quinta-feira, 23 de junho de 2022

ESTRATÉGIA DE BOLSONARO PARA ATACAR A PETROBRAS É COVARDE E BURRA

 

Aparentemente a temporada de ataque à Petrobras retornou com mais força do final da última semana para cá, quando a empresa elevou os preços para seguir a política de paridade de preços com o mercado internacional, que, diga-se de passagem, é a decisão correta. Já expliquei as razões em texto anterior nesta coluna.

E neste momento, quem deu o pontapé inicial para as agressões foi o próprio presidente Jair Bolsonaro, adotando uma estratégia covarde e burra. Covarde porque ele, como mandatário maior da nação, é quem indica o presidente da empresa e parte do Conselho.

Assim, indicar alguém para depois queimá-lo em praça pública, como virou a regra, mesmo sabendo que o próprio modelo de governança limita a atuação do presidente da Petrobras, não parece algo que se coadune com o que se exige do cargo de um Presidente da República.

Mas pior ainda foi a ideia do próprio Bolsonaro de levantar a possibilidade de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os preços dos combustíveis. Em Brasília, há uma máxima de que “todos sempre sabem como começa uma CPI, mas nunca como ela termina”.

E para quem pretende se reeleger, a ideia de levar uma CPI à frente para investigar uma empresa no próprio governo não parece muito inteligente. Ao contrário, sua abertura é música para muitos congressistas fisiológicos e populistas, que veem a possibilidade de aparecer na mídia, ou, no caso da oposição, enxergam uma forma de desgastar o governo de plantão.

E no quesito populismo truculento, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) foi mais uma vez “hors-concours”, começando por um texto publicado na Folha de São Paulo intitulado “Chegou a hora de tirar a máscara da Petrobras”.

Esse artigo, carregado de improperes e impropriedades técnicas, só reforça o argumento de que as empresas públicas têm que se manter longe e blindadas dos braços dos nossos políticos ou, melhor ainda, serem privatizadas de vez.

Mas pior ainda foi seu comportamento agressivo em entrevistas e nas redes sociais, com o discurso de desmontar a Lei das Estatais, que tem sido uma das garantias de que não haja interferência política na Petrobras e controle de preços dos combustíveis, e de levar à frente a abertura da CPI propalada por Bolsonaro, para investigar politicamente uma questão eminentemente técnica.

O problema é que o instrumento democrático e legítimo da CPI há muito virou no Brasil mais uma forma de criar palanque político ou de chantagear covardemente funcionários públicos técnicos e sérios, para que se submetam aos desmandos políticos de toda ordem, que quase sempre representam interesses particulares bastante questionáveis.

Não bastasse esse ambiente político, o Ministro André Mendonça do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou recentemente que a Petrobras informe, no prazo de cinco dias, quais os critérios adotados para a política de preços estabelecida nos últimos 60 meses pela empresa; como se definição de preços por parte de qualquer empresa envolvesse alguma questão constitucional.

É de conhecimento público que nosso Supremo tem inovado em suas decisões e caminhado para uma linha um tanto quanto “heterodoxa”. Mas se for pelo rumo de definir o que seria uma política de preços justa ou razoável, estaremos sinalizando para empresas e investidores que o Brasil definitivamente não é um país confiável e as que as regras de mercado não valem por aqui.

Para completar o cenário desalentador, Lula, o candidato que está na frente nas pesquisas eleitorais, tem falado abertamente que Bolsonaro deveria baixar os preços dos combustíveis e que fará isso “quando voltar a ser presidente”, além de promover a reestatização completa da Petrobras.

Talvez o nobre ex-presidente se esqueça que, para além dos efeitos da Lava-Jato e das decisões descabidas de investimentos (inclusive em refinaria para agradar seu então colega presidente da Venezuela, Hugo Chaves), o que levou a empresa para o buraco no passado foi exatamente a política de controle de preços dos combustíveis da então presidente também petista Dilma Rousseff.  

Mas, pelo andar da carruagem, Lula não precisará fazer absolutamente nada caso vença as eleições e assuma a presidência em janeiro, posto que o circo político de horrores de Brasília já terá feito todo o trabalho de destruir a governança da empresa e submetê-la aos desmandos discricionários do governante de plantão.

O grande problema do caminho político que estamos trilhando no mercado de combustíveis é que todos nós pagaremos caro no futuro, com menos investimentos e pouca competição, o que implicará preços mais elevados e até mesmo escassez do produto. E para quem não acredita, basta ver o que tem ocorrido na Venezuela e na própria Argentina.

Infelizmente este assunto é de difícil entendimento para a maioria dos “mortais”, o que faz com que o populismo e o fisiologismo de políticos como os aqui citados ganhem força. Em realidade, é muito mais fácil acreditar que basta controlar preços que todos os problemas de carestia se resolverão, em uma estratégia típica de autoengano.

