sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

O QUE DEU ERRADO NO AEROPORTO DO GALEÃO PARA SER DEVOLVIDO?

 No último dia 1º de fevereiro, a Concessionária RIO galeão divulgou que apresentou pedido para que o governo federal faça nova licitação do Aeroporto Internacional Tom Jobim. Na prática, isso indica que a Concessionária está formalmente desistindo de operar esse aeroporto.

Com essa decisão, iniciou-se uma troca de farpas entre autoridades públicas. De um lado, um grupo de políticos cariocas acusa o governo federal de ser o responsável pela devolução, na medida em que resolveu privatizar o aeroporto Santos Dumont, gerando concorrência futura ao Galeão.

De outro, o Ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, atribui a desistência da Concessionária à situação caótica vivenciada no Rio de Janeiro, tanto no que diz respeito à economia como à segurança.

Na realidade, esse é mais um caso típico de que “em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. E para compreender o que está ocorrendo, devemos revisitar o modelo de leilão do qual fez parte o Galeão e avaliar as possíveis fontes de receitas de um aeroporto.

Na segunda e terceira rodadas de concessões de aeroportos (que envolveu Guarulhos, Campinas, Brasília, Confins e Galeão), a modelagem levou em consideração a possibilidade de concorrência entre todos esses aeroportos, tendo por objetivo reduzir gradativamente a atuação do Estado sobre os preços praticados nesse mercado.

Esse modelo, que estaria baseado em larga medida na experiência australiana, teria supostamente por objetivo ainda induzir ao longo do tempo um processo mais cooperativo entre as empresas e usuários que fazem uso de cada aeroporto, elevando a eficiência desse ativo e estimulando investimentos na medida da real necessidade de expansão.

Entretanto, no edital de licitação desses aeroportos, foram introduzidos dois jabutis. O primeiro foi a permanência da Infraero como participante de cada um desses aeroportos, o que reduzia os incentivos para a concorrência entre eles.

Já o segundo, parte dos problemas hoje vivenciados, foi a obrigação prévia de investimentos elevados, tendo por presunção um crescimento de demanda que, por óbvio, não se realizaria, dadas as condições macroeconômicas que já se vislumbravam na época.

Na realidade, a prioridade do modelo, baseado em forte ampliação da estrutura já existente, atendia muito mais aos interesses das empreiteiras do que propriamente dos operadores portuários e de seus usuários, elevando substancialmente o custo fixo da concessão, inclusive com a injeção de dinheiro público do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

De certa maneira, os elevados ágeis pagos pelas outorgas nessas concessões podem também ter sido resultado das expectativas que as empreiteiras formaram a partir dos ganhos que poderiam ter com as obras. Fato é que um dos problemas do Galeão, a exemplo de outros aeroportos, é exatamente a dificuldade de se pagar a outorga, dado o nível de demanda vigente.

Neste contexto, a alegação de possível “concorrência predatória” por parte do Santos Dumont não se sustenta, mesmo porque não há qualquer indício de que o Santos Dumont esteja roubando passageiros do Galeão. Mas mesmo que o fosse, no mundo todo, cada vez mais há competição entre aeroportos nas várias dimensões nas quais prestam serviços.

E ela ocorre por servir o mercado local de passageiros, pelo transporte de carga, por conexão de tráfego (entre hubs), pelo destino (para turismos, convenções de negócios, etc.), por contratos com empresas aéreas, por serviços não aeronáuticos (estacionamento, manutenção) e, inclusive, com outros modais de transportes (principalmente trens de alta velocidade).

No caso do Galeão, a Concessionária tem perdido a concorrência por conexões não só com São Paulo (Guarulhos), mas também pela formação de novos hubs, inclusive no Nordeste. Pelo transporte de cargas, o aeroporto de Cabo Frio tem-se tornado um forte competidor, principalmente por estar mais próximo de áreas petrolíferas.

Como destino turístico, a cidade do Rio também não tem ajudado. Problemas de segurança e até mesmo a qualidade dos serviços que oferecem (algo reconhecido inclusive pela quase totalidade dos cariocas com que já falei) têm levado menos turistas para a Cidade Maravilhosa do que seu real potencial.

Também há o problema da economia carioca, muito concentrada e dependente do petróleo, e cujas instituições não têm ajudado em nada na atração de novos investimentos. Vide decisão da Linha Amarela e constantes casos de corrupção que envolveram sucessivos governos, Alerj e o próprio Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Rio de Janeiro, além de decisões populistas de todos os tipos.

