terça-feira, 29 de agosto de 2023

O NOVO ARCABOUÇO ESTÁ LONGE DE RESOLVER OS NOSSOS PROBLEMAS FISCAIS

Nova regra define metas e prevê zerar o déficit da União já no próximo ano

Na última semana, foi aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 93/2023, conhecido como “Novo Arcabouço Fiscal”, que veio em substituição à regra do “Teto dos Gastos” vigente até então. Segundo o atual governo, a ideia da alteração da regra foi criar uma forma sustentável de preservar as finanças públicas no país, sem a rigidez que supostamente estaria sendo imposta pela regra anterior.

Para entender melhor o que está em jogo, devemos lembrar que o Teto dos Gastos foi instituído em 2017 como uma forma de se evitar que o governo federal mantivesse um ritmo de crescimento das despesas acima de suas receitas, tornando insustentável a trajetória da dívida pública.

O objetivo era dar uma garantia de que o país não entraria em insolvência, retomando, assim, a confiança e o crescimento econômico. Na época, foram fixados, por 20 anos, limites individualizados para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que seriam corrigidos anualmente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Mas, já naquela época, algumas despesas ficaram fora do teto, entre elas, as transferências de recursos da União para estados e municípios, gastos para realização de eleições, despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes e verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissionais da Educação Básica (Fundeb).

A regra do Teto dos Gastos tinha a vantagem de ser de simples compreensão e acompanhamento, além de estimular uma discussão mais franca sobre o nível de gastos públicos que a sociedade estava disposta a financiar e, principalmente, como os recursos arrecadados seriam distribuídos. Entretanto, com a pandemia e as constantes brechas abertas pelo Congresso durante o governo Bolsonaro, ficou claro que os nossos políticos não estavam satisfeitos com os limites legais impostos por eles mesmos.

Assim, aos poucos, a partir de 2019, o Teto dos Gastos foi sendo gradativamente relaxado e desmoralizado por uma série de medidas, como a PEC 102/19 (que passou a dividir com estados e municípios o resultado de leilões do pré-sal), a PEC 186/19 (Auxílio Emergencial), a PEC 1/22 (Auxílio Brasil), a PEC 23/21 (Precatórios) e a PEC 32/22 (Transição).

A partir daí criou-se um entendimento equivocado de que a regra vigente impunha um limite insustentável, que impedia a realização de políticas públicas. E, pegando carona nesse discurso, o novo governo resolveu propor a regra do Arcabouço Fiscal.

Esta nova regra define metas e prevê zerar o déficit da União já no próximo ano e, a partir daí, passará a definir metas de superávits primários (resultado das contas públicas excluindo os juros pagos) como proporção do PIB para os anos subsequentes, permitindo variações de 0,25% para baixo ou para cima. Entretanto, a PEC da Transição sozinha ampliou o teto de gastos deste ano em R$ 169 bilhões e hoje as projeções de déficit primário para 2023 estão em torno de 1%. Dado esse cenário, é pouquíssimo crível que o governo consiga “zerar” o déficit no próximo ano e nos subsequentes, a não ser à custa de uma elevação brutal de tributos.

Mas, para além desse aspecto, a nova regra apresenta problemas adicionais. O primeiro deles é que atrela a elevação de gastos públicos ao aumento de receitas (do ano anterior). O grande problema é que uma parte das receitas tende a ser incerta e até mesmo temporária, enquanto a maioria das despesas públicas, quando incorridas, passam a ser permanentes.

Ou seja, mesmo definindo um percentual de acréscimo de despesas públicas limitado a uma banda que varia entre 50% ou 70% do crescimento da receita, e um teto superior para o aumento dessas despesas (conforme o texto do Arcabouço Fiscal), o que observamos é que, na melhor das hipóteses e sendo bem otimista, a estabilização da dívida pública só ocorrerá em um futuro bem distante.

E isso sem mencionar a lista de gastos que ficaram fora da nova regra, das quais são apenas alguns exemplos os derivados da obrigação de dar aumento real do salário mínimo, das despesas excepcionais e imprevisíveis (créditos extraordinários), dos recursos do Fundeb e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).

O caso dos investimentos públicos é bastante emblemático, na medida em que o seu total deva ser sempre igual ou maior do que o ano anterior, em termos reais, além de contar com a possibilidade de ser levado a um novo patamar superior toda vez que o governo superar a meta de superávit primário.

