Na última semana, foi aprovada no Senado a Proposta
de Emenda Constitucional (PEC 01/2022), de autoria do senador Fernando Bezerra
Coelho (MDB-PE), que institui o Estado de Emergência no Brasil. A intenção foi
permitir ao presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ) elevar os gastos públicos em R$
41,25 bilhões até o final do ano, acima de seu teto permitido.
Travestida de uma preocupação em minorar os
efeitos ruins do aumento do preço internacional do petróleo e da guerra da
Ucrânia sobre os mais pobres, essa PEC nada mais é do que uma maneira
desesperada encontrada pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro de criar,
de maneira enrustida, o maior programa de compra de votos jamais visto no país.
Com justificativas toscas de que o país tem
obtido superávit fiscal neste ano e que existem recursos disponíveis
para isso relacionados a dinheiro advindo do petróleo, na prática, esse gasto
adicional, sem cortes em outras despesas possíveis (como fundos eleitorais e
partidários), sepulta definitivamente o teto dos gastos, a regra de ouro e
afasta regras previstas na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na LDO (Lei
de Diretrizes Orçamentárias).
Já expliquei nesta coluna que esse suposto superávit
observado neste ano é uma ilusão arrecadatória não sustentável e
baseada no chamado imposto inflacionário e na elevação temporária de alguns preços
na economia, como o dos combustíveis.
Quanto aos recursos derivados do próprio
petróleo elencados pelo relator na sua exposição de motivos, esses tecnicamente
deveriam ser utilizados como uma poupança do país, seja para evitar flutuações
cambiais derivadas de um eventual forte crescimento futuro da exportação do
petróleo, seja como compensação a gerações futuras, principalmente em tempos de
“vacas magras”.
Mas essa discussão já se perdeu
definitivamente em 2010, quando o Congresso criou o Fundo Social. Na realidade,
o que os nossos congressistas têm reiteradamente feito é, a exemplo da
previdência pública, deixado dívida, e não poupança, para as futuras gerações
de brasileiros. E a proposta do relator foi apenas mais do mesmo.
Não por outra razão, o mercado já começou a
precificar o que vem pela frente, com a elevação do dólar, queda da bolsa e
aumento dos juros futuros. No fundo, esse movimento acabará por desancorar as
expectativas, fazendo com que o Banco Central mais uma vez seja obrigado a
elevar juros e ampliar o período pelo qual ele permanecerá alto.
A expectativa, com isso, é que a trajetória
das contas públicas tenda a piorar substancialmente a partir do próximo ano,
seja por um processo de redução da arrecadação futura, com o agravamento da
crise, seja pelo aumento dos gastos públicos, associados à pressão por aumento
de salários do funcionalismo e à elevação de juros, por exemplo.
E isso sem falar que, se entrarmos em uma
nova recessão global, a tendência é que o câmbio deprecie ainda mais. Fato é
que se não controlarmos rapidamente o montante e a qualidade dos gastos
públicos, o país continuará a ter uma inflação elevada, prejudicando exatamente
os mais pobres que, cinicamente, nossos políticos dizem querer proteger neste
momento.
Infelizmente o claro sinal que foi dado com
a PEC do Estado Emergencial é o de que o país não tem qualquer compromisso com
a responsabilidade fiscal, e isso foi mostrado por 72 Senadores de partidos de
todas as vertentes políticas. Apenas o Senador José Serra (PSDB-SP) teve a
coragem de votar contra essa insanidade.
Politicamente é fácil entender a posição do
Centrão neste momento, que está atualmente no governo e que quer fazer de tudo
para que o atual presidente se reeleja. Ou seja, apenas Centrão sendo Centrão.
Também é fácil entender a posição do PT e
dos demais partidos da chamada “oposição de esquerda”, na medida em que essa
PEC abriu um forte precedente para que o próximo presidente faça exatamente o
mesmo. Aliás, se isso tivesse sido feito durante o governo Dilma, provavelmente
ela não teria sofrido o impeachment, dado que as bases legais não mais
existiriam para tanto.
Já a posição de outros partidos, do qual
faz parte, por exemplo, a candidata Simone Tebet (MDB-MS), que votou a favor da
PEC, implicitamente indica um mix de covardia com puro populismo irresponsável.
Mas a pior posição de todas foi a do PSDB, criador da LRF, que, com essa
votação, jogou de vez seu histórico de compromisso com a responsabilidade
fiscal na lama.
Todos esses políticos podem até argumentar
que o que se votou agora foi uma medida temporária, cujo gasto não se estenderá
ao longo do tempo. Só que uma grande parte dessas medidas não deve ser
temporária, uma vez que qualquer transferência de renda criada nunca ou quase
nunca é cortada no futuro. No fundo seria como se tentar “’colocar a pasta de
dente de volta no tubo”.
Mas pior do que isso é realmente o fato do
precedente criado e da perda de credibilidade do país. Sempre se poderá
argumentar que existe uma razão emergencial para se elevar os gastos, sem se
preocupar em avaliar a possibilidade de realocação dos gastos já existentes.
E se lembrarmos das declarações do
candidato que está na frente nas pesquisas eleitorais, é bem provável (para não
dizer quase certo), que, caso seja eleito, apresente o mesmo argumento nos
próximos anos, principalmente porque terá que lidar com uma crise econômica
gravíssima.
O
grande problema é que esse caminho, além de só agravar a crise econômica,
poderá nos levar ainda a uma enorme crise social e institucional.
“Texto publicado originalmente no UOL em 5/7/2022.”
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