Há também o problema do acesso ao aeroporto do Galeão, que, além de não ser fácil, acaba sendo realizado por uma das vias mais complicadas da cidade em termos de tráfego e de segurança, a Linha Vermelha.

Além do mais, com a forte crise econômica que vivemos desde o governo Dilma Rousseff e a pandemia ainda em curso, temos um conjunto de ingredientes que tornam extremamente difícil rentabilizar um aeroporto como o Galeão, mesmo para um operador eficiente como a Changi Airport International (CAI).

Fato é que há dois caminhos alternativos a serem seguidos a partir de agora. O primeiro é leiloar o Galeão junto com o Santos Dumont, o que implicará abrir mão do modelo de competição entre aeroportos localizados na mesma cidade.

O segundo seria o Rio fazer sua lição de casa nos aspectos institucional, econômico e de segurança pública. Neste caso, com a demanda crescendo naturalmente, o leilão em separado poderia ser uma boa alternativa, induzindo ambos os aeroportos a competirem e buscarem fontes de receitas adicionais no lado não aeronáutico (como estacionamentos, aluguel de espaço, construção e administração de shopping, etc.).

Aliás, vale lembrar que há vários casos de aeroportos pelo mundo nos quais a maior parte das receitas vem do lado não aeronáutico, o que mostra que não é só a demanda por voos que garante a rentabilidade do negócio. Mas, pelo que tudo indica, o atual governo federal não acredita nesse segundo caminho e já decidiu leiloar os dois aeroportos em conjunto.

“Texto publicado originalmente no UOL em 25/2/2022.”

sábado, 12 de fevereiro de 2022

COMBUSTÍVEL NÃO FICARÁ MAIS BARATO COM PROJETOS DA INSANA POLÍTICA ATUAL

Nas últimas semanas, tem se intensificado a fala de políticos com soluções mirabolantes para resolver o problema da alta dos combustíveis no país. Entretanto, a cada nova “ideia” que surge, acabo sempre me lembrando daquela famosa frase: “para todo problema complexo existe uma solução simples, elegante e completamente errada”.

Tenho exposto nesta coluna minha total rejeição a propostas que envolvem algum tipo de controle de preços em mercados potencialmente competitivos ou que impliquem descontrole das finanças públicas. Minha posição está baseada não só em argumentos de lógica econômica, mas também na observação do passado.

No caso específico do mercado de combustíveis, é fundamental entender que se trata de uma comodity, cujo preço é definido em dólar no mercado internacional. Não atentar para isso implicará sinalizar para o mercado que o custo (econômico) de oportunidade de investir neste setor no Brasil se elevou, com consequências ruins para nossa capacidade de atração de investimento, grau de concorrência futura e para a própria oferta disponível.

Já tratei desse assunto em mais detalhes em um texto anterior intitulado “Com alta do petróleo, governo terá que mostrar se é mesmo liberal como diz”.

Nesse sentido, a fala do ex-presidente Lula, por exemplo, em nada ajuda. Em primeiro lugar porque, ao sugerir submeter a política de preços da Petrobras a decisões políticas internas, desconsiderando que a empresa tem ações negociadas inclusive na Bolsa de Nova York, o resultado será gerar novos processos por imposição de perdas aos acionistas, principalmente nos EUA, com condenações certas e cujo custo será arcado por todos os brasileiros.

Claro que Lula poderia alegar que pretende fechar o capital da empresa. Mas aí incorreríamos em dois custos adicionais. O primeiro é o da própria compra das ações em poder do setor privado (imaginando que não passe pela cabeça de ninguém dar um calote).

Já o segundo seria o custo de oportunidade (mais uma vez) de renunciarmos a um capital barato e passarmos a usar recursos da própria empresa (capital próprio, que é, por definição, mais caro) e até mesmo do orçamento público para a realização de investimentos futuros.

A pergunta que fica é se vale a pena deslocarmos recursos da educação, saúde e segurança, por exemplo, para a Petrobras.

Mas supondo que isso seja feito, já vimos no passado para onde o controle de preços de combustíveis nos levou, principalmente durante o governo Dilma. Descapitalização da Petrobras, inibição de investimento de terceiros no setor (em novas refinarias e importações) e a própria quebra generalizada no setor sucroalcooleiro.