Por outro lado, é fato que existem punições para o governo de plantão pelo descumprimento das metas, mas que são muito similares àquelas já previstas no texto do Teto dos Gastos. Mas vale lembrar que os gestores não poderão ser punidos pelo não cumprimento das metas estabelecidas pelo Novo Arcabouço caso tenham respeitado as medidas de contingenciamento e acionado aquelas automáticas de controle.

Nesse sentido, o novo texto gera pouco incentivo para que os gestores se limitem ao quanto está no texto da lei, sem a preocupação de buscar medidas adicionais que possam reduzir gastos públicos de maneira eficiente e permanente.

No final do dia, o que fizemos foi trocar um marco fiscal que gerava incentivo para a discussão sobre alocação eficiente dos gastos públicos e corte de despesas improdutivas por outro que, “na melhor das hipóteses”, cria incentivos para se buscar novas fontes de receitas para o governo, principalmente aquelas derivadas de arrecadação tributária.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 29/8/2023.”

terça-feira, 22 de agosto de 2023

CULPAR 'PARCELADO SEM JUROS' POR ALTA NO ROTATIVO É ATO SEM SENTIDO

Aumento da base de cartões de crédito e perda do poder de compra em razão da crise econômica não podem ser ignorados

Está em discussão no Congresso o Projeto de Lei 2685/22 , que institui o ReFamília (Programa Nacional de Renegociação das Dívidas das Famílias) e, dentre outras coisas, prevê limites para a cobrança de juros pelos cartões de crédito quando o cliente entrar no crédito rotativo

Esta, por si só, já não é uma discussão trivial e mereceria um debate mais amplo sobre as reais causas dos juros tão elevados no país. O problema é que, com o ambiente bélico que se formou em Brasília, o atual presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Frebraban), Isaac Sidney, preferiu aproveitar o momento para trazer à baila algo que tem incomodado as grandes instituições financeiras , mas que nada tem a ver com o que está em discussão no Congresso.

Segundo ele, a causa dos juros elevados no “crédito rotativo” estaria relacionada ao que se conhece na linguagem do mercado como “parcelado sem juros”. Para compreender melhor a questão, precisamos entender inicialmente a diferença entre essas duas modalidades.

O “crédito rotativo” é uma modalidade de crédito oferecida aos portadores de cartão de crédito quando eles não fazem o pagamento total da fatura do cartão na data do seu vencimento. A diferença entre o valor total e o que foi efetivamente pago até o vencimento se transforma automaticamente em um empréstimo, sobre o qual são aplicados juros.

Hoje, o crédito rotativo pode ser usado apenas por 30 dias. Depois disso, o valor deve ser pago integralmente ou o devedor deve buscar outro tipo de empréstimo para quitar a fatura. Dados recentes do Banco Central (BACEN) mostram que a taxa de juros associada ao crédito rotativo estava na casa dos 15,05% ao mês em junho. E é aqui que está a preocupação do Congresso.

Já o “parcelado sem juros” nada mais é do que uma opção que os lojistas dão aos seus consumidores de efetuar as compras de maneira parcelada no cartão de crédito. Neste caso, o lojista difere, ao longo do tempo, o valor que teria a receber por determinado produto e, para não ficar sem liquidez (dinheiro em caixa), acaba por antecipar esse recebimento, por exemplo, junto às empresas adquirentes (as conhecidas maquininhas).

De maneira simplificada, é como se o lojista antecipasse seu recebimento mediante a transferência do direito de receber dos bancos emissores do cartão de crédito os valores futuros, fruto de suas vendas, para as empresas adquirentes (de maquininha), pagando uma “taxa de desconto sobre esses valores”. E essa taxa, em junho, estava em 1,45% ao mês, também segundo dados do BACEN.

Note-se que, neste processo, é como se o comerciante negociasse os juros em nome do consumidor, obtendo uma taxa menor do que o consumidor conseguiria junto aos bancos emissores dos cartões de crédito no crédito rotativo, por exemplo. Mais do que isso, essa linha de crédito denominada de antecipação é a mais barata e democrática para os lojistas, quando comparada com outras linhas, como a de capital de giro, cheque especial e o próprio uso do cartão de crédito. E talvez seja isto que esteja incomodando tanto os grandes bancos: a concorrência.

