Continuamos a ser um dos países mais fechados do mundo
Em discurso recente, o presidente Lula criticou o aumento de
preços do arroz e informou à população que iria importar arroz para criar uma
espécie de limitador de preços do produto, sem dizer qual seria o “preço ideal”
em sua visão.
Não há dúvidas que o desastre que tomou conta do Rio Grande do
Sul é muitíssimo grave e que, como já escrevi em texto
anterior, não é hora de
politizarmos a questão mas, sim, concentrarmos todos os esforços
para resolvermos os problemas de uma maneira coordenada. Entretanto, quando
vejo um discurso como o do nosso presidente, fico assustado. Isso porque,
definitivamente, o preço do arroz é hoje um “não problema”, por várias razões,
que, com a intervenção equivocada do Estado, pode se tornar um problema.
Em primeiro lugar, porque o arroz é um alimento de baixo
valor nutricional para o qual existem vários produtos substitutos. E, como
mostra qualquer livro básico de economia, a presença de produtos substitutos é
um forte limitador a tentativas de elevação persistente de preços. Ou seja,
melhor faria o Estado se divulgasse quais seriam esses produtos
nutricionalmente substitutos.
Em segundo lugar, porque os preços dos alimentos flutuam o
tempo todo devido a movimentações de variáveis econômicas que determinam tanto
o nível de oferta como de demanda no mercado. E, como sempre escrevo, o preço é
apenas um sinal que gera incentivos para os ofertantes decidirem o quanto
ofertarão de produtos e os consumidores o quanto estarão dispostos a consumir.
Preços elevados indicam, além de mais rentabilidade, um
excesso de demanda pelo produto, estimulando que produtores ofertem mais no
futuro. Nesse sentido, qualquer tentativa de controlar preços equivaleria a dar
uma informação equivocada ao mercado (no caso, de que não haveria escassez),
criando distorções que, certamente, afetarão negativamente a oferta do produto
no futuro.
Já vimos isso acontecer no passado quando do tabelamento
de preços durante o governo Sarney e dos controles dos preços do combustível e
da eletricidade no governo Dilma. O que observamos, nesses casos, foi uma
desestruturação de todos os setores afetados por essas intervenções. Em
realidade, tentar controlar o preço é o mesmo que colocar gelo no termômetro
para baixar a febre. Você nunca atua nas causas do problema (quando eles
realmente existem, o que não é o caso).
Aliás, para além do próprio presidente Lula, há uma crença
equivocada na sociedade brasileira de que empresários são “agentes econômicos
malvados por natureza”, sempre dispostos a esconder produtos com a finalidade
de “elevar abusivamente os preços” no mercado. Ledo engano. A não ser que
estejamos tratando de um cartel, cuja factibilidade do acordo depende: (i) da
correta definição do mercado a ser analisado; (ii) dos incentivos vigentes para
a realização do acordo; e (iii) da possibilidade de monitoramento posterior,
não há qualquer razoabilidade econômica em assumir a tese do “empresário
malvadão”.
Não por outra razão, até foi criado no âmbito da
Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) um Guia para Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços
para dar um mínimo de razoabilidade sobre o conceito jurídico de “aumento
abusivo de preços”, que, sob o ponto de vista econômico, não tem qualquer
sentido. Nesse documento estão claramente destacadas a necessidade de
considerar a lei de oferta e demanda e a sugestão de se avaliar se o aumento de
preços se deve a condutas anticompetitivas.
E, de fato, bastariam essas duas perspectivas para dar o
assunto do arroz por encerrado. No caso em particular, devemos lembrar que toda
a infraestrutura de transporte e logística do Rio Grande do Sul foi afetada, o
que implica custos mais elevados e ausência do produto em determinados
momentos. Em outras palavras, o lado da oferta (custos) pode ter pesado muito
nas alterações de preços.
Mas também vale destacar que, pelo lado da demanda, toda a
publicidade dada ao caso pelo governo criou um medo de desabastecimento para os
consumidores, que passaram a comprar em maior quantidade, antecipando um
consumo futuro. E isso, obviamente, também pressionou os preços para cima.
Sob o ponto de vista prático, com o retorno do
funcionamento da infraestrutura e com o deslocamento de parte da demanda para
os produtos substitutos, o preço do arroz naturalmente tenderá a voltar próximo
ao patamar anterior. Aliás, isso já tem sido observado. Mas, infelizmente, o
assunto tem forte apelo popular e tem sido tratado de uma forma não técnica.
E um bom exemplo disso é a insistência do governo em
importar arroz com o objetivo de controlar os preços, inclusive para criar
estoques reguladores, conforme informado pelo Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro. E isso, apesar de o
Instituto Rio Grandense de Arroz (IRGA) ter deixado claro que 90% da
safra de arroz já tinha sido colhida.
Talvez o Ministro não saiba, mas adquirir o produto e
manter estoque regulador implica gastos adicionais, sendo que esses recursos
poderiam ser alocados em frentes cuja necessidade realmente exista. Ou seja,
ele desconsidera o custo de oportunidade dessa decisão, ainda mais para um país
com déficit público crescente, que terá que alocar uma fortuna para a
recuperação do estado do Rio Grande do Sul.
E, se não bastasse tudo isso, é assustador o espanto do
Ministro com o aumento do preço do arroz no Mercosul. Ao anunciar que o governo
brasileiro compraria o produto do bloco, ele antecipou que haveria um aumento
de demanda no mercado, o que, por óbvio, fez com que os preços se elevassem.
Nada mais natural do que isso, em uma economia de mercado que também é
influenciada por expectativas.
Finalmente, para fechar a sequência dos absurdos, o
governo pretende distribuir o produto com a sua logomarca, sob o pretexto de
evitar desvios e especulação. Entretanto, este é um comportamento populista em
um momento muito triste para os gaúchos, já antecipando a próxima campanha
eleitoral. Causa-me espanto que nem o Tribunal de Contas da União (TCU) nem o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tão ágeis e zelosos em certas
circunstâncias, não tenham se manifestado até o momento com algo que,
nitidamente, envolve má gestão do dinheiro público com fins eleitoreiros.
Talvez a única coisa positiva dessa história toda tenha
sido a ideia de reduzir os impostos de importação para o arroz, algo que pode,
de fato, elevar a competição no mercado doméstico e reduzir preços de maneira
consistente no futuro. Mas, pelas mesmas razões, essa redução deveria se
estender a todos os setores da economia, uma vez que continuamos a ser um dos
países mais fechados do mundo.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 4/6/2024.”
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