Há também proposta do Senador Rogério Carvalho do PT/SE (Projeto de Lei 1472/2021) que caminha em sentido parecido, apesar de travestida de uma solução regulatória supostamente mais sofisticada.

De maneira convidativa, o Senador sugere a criação de um fundo de estabilização de preços de combustíveis a partir de um imposto sobre exportação de petróleo, com o objetivo de evitar flutuações dos preços dos combustíveis no mercado interno. Só que essa proposta também ignora os efeitos sobre os incentivos gerados no mercado.

Partindo do princípio de que o mercado internacional de comodities de venda de petróleo bruto também é competitivo, a Petrobras não conseguirá repassar o imposto de exportação, ou seja, ela (a empresa) e nós contribuintes ficaremos mais uma vez com o “mico” de arcar com esse ônus.

Mas mais do que isso, segurar preços no mercado doméstico, mesmo que por períodos pré-definidos e temporários, terá o mesmo efeito negativo sobre investimentos, concorrência, etc., que já destaquei aqui; sem falar da possibilidade de a empresa ainda ganhar de brinde um processo no CADE por preço predatório ou compressão de margem de concorrentes, conforme expus em texto anterior.

Está em discussão ainda no Congresso a Proposta de Emenda Constitucional 1/2022, de autoria do Senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que, ao criar subsídios claramente populistas, tem sido chamada de PEC kamikaze, pelo potencial de estrago nas contas pública que pode gerar.

Essa proposta conta com total apoio da ala política do governo Jair Bolsonaro (PL-RJ) e de seus aliados no Congresso, inclusive com o de seu filho, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).

Finalmente, vale mencionar o Projeto de Lei Complementar 11/2020, do Deputado Emanuel Pinheiro Neto (PTB/MT), que altera dois aspectos da legislação referente à cobrança do ICMS sobre combustíveis.

Em primeiro lugar, modifica a forma de cobrança do ICMS de imposto ad valorem (como um percentual sobre o preço cobrado do produto) para um imposto específico (valor fixo pela quantidade vendida). Em segundo, altera a mecânica de parametrização do preço de referência para efeito da cobrança do ICMS, definindo-o como uma média dos preços praticados no ano anterior e estabelecendo um teto com base nos preços vigentes.

Em que pese entender que de fato os estados têm sido “sócios” dos constantes aumentos de preços pela Petrobras (no modelo vigente de imposto ad valorem) e que este projeto tem o mérito de procurar discutir essa distorção, entendo que ele deveria ser tratado no âmbito de uma reforma tributária mais ampla, sob pena de que saia algo atualmente ineficiente e que gere mais problemas fiscais.

No fundo, se há algo que poderíamos fazer de imediato para melhorar a situação atual seria agilizar as reformas estruturais necessárias e ajustar as contas públicas. Com isso, as expectativas melhorarão e o dólar tenderá a cair, permitindo uma redução consistente nos preços dos combustíveis.

E, em particular, na discussão da reforma tributária, deveríamos também considerar não só um modelo para o setor que corrija eventuais distorções associadas a fortes flutuações na arrecadação, mas que também considere no seu bojo questões ambientais, que procurem desestimular o consumo de combustíveis mais poluentes, como os fósseis.

“Texto publicado originalmente no UOL em 12/2/2022.”

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

DA OCDE PARA O BRASIL É OPORTUNIDADE, MAS PROCESSO SERÁ DIFÍCIL

Na última semana, o governo brasileiro divulgou entusiasticamente que teria finalmente recebido a formalização do conviteda Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que opaís ingresse na entidade. E de fato, essa foi uma ótima notícia, dado que o Brasil aguardava por isso desde 2017, quando apresentou sua candidatura formal para se tornar Membro Pleno da entidade.

Há que se lembrar, entretanto, que esta é apenas mais uma etapa do processo de entrada do país nesse seleto grupo, que se iniciou ainda na década de 90 e que contou com etapas como a criação no âmbito da OCDE de programa direcionado ao Brasil (1998), uma resolução da entidade estabelecendo um programa de engajamento ampliado, definindo Brasil como Parceiro-Chave (2007) e a assinatura de Acordo de Cooperação Brasil-OCDE (2015).