E neste contexto, o incentivo para os nossos políticos é o de manter esse discurso fácil, mas mentiroso, uma vez que é ele que garante voto e a perpetuação desses mesmos indivíduos no poder. Sem que o eleitor se torne mais crítico e resolva expurgar essa turma da vida pública, há pouca esperança de que o país melhore de maneira consistente.

“Texto publicado originalmente no UOL em 23/6/2022.”


quinta-feira, 16 de junho de 2022

DECISÃO DO STJ ESTÁ ULTRAPASSADA; LISTA DA ANS É QUE DEVERIA MELHORAR

 

Em coautoria com Cláudio Galvão de Castro Junior, médico hematologista com área de atuação em transplante de medula óssea.

Na última semana, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) finalmente decidiu se o rol de procedimentos descritos nos planos de saúde seria exemplificativo ou taxativo. De maneira geral, o que se percebeu foi uma tentativa do Tribunal de conciliar a necessidade de se preservar a vida das pessoas com a saúde financeira das operadoras de planos de saúde. Mas nos parece que essa discussão é só a base do problema.

É fato que os avanços constantes da medicina têm trazido benefícios incontestáveis para a saúde de todos nós. Há intervenções, como as vacinas, com baixíssimo custo por habitante e que geram benefícios gigantes. Mas há também tratamentos oncológicos e para doenças raras que salvam milhares de vidas, mas que são muito mais caros.

Conhecer quais são os tratamentos que oferecem o benefício desejado e dentro de um valor aceitável é uma discussão presente em todo o mundo. Um bom exemplo de sistema de saúde pública é o National Health Service (NHS) ou Serviço Nacional de Saúde britânico. Esse sistema possui um Instituto chamado NICE (The National Institute for Health and Care Excellence), numa tradução livre, Agência Nacional para Saúde e Cuidados de Excelência.

O NICE faz avaliações recomendando o que deve ou não ser incorporado ao sistema de saúde, considerando variáveis como custo, gravidade e frequência da doença, além de possíveis tratamentos alternativos. Essas avaliações impactam diretamente na assistência prestada pelo NHS. Tal é a credibilidade do NICE que muitas indústrias farmacêuticas comemoram a aprovação dos seus produtos por esse Instituto.

No Brasil, a Agência Nacional de Saúde (ANS) foi criada com a finalidade institucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. Ela regula as operadoras setoriais, inclusive na sua relação com os consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.

Assim, há todo o sentido que a ANS estabeleça um Rol de procedimentos que devem ser oferecidos aos usuários dos planos de saúde. Garantir que esses procedimentos sejam custo-efetivos, levando à melhor assistência possível aos usuários e garantindo a solvência das operadoras, é algo de interesse público.

Tratamentos inadequados prejudicam os consumidores e as próprias operadoras, pois podem custar caro demais, ter desfechos clínicos inadequados, ou ambos. Infelizmente, o que se percebe é que o Rol de procedimentos da ANS (iniciativa louvável e necessária) tem apresentado diversos problemas desde sua criação.

O primeiro deles é a morosidade na inclusão de novos procedimentos pois, por regras arbitrárias, este rol só pode ser alterado com intervalos de tempo que chegavam a dois anos. Também há regras estranhas, que envolvem a incorporação automática de drogas endovenosas, mas que exigem a incorporação em separado de drogas por via oral.

Dada a velocidade dos avanços, muitas vezes um tratamento melhor e até mais barato é recusado pela operadora, por não constar do Rol vigente; e isso causa atrasos, judicializações, inevitável aumento de custo e piora dos resultados dos pacientes.

A ANS e as operadoras se defendem dizendo que o Rol será aperfeiçoado, porém, essa é uma conversa que se ouve há anos, sem que haja uma melhoria perceptível. Infelizmente, as sociedades médicas de especialidades só são chamadas a opinar depois que os relatórios que ensejam o novo Rol definido ficam prontos.

Diferente do NICE, os pareceres da ANS muitas vezes não são escritos por especialistas na área e reverter o seu conteúdo em uma audiência pública torna-se uma tarefa árdua, gerando posteriormente todo tipo de problema. Exames diagnósticos, por exemplo, são problemáticos, particularmente em se tratando daqueles pouco solicitados, mas que nem por isso são caros.

Este também é o caso de dosagem de nível sérico de bussulfano e voriconazol, usados em pacientes transplantados, que acabam por não serem pagos. As operadoras e a ANS alegam que basta pedir a incorporação, porém, o processo é árduo, consome tempo e verbas.

No fundo, a discussão sobre o Rol ser taxativo ou não é algo ultrapassado. Há muito tempo deveríamos estar discutindo como melhorá-lo, por meio do aperfeiçoamento dos processos de análises, incorporações e exclusões de procedimentos.

Ao simplesmente assumirmos que o Rol vigente vai regular o que pode ou não ser fornecido aos usuários de planos de saúde, sem considerar que ele deveria ser entendido como um processo dinâmico a ser aperfeiçoado, estaremos mantendo uma sobrecarga maior de judicialização, com tratamentos inadequados e de aumento de custos.