Mas vamos aos pontos levantados pelo presidente da Febraban. Segundo ele, o parcelado sem juros tem elevado o risco e a inadimplência no setor e cita um suposto estudo da Febraban (aparentemente não disponível), que sugere: (i) que a inadimplência de compras a prazo é maior do que à vista; e (ii) que o público de baixa renda é quem mais tem dificuldade para manter as contas em dia.

Com relação ao argumento da elevação do risco, a modalidade “parcelado sem juros” apenas se limita a usar o crédito já concedido pelas instituições financeiras aos portadores de cartões. E esse limite é previamente avaliado e precificado por essas instituições, considerando o risco de inadimplemento de cada cliente.

Já a forma como esse cliente utilizará o limite disponibilizado (seja com qual produto ou a qual prazo) não sofre nenhuma imposição por parte dos bancos, mesmo porque, parcelando ou não, o limite total já está previamente definido. Nesse sentido, a modalidade “parcelado sem juros” não amplia o crédito e não altera as regras definidas pelos bancos para o uso do cartão e, portanto, não agrega nada em termos de risco de inadimplemento.

Seria interessante que o suposto estudo da Febraban fosse colocado a público para debate de maneira aberta e transparente, para que toda a sociedade tivesse mais informações do quanto sugerido, inclusive para que fosse escrutinado por um corpo técnico capaz de avaliar se existe, de fato, alguma causalidade nas relações sugeridas pelo presidente daquela instituição.

Note-se que não estou desconsiderando, a priori, que o prazo de financiamento das vendas impacta diretamente o custo de capital e o risco de crédito. Mas, como já destaquei, isso faz parte da avaliação do risco realizada pelos bancos e previamente precificada por cliente. Aliás, vale lembrar, por exemplo, que a tarifa de intercâmbio recebida pelos bancos dos comerciantes é mais elevada quando a compra é realizada a prazo, já indicando a preocupação com o diferimento do pagamento.

Também não ignoro que a inadimplência é um dos fatores que contribui para a elevação das taxas de juros no país. Entretanto, já vi estudo indicando que o inverso também é verdadeiro, ou seja, o inadimplemento cresce com a elevação da taxa de juros. De toda forma, não há nada que autorize atribuir esse aumento do inadimplemento à existência da modalidade “parcelado sem juros”.

Ao contrário, os dados a que tive acesso até hoje não indicaram que compras parceladas geram mais inadimplemento do que à vista. Mais do que isso, o que temos de novidades é uma crise econômica persistente, que reduziu a renda real de parte da população, e um crescimento substancial da quantidade de cartões de crédito ativos nos últimos anos.

Segundo dados do Bacen, a quantidade de cartões ativos aumentou de 99 milhões em dezembro de 2018 para 209 milhões em dezembro de 2022 (coincidência ou não, a inadimplência neste mesmo período subiu de 37,95% para 45,08%, chegando a 53,42% em maio de 2023). 

Olhando essas variáveis, talvez seja o caso de perguntarmos se não foi a combinação da crise econômica com uma base de cartões de crédito bem mais alta que gerou o nível de inadimplemento nessa modalidade e, por consequência, o patamar da taxa de juros no rotativo hoje vigente.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 22/8/2023.”

terça-feira, 15 de agosto de 2023

POR QUE O NOVO PAC CORRE O RISCO DE SER MAIS UMA CARTA DE INTENÇÕES

Programa não define modelo de governança a ser adotado para conseguir objetivos

Na última semana, o governo federal apresentou o que deve ser um novo programa de investimentos denominado “Novo PAC” (Novo Programa de Aceleração do Crescimentos. Ao todo, estão previstos R$ 1,7 trilhões de investimentos, cabendo, deste valor, R$ 612 bilhões ao setor privado.

Há que se reconhecer inicialmente que, ao contrário dos planos de investimentos anteriores do PT, a escolha, desta vez, baseada em eixos e não em setores da economia, tem algum sentido lógico e gera o que os economistas chamam de externalidade positiva para toda a sociedade.

Por exemplo, investimentos em infraestrutura e transporte elevam o nível de produtividade e reduzem custos. Em linha similar, investimentos em saúde e educação melhoram a qualidade de vida do cidadão, aumentam a produtividade do trabalhador e reduzem custos para o Estado. Mas as boas notícias ficam por aí. Em realidade, o Novo PAC se mostra muito mais como mais uma “carta de intenções megalomaníaca”, em um momento de finanças públicas totalmente desajustadas e sem qualquer sinal de qual será o modelo de governança a ser adotado para que os objetivos delineados sejam obtidos. 

Há que se entender, em primeiro lugar, que, muito mais importante do que os instrumentos estatais de intervenções escolhidos, a maneira como a governança da política pública é construída define muito do seu sucesso. Nesse sentido, usar a estratégia de “dar a cenoura com o porrete na mão” é fundamental neste processo. 

Em outras palavras, é necessário definir incentivos que não sejam permanentes, escolhidos com critérios claros e de maneira transparente. Ademais, é necessária uma supervisão constante de gestores bem-preparados e da própria sociedade e com espaço para revisão, caso os objetivos pré-definidos não sejam alcançados. No limite, a ausência de resultados deve ser entendida como um sinal para extinguir a política escolhida. E, ao menos até o momento, nada disso está claro no Novo PAC. 

Em segundo, com o Novo PAC, o governo prevê investimentos públicos da ordem de R$ 1 trilhão, entre aqueles originários do orçamento federal, de empréstimos e de estatais. E este é mais um dos principais problemas, na medida em que fica cada dia mais claro que o ajuste das contas públicas será deixado de lado ou só ocorrerá mediante elevação substancial da carga tributária.

É aí que mora o perigo para o crescimento econômico. Deixar de lado o controle das contas pública implicará a elevação dos juros no futuro, inibindo o investimento privado que se quer estimular, dentro de um fenômeno conhecido em economia como efeito “crowding out”. De maneira similar, aumentar ainda mais a já elevada carga tributária para abrir espaço para investimentos públicos também reduzirá o nível de atividade econômica. 

E isso nos leva a um terceiro aspecto. Como contar com R$ 600 bilhões do setor privado se os sinais fornecidos pelo Estado são os piores possíveis? E não me refiro apenas às contas públicas. Se refletirmos um pouco, boa parte dos investimentos privados esperados estão relacionados à área de infraestrutura, cujos setores, em geral, são regulados e contam também com a atuação de empresas públicas. 

Nesse sentido, parecem, no mínimo, contraditórias as falas do próprio presidente da república, que caminham no sentido de reestatizações de determinadas empresas ou sugerem a intervenção no sistema de preços de mercado por meio de estatais. 

E isso sem falar da falta de comprometimento de nossos políticos com a boa governança regulatória, a tentativa constante de mudança da Lei das Estatais para indicar apadrinhados em cargos-chave ou as constantes alterações das regras do jogo no meio da partida, como, por exemplo, a proposta de revisão do marco do saneamento encaminhada ao Congresso via Medida Provisória.

Fato é que o Novo PAC, além de não mostrar prioridades e uma governança bem definida, contrapõe-se ao discurso do Ministério da Fazenda de desenhar um arcabouço fiscal crível de controle das contas públicas, sem elevação da carga tributária. 

E, novamente, a questão aqui não é desmerecer os objetivos delineados neste novo plano, mas sim a forma a ser utilizada para alcançá-los. E, para tanto, melhor seria que o governo caminhasse, no mínimo, em três vertentes.

A primeira envolve revisar sua estrutura e qualidade de gastos públicos, definindo prioridades e liberando recursos para retomar seus investimentos para eixos fundamentais, como saúde e educação. Como o próprio presidente Lula afirma, não há contradição entre investimento público e controle fiscal. Basta haver um processo prévio de escolha de onde alocar o recurso arrecadado. 

A segunda, concentrar seus esforços em realizar uma reforma tributária consistente e controlar a trajetória das contas públicas de maneira crível. Só isso já provocaria uma queda do “Risco Brasil” e permitiria baixar substancialmente os juros de maneira consistente, reduzindo o custo do capital e induzindo investimentos.

A terceira, mas não menos importante, garantir as regras do jogo e dar segurança jurídica aos negócios pactuados. E, neste capítulo, é fundamental blindar as agências reguladoras e empresas estatais do controle político. A grande questão, entretanto, é saber se é isso mesmo que o atual governo deseja.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 15/8/2023.”

terça-feira, 8 de agosto de 2023

A NA SELIC É SUFICIENTE PARA A VOLTA SUSTENTÁVEL DO CRESCIMENTO?