De uma maneira geral, a OCDE pode ser entendida como uma espécie de “think tank global”, cujo objetivo é construir um arcabouço institucional de “melhores práticas” a partir da cooperação e do diálogo entre os países e com a finalidade última de melhorar a governança global.

Os valores que regem a entidade são eminentemente democráticos e envolvem o respeito aos direitos humanos, às leis e aos princípios de transparência e do livre mercado. Não por outra razão, os países que participam da entidade acabam sendo vistos como possuidores de um selo de qualidade, obtendo maior credibilidade da visão de investidores internacionais.

A entidade tem como método de trabalho a interação entre os países por meio de comitês temáticos (38 no total) e inúmeros grupos de trabalho. Há que se destacar que o Brasil já participa das discussões em 33 comitês, com status que variam de associado, participante ou apenas convidado.

É fato que a participação contínua do Brasil nesses comitês já nos tem trazido bons frutos, na medida em que passamos a ter acesso ao que há de melhor no mundo em termos de governança. Mas a entrada como membro pleno também nos dará voz nos rumos da entidade e na constituição de soluções globais.

Para os mais preocupados com uma eventual “submissão” aos países desenvolvidos, lembro que a OCDE não trabalha com mecanismos de solução de controvérsia ou de punição, como os da área do comércio internacional.

Ao contrário, a pressão é realizada de maneira mais light, via um processo de revisões periódicas pelos pares (peer review) na entidade e por especialistas independentes. Assim, é avaliado se o país está de fato implementando as melhores práticas e, em caso contrário, são atribuídas “sanções morais” (críticas) na elaboração dos relatórios.

Aliás, essa forma de trabalho tem, inclusive, gerado efeitos positivos para aqueles países que se engajam no processo de entrada na entidade. Trabalhos como o da professora Christina L. Davis (More than Just a Rich Country Club: MembershipConditionality and Institutional Reform in the OECD), da Universidade de Princeton, têm indicado que os países, ao se submeterem a revisões periódicas nas várias áreas analisadas, já começam a implementar reformas em direção às melhores práticas, com efeitos positivos para a economia local.

Fato é que na semana passada demos mais um passo em direção à OCDE. Entretanto, temos muito ainda a caminhar e muita lição de casa a fazer antes de sermos aceitos. Em 2017 a OCDE adotou um documento intitulado Framework for the Consideration of Prospective Members  no qual estabelece critérios e informações para o processo de a acessão de um novo membro.

E nesse aspecto estamos bem. De um total de 251 instrumentos normativos delineados no âmbito da organização, o Brasil já aderiu a 103, muito mais que outros países atualmente pleiteantes. Mas obviamente só isso não basta. Mais do que as promessas ou intenções, valerá a prática. E nesse sentido, continuaremos a passar por processos futuros de revisões periódicas; e agora cada vez mais duros.

A boa notícia é que já estamos acostumados com isso. Já nos submetemos a mais de 60 revisões por nossos futuros pares e especialistas, sendo a maioria já concluída. Mas há várias questões que precisamos melhorar até sermos aceitos. Elas passam, na visão do atual governo, por questões como a melhoria no nosso sistema tributário e financeiro, por aspectos ligados ao meio ambiente e pela retirada do protecionismo a certas indústrias, como a naval.

Mas particularmente entendo que, com o avançar desse processo, teremos também que enfrentar questões caras à entidade, como o comprometimento mais forte e claro no combate à corrupção, a melhoria nas nossas governanças pública e empresarial e a forma como tratamos os investimentos no país.

O que temos que ter em mente é que essa tarefa não será fácil e exigirá um comprometimento de toda a sociedade.

Do Executivo, porque terá que fazer uma verdadeira “revolução administrativa”. Do Legislativo, porque demandará disposição para mudar leis e até a Constituição. Do Judiciário, porque será fundamental alterar sua forma de trabalho, entendendo que precisamos constituir jurisprudências que sinalizem claramente quais serão as regras do jogo.

Dos empresários, porque deveremos caminhar para uma economia mais livre e competitiva, com menos espaço para privilégios e proteções setoriais. E dos trabalhadores, porque o processo de adaptação não será fácil e exigirá mais preparo e investimento em educação.

Mas no final dessa caminhada, que se consolidará gradativamente, chegaremos à conclusão, a exemplo de outros países que já passaram por isso, que esse processo terá compensado e que o país como um todo se beneficiará.

“Texto publicado originalmente no portal UOL em 3/2/2022.”