A péssima distribuição de renda também tem como base a própria estrutura regressiva e ineficiente dos gastos públicos
Recentemente, o Ministério da Fazenda (MF) publicou um
documento denominado Relatório da Distribuição de Renda e da Riqueza da População Brasileira
(relatório com análise dos dados do IRPF 2021 e 2022). Esse texto, que, ao
contrário dos anteriores, não foi assinado por nenhum técnico, tem sido
utilizado pelo governo para fazer inferências sobre as causas da concentração
de renda no país, além de associar a desigualdade regional e de gêneros à
estrutura tributária de renda atual.
Em particular, o atual governo tem dado sinais de que
seria necessário corrigir essa desigualdade identificada adotando-se imposto
sobre lucros e dividendos (inclusive para sócio/titular de microempresa ou
empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional), e ampliar os já
existentes sobre transferências patrimoniais, doações e heranças (8,1%); além
de acabar com isenções e deduções hoje permitidas. Não questiono que exista um sério problema de distribuição
de renda no país e o fato de que parte dele está associado à nossa
estrutura tributária. Entretanto, a solução para essa distorção não está na
simples elevação de impostos.
Na realidade, seria necessário um diagnóstico mais
completo e acompanhamento permanente. Números, por si só, e eventuais
correlações que possam ser levantadas não indicam necessariamente causalidade.
Isso quer dizer que as causas da péssima distribuição devem ser avaliadas com
base em ciência, como virou moda dizer no país.
Por exemplo, não é possível afirmar que a estrutura
tributária é parte da causa da desigualdade de gênero, uma vez que a escolha da
ocupação pode indicar a potencialidade da renda gerada, sendo natural que quem
corra mais risco seja recompensado por isso. E, nesse sentido, o próprio
documento do MF indica que a maioria das mulheres opta por empregos mais
seguros (como os públicos), enquanto os homens preferem ocupações de maior
risco financeiro (ex.: empresários).
Também não dá para se fazer inferências sobre
desigualdades regionais, sem entender suas reais causas. Devemos lembrar que os
fundos regionais, pelo lado dos gastos públicos, e as isenções localizadas,
como aquelas associadas à Zona Franca de Manaus, não foram capazes de melhorar
a situação de distribuição regional ao longo do tempo.
Aliás, também chama a atenção no documento do MF o fato de
que o Distrito Federal, com grande concentração de servidores públicos, e que
tem uma das menores participações na composição dos setores industrial,
agrícola e de serviço no país, apresentar a renda média mais elevada de todos
os entes federativos.
No fundo, a nossa péssima distribuição de renda também tem
como base a própria estrutura regressiva e ineficiente dos gastos
públicos. Estudo recente ( Eficiência dos gastos governamentais na América Latina )
indica que o Brasil tem o gasto público mais ineficiente dos países analisados
e que o Estado brasileiro poderia fazer muito mais com o mesmo nível de
recursos arrecadados.
E, por certo, essa ineficiência se reflete sobre
indicadores de saúde, educação, segurança e saneamento e, consequentemente,
sobre a capacidade de sua população em gerar renda.
Se tomando um benchmark internacional, países como
Portugal e Espanha, que têm cargas tributárias muito próxima da brasileira (em
torno de 35%) conseguem apresentar um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
muito superior ao nosso. Sem falar que países como EUA, Coreia do Sul, Turquia
e o próprio Chile, com uma Carga tributária bem menor, entregam IDHs muito mais
elevados.
Há que se entender também que redistribuir renda não é o
mesmo que redistribuir pobreza. E aqui entra outro problema. A renda per
capita do brasileiro é baixa quando comparada à de outros países. Dados da OCDE indicam que a média da renda líquida ajustada
disponível por família per capitados países-membros é de US$ 30.490,00 por ano
e esse indicador, para o caso brasileiro, é de algo próximo a US$ 8.000,00.
Assim, qualquer proposta de simples elevação da carga tributária além de não
resolver nosso problema, só reduzirá nossa capacidade de gerar renda.
No fundo, há limites para se elevar a arrecadação por meio
de aumentos de alíquotas tributárias. Isso porque, a partir de um certo ponto,
elevações marginais (adicionais) tendem a gerar desincentivos a investimentos e
estimular a elisão e a evasão fiscal. E isso está documentado na literatura
econômica pelo que se conhece como Curva de Laffer, inclusive em vários
trabalhos empíricos, que indicam que o limite superior, a depender do imposto
que estamos tratando, pode estar entre 26 e 33%. E caso brasileiro é
emblemático.
Em particular, em estudo de 2010, "Os efeitos macroeconômicos das mudanças fiscais: estimativas
baseadas em uma nova medida de choques fiscais", Christina
David Romer, encontram fortes evidências de que elevações exógenas de impostos
(como, por exemplo, para corrigir déficits, obsessão atual do Ministro Haddad)
têm forte impacto sobre a produção e que um aumento de um por cento nas
alíquotas podem reduzir o PIB real em cerca de três por cento.
Em última instância, propostas de mudanças parciais no
ambiente tributário, com único objetivo de elevar a arrecadação fiscal, e que,
inclusive, não observem as externalidades negativas geradas, tendem a piorar o
ambiente econômico e criar menos incentivos a investimentos produtivos no país,
como claro efeito negativo sobre o crescimento econômico.
Temos, sim, que discutir nosso modelo tributário, por
questões de eficiência e de justiça social. E pensarmos em uma reforma que
abranja o imposto sobre a renda, e não só ficarmos na alteração incompleta e
deficiente do imposto sobre o consumo que fizemos.
Mas muito mais importante do que isso, é nos preocuparmos
em corrigir o déficit público pelo lado da despesa e elevarmos a
eficiência do gasto realizado pelo Estado, que hoje é o maior foco de
distribuição regressiva de renda vigente no Brasil.
“Texto publicado originalmente no portal IG em 27/2/2024.”
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