A discussão precisa ser muito mais profunda. Por um lado, revogar todo e qualquer Rol, obrigando as operadoras a cobrirem tudo, implicará um aumento de custos insano, inviabilizando, no limite, a saúde suplementar. Por outro, deixar as pessoas completamente desassistidas também não é aceitável.

É preciso ter um olhar correto, construindo um Rol técnico, coerente, ético e custo-efetivo, muito distante do que temos hoje. Ao se persistir a discussão nos moldes atuais, o prejuízo será de todos; operadoras, usuários e do próprio SUS, que terá que abarcar mais milhões de pessoas excluídas da saúde suplementar.

“Texto publicado originalmente no UOL em 16/6/2022.”


quinta-feira, 2 de junho de 2022

INVESTIGAÇÃO DA MASTERCARD A PEDIDO DA ABRAS PODE PREJUDICAR CONSUMIDOR

 

No último dia 19 de maio, o Ministério da Justiça (MJ) divulgou que investigaria a Mastercard por aumento abusivo de taxa na venda com cartões. Essa decisão foi tomada a partir de denúncia apresentada pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).

Como justificativa, a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor (Senacon) do MJ alega que pode ter havido uma possível elevação da taxa de intercâmbio cobrada sobre o uso de cartões de crédito e débito utilizados para recebimentos nos supermercados, com impacto sobre os preços praticados ao consumidor, inclusive com efeito inflacionário.

Ademais, a Senacon sugere que, apesar de ter alegado a necessidade de reajuste das taxas, a Mastercard não teria apresentado planilha de custos que sustentasse o eventual reposicionamento de preços.

Tenho sido muito cético sobre medidas que envolvam qualquer intervenção em preços nesse mercado porque entendo que esse não é o instrumento correto para torná-lo mais eficiente e gerar efeitos positivos para os consumidores e para a sociedade como um todo. E no caso em questão, acho qualquer intervenção menos produtiva ainda.

Em primeiro lugar, porque esse mercado (de meios de pagamento) já é regulado pelo Banco Central (Bacen) e foco de vários casos sendo analisados no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em realidade, qualquer efeito percebido pelo consumidor depende muito mais da atuação correta nessas duas esferas do que propriamente na área da Defesa do Consumidor.

Em segundo, porque estamos tratando de um mercado com características de dois lados, no qual os participantes são empresas que facilitam a interação entre diferentes agentes econômicos e constroem seu processo de maximização de lucro, definindo preços conjuntamente para os dois lados do mercado. E nesses casos, a intervenção estatal pode, muitas vezes, ser desastrosa e gerar efeitos contrários aos pretendidos. 

No caso específico do mercado de cartões, as administradoras (bandeiras, como Mastercard e Visa) facilitam transações financeiras entre portadores de cartões (consumidores) e estabelecimentos comerciais, definindo taxas (fees) a serem pagas por bancos emissores e empresas credenciadoras e a tarifa de intercâmbio (TIC), que é cobrada pelos bancos emissores.

É apenas sobre essa última (TIC) que estranhamente a ABRAS se insurge. De toda forma, devemos lembrar que os bancos emissores também definem anuidades e juros para os portadores de cartões. E sendo assim, em tese, a perda de receita derivada da redução artificial da TIC poderá ser compensada por elevações dos juros e anuidades pagas pelo portador do cartão, que, coincidentemente, é o consumidor que o MJ pretende proteger.

Teríamos, portanto, um efeito denominado de “colchão d´água”, posto que a pressão feita para baixar preços em um lado do mercado (sobre a tarifa de intercâmbio) faria com que os bancos elevassem os preços do outro lado (anuidades e juros). E o pior é que, com isso, poderia haver ainda queda do uso de cartões, reduzindo a quantidade de transações a crédito na economia.

Há que se perceber também que mesmo uma elevação de custo associada a um eventual aumento da TIC, como a alardeada pela Abras, não implica repasse automático para os preços finais. Em realidade, o efeito final depende da avaliação conjunta da capacidade de reação dos consumidores (elasticidade preço da demanda) e dos supermercados (elasticidade preço da oferta).

E o fato é que quanto mais competitivo for o mercado (e o setor supermercadista afirma que há forte competição nesse segmento), menor será o repasse para preços finais, o que torna essa discussão muito mais uma briga por obtenção de margem ao longo da cadeia de serviços do que propriamente uma questão que envolve direta ou indiretamente o consumidor.

Em verdade, o que se nota é que, se por um lado, não há nada que indique que a elevação da tarifa de intercâmbio será repassada para preços dos produtos vendidos por supermercados, por outro, a interferência sobre sua definição poderá implicar a compensação dessa receita via elevação de juros e anuidades para os consumidores portadores de cartões.

Neste contexto, levar essa discussão para a requisição de planilhas de custos no âmbito do MJ parece algo um tanto quanto sui generis, fazendo lembrