública. Bons exemplos podem ser
observados em casos de concessões e parcerias público-privadas, associadas a
modelos regulatórios eficientes.
No limite, pode-se pensar até em coordenação estatal via
políticas industriais baseadas em “incentivos econômicos”, com prazos bem
delineados, cobrança de metas e revisões constantes, mas nunca centradas em
protecionismo, subsídios puros ou compras governamentais sem critérios, como
tem proposto o atual governo.
O segundo argumento em defesa de estatais é o de que, se
entregue ao setor privado, essas empresas não atenderão ao interesse público,
uma vez que só pensam no lucro. Mais precisamente, a alegação é que uma
eventual privatização provocará elevação de preços e redução da qualidade de
serviços. Esse é o caso da discussão envolvendo a possibilidade de venda do
controle da Sabesp em São Paulo.
Entretanto, não há qualquer comprovação de que as empresas
públicas prestam um serviço melhor e, ao mesmo tempo, com preços menores do que
as empresas privadas. Aliás, a percepção da sociedade é, em geral, a oposta.
De toda forma, não há nada de errado em empresários
buscarem lucro, mesmo porque sem que isso ocorra, não haverá incentivo para se
manter no negócio. A questão que se coloca é o que seria um lucro razoável, que
atenda, ao mesmo tempo, o interesse do consumidor representado pelo trinômio
modicidade tarifária, universalização e qualidade do serviço.
E, pressupondo que estamos tratando de mercados não
competitivos (porque, do contrário, não haveria razão para atuação do Estado),
há todo um arcabouço regulatório que pode ser utilizado para a consecução dos
objetivos que atendam aos interesses da sociedade. Só que, para isso, o modelo
regulatório deve ser bem desenhado e o órgão regulador deve ter independência
técnica e financeira para atuar.
Note-se que uma eventual crítica de que as agências podem
ser suscetíveis a pressões políticas (ou mesmo do setor empresarial) valeria
ainda mais para empresas estatais cujas nomeações não passam pelo mesmo
processo de escolha dos diretores das agências e cujos dirigentes não têm
garantia de mandato pré-definido.
Por fim, o terceiro argumento que leio constantemente em
favor de empresas estatais é o de que a maioria delas são superavitárias e
geram lucro para o Estado, contribuindo com o fechamento das contas públicas.
Particularmente, entendo que essa é uma discussão sem qualquer sentido, na
medida em que esse cálculo desconsidera o custo de oportunidade que o Estado
incorre em alocar pessoas, recursos e tempo na gestão de algo que poderia ser
feito igualmente ou melhor pela iniciativa privada, sendo que suas prioridades
deveriam estar voltadas para serviços como educação, saúde e segurança pública,
por exemplo.
De toda forma, não é verdade que a maioria das empresas
públicas brasileiras são superavitárias. Em 2023, por exemplo, no agregado, as
nossas empresas estatais fecharam com um rombo de R$ 2,2 bilhões. E mesmo
aquelas que são superavitárias podem obter esse resultado usando seu eventual
poder de mercado em segmentos pouco competitivos e não, necessariamente, por
serem eficientes. Ou seja, neste caso, a conta acaba sendo paga pelo
“consumidor-cidadão”.
Em realidade, sempre que vejo alguém defendendo a
necessidade de termos empresas estatais no país, pergunto-me quais são os reais
interesses por trás dessa insistência, ainda mais lembrando dos vários casos de
corrupção como o Mensalão e Petrolão. E isso sem entrar a fundo nas decisões de
investimentos ineficientes, contratação e gestão de mão-de-obra, escolha de
fornecedores, etc.
Parece-me que o melhor caminho a ser seguido seria
identificarmos os casos nos quais há, de fato, sentido econômico (como o
descrito neste texto) para mantermos empresas públicas e privatizarmos todas as
demais estatais, considerando, inclusive, a possiblidade de criarmos modelos de
venda de ativos públicos que gerem mais concorrência nos mercados, em benefício
do próprio consumidor.
Ademais, poderíamos usar esse dinheiro para abatermos parte da dívida pública, reduzindo os serviços (juros) pagos a cada período, liberando recursos para ampliarmos investimentos em áreas carentes, como educação, saúde e segurança pública.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 23/5/2024.”
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