Formas de o Estado atuar podem influenciar positiva ou negativamente as expectativas futuras e efetivamente o rumo da economia no país

Início minha coluna no iG  fazendo um convite à reflexão sobre quais expectativas deveríamos formar sobre o futuro do país com base na redução da taxa básica de juros (Selic) em 0,5 pontos percentuais . Meu foco aqui não é entender os efeitos de curto prazo deste processo, mas, sim, questionar se isso será condição suficiente para que voltemos a crescer de maneira consistente.

Devemos lembrar que a política monetária é somente um dos alicerces que sustentam a ação do Estado sobre o domínio econômico e tem por função precípua auxiliar no controle da inflação, algo que o Banco Central do Brasil tem feito muito bem (e melhor do que a grande maioria dos outros bancos centrais pelo mundo) nos últimos anos, em que pese as pressões de toda ordem que sofreu.

A questão, entretanto, é que existem outras formas de o Estado atuar que podem influenciar positiva ou negativamente as expectativas futuras e efetivamente o rumo da economia no país. E uma das principais delas diz respeito à questão fiscal e ao gasto público, um dos maiores problemas enfrentados pelo país e que até o momento não foi equacionado.

Em que pese termos no Congresso hoje uma proposta de controle das contas públicas para substituir a “Regra do Teto dos Gastos” até então vigente, o que está em debate é algo que já assume elevações de despesas futuras contratadas, com base em crescimento de receitas esperadas incertas e com um piso para gastos públicos com investimentos, mesmo quando a economia não andar bem.

Na verdade, essa proposta, que ainda pode passar por alterações no Congresso, é mais uma construção mais política do que técnica e certamente exigirá aumento de arrecadação tributária no futuro para fazer frente às necessidades de financiamento do setor público.

E, neste mesmo capítulo, temos ainda no Congresso a discussão sobre a sugerida “Reforma Tributária” que, até o momento, mostrou-se apenas como uma unificação de impostos sobre venda e bens e serviços e cuja pressão de lobbies de determinados grupos da sociedade exigirá uma elevação substancial de alíquotas e que terá forte impacto, principalmente, sobre aqueles que não terão crédito tributário a compensar.

Mais recentemente, iniciou-se uma discussão sobre uma possível Reforma Administrativa, algo de suma importância para a melhoria da eficiência do setor público e que, certamente, terá impacto sobre a produtividade do setor privado. Esta é, de longe, uma questão não trivial e deve ser tratada de forma técnica, distante de interesses corporativos e, mesmo, ideológicos.

Essas discussões têm impacto direto sobre as expectativas dos empresários, responsáveis por realizar investimentos de longo prazo, motor do crescimento econômico e da ampliação do nível de emprego na sociedade. Esses agentes (os empresários) estão acostumados a tomar riscos e estão dispostos a fazê-lo, desde que consigam quantificá-los e precificá-los adequadamente.

O problema maior, entretanto, é que quando caímos em um ambiente de incerteza (sem qualquer ideia do que virá pela frente), torna-se impossível qualquer previsão minimamente confiável. Nessas situações, os empresários preferem “brincar de estátua” e não investem, postergando decisões estratégicas. E é bem possível que seja essa a maior preocupação da equipe econômica atual.

De fato, essa agenda de crescimento econômico virtuoso e contínuo é muito mais longa e certamente passa pela capacidade de o Estado criar expectativas favoráveis para os agentes econômicos. Por exemplo, garantir um ambiente de negócio justo e estável, respeitando contratos e regras pré-definidas (sejam elas regulatórias, legais, etc.), também faz parte dessa equação, minimizando riscos e reduzindo o custo para o empresário e para a sociedade.

E isso sem falar nas funções clássicas que o Estado tem, que envolvem investimento em educação, saúde e segurança pública, e cujo resultado se reflete não apenas no bem-estar dos cidadãos, mas, também, sobre a própria produtividade dos trabalhadores em geral (tornando-se mais um fator de atratividade de investimento privado).

A verdade é que a agenda econômica que devemos enfrentar é muito maior do que a simples discussão sobre a taxa de juros vigente, mesmo porque ela é muito mais consequência do que causa.

Mais que isso, os pontos aqui levantados devem ir muito além de disputas políticas partidárias e ideológicas e, se não forem adequadamente endereçados nos próximos anos, consolidar-nos-ão como o eterno país do “voo de galinha” sugerido pelo economista Edmar Bacha na década de 70 como Belíndia (país com impostos de primeiro mundo e com a realidade social de terceiro).

“Texto publicado originalmente no portal IG em 8/8/2023.”