No último dia 1º de fevereiro, a Concessionária RIO galeão divulgou que apresentou pedido para que o governo federal faça nova licitação do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Na prática, isso indica que a Concessionária está formalmente desistindo de operar esse aeroporto.
Com essa decisão, iniciou-se uma troca de
farpas entre autoridades públicas. De um lado, um grupo de políticos cariocas
acusa o governo federal de ser o responsável pela devolução, na medida em que
resolveu privatizar o aeroporto Santos Dumont, gerando concorrência futura ao
Galeão.
De outro, o Ministro da Infraestrutura,
Tarcísio de Freitas, atribui a desistência da Concessionária à situação caótica
vivenciada no Rio de Janeiro, tanto no que diz respeito à economia como à
segurança.
Na realidade, esse é mais um caso típico de
que “em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. E para
compreender o que está ocorrendo, devemos revisitar o modelo de leilão do qual
fez parte o Galeão e avaliar as possíveis fontes de receitas de um aeroporto.
Na segunda e terceira rodadas de concessões
de aeroportos (que envolveu Guarulhos, Campinas, Brasília, Confins e Galeão), a
modelagem levou em consideração a possibilidade de concorrência entre todos
esses aeroportos, tendo por objetivo reduzir gradativamente a atuação do Estado
sobre os preços praticados nesse mercado.
Esse modelo, que estaria baseado em larga
medida na experiência australiana, teria supostamente por objetivo ainda
induzir ao longo do tempo um processo mais cooperativo entre as empresas e
usuários que fazem uso de cada aeroporto, elevando a eficiência desse ativo e
estimulando investimentos na medida da real necessidade de expansão.
Entretanto, no edital de licitação desses
aeroportos, foram introduzidos dois jabutis. O primeiro foi a permanência da
Infraero como participante de cada um desses aeroportos, o que reduzia os
incentivos para a concorrência entre eles.
Já o segundo, parte dos problemas hoje
vivenciados, foi a obrigação prévia de investimentos elevados, tendo por
presunção um crescimento de demanda que, por óbvio, não se realizaria, dadas as
condições macroeconômicas que já se vislumbravam na época.
Na realidade, a prioridade do modelo,
baseado em forte ampliação da estrutura já existente, atendia muito mais aos
interesses das empreiteiras do que propriamente dos operadores portuários e de
seus usuários, elevando substancialmente o custo fixo da concessão, inclusive
com a injeção de dinheiro público do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social).
De certa maneira, os elevados ágeis pagos
pelas outorgas nessas concessões podem também ter sido resultado das
expectativas que as empreiteiras formaram a partir dos ganhos que poderiam ter
com as obras. Fato é que um dos problemas do Galeão, a exemplo de outros
aeroportos, é exatamente a dificuldade de se pagar a outorga, dado o nível de
demanda vigente.
Neste contexto, a alegação de possível
“concorrência predatória” por parte do Santos Dumont não se sustenta, mesmo
porque não há qualquer indício de que o Santos Dumont esteja roubando
passageiros do Galeão. Mas mesmo que o fosse, no mundo todo, cada vez mais há
competição entre aeroportos nas várias dimensões nas quais prestam serviços.
E ela ocorre por servir o mercado local de
passageiros, pelo transporte de carga, por conexão de tráfego (entre hubs),
pelo destino (para turismos, convenções de negócios, etc.), por contratos com
empresas aéreas, por serviços não aeronáuticos (estacionamento, manutenção) e,
inclusive, com outros modais de transportes (principalmente trens de alta
velocidade).
No caso do Galeão, a Concessionária tem
perdido a concorrência por conexões não só com São Paulo (Guarulhos), mas
também pela formação de novos hubs, inclusive no Nordeste. Pelo
transporte de cargas, o aeroporto de Cabo Frio tem-se tornado um forte
competidor, principalmente por estar mais próximo de áreas petrolíferas.
Como destino turístico, a cidade do Rio
também não tem ajudado. Problemas de segurança e até mesmo a qualidade dos
serviços que oferecem (algo reconhecido inclusive pela quase totalidade dos
cariocas com que já falei) têm levado menos turistas para a Cidade Maravilhosa
do que seu real potencial.
Também há o problema da economia carioca,
muito concentrada e dependente do petróleo, e cujas instituições não têm
ajudado em nada na atração de novos investimentos. Vide decisão da Linha
Amarela e constantes casos de corrupção que envolveram sucessivos governos,
Alerj e o próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, além de
decisões populistas de todos os tipos.
Há também o problema do acesso ao aeroporto
do Galeão, que, além de não ser fácil, acaba sendo realizado por uma das vias
mais complicadas da cidade em termos de tráfego e de segurança, a Linha
Vermelha.
Além do mais, com a forte crise econômica
que vivemos desde o governo Dilma Rousseff e a pandemia ainda em curso, temos
um conjunto de ingredientes que tornam extremamente difícil rentabilizar um
aeroporto como o Galeão, mesmo para um operador eficiente como a Changi
Airport International (CAI).
Fato é que há dois caminhos alternativos a
serem seguidos a partir de agora. O primeiro é leiloar o Galeão junto com o
Santos Dumont, o que implicará abrir mão do modelo de competição entre
aeroportos localizados na mesma cidade.
O segundo seria o Rio fazer sua lição de
casa nos aspectos institucional, econômico e de segurança pública. Neste caso,
com a demanda crescendo naturalmente, o leilão em separado poderia ser uma boa
alternativa, induzindo ambos os aeroportos a competirem e buscarem fontes de
receitas adicionais no lado não aeronáutico (como estacionamentos, aluguel de
espaço, construção e administração de shopping, etc.).
Aliás, vale lembrar que há vários casos de
aeroportos pelo mundo nos quais a maior parte das receitas vem do lado não
aeronáutico, o que mostra que não é só a demanda por voos que garante a
rentabilidade do negócio. Mas, pelo que tudo indica, o atual governo federal
não acredita nesse segundo caminho e já decidiu leiloar os dois aeroportos em
conjunto.
“Texto publicado originalmente no UOL em 25/2/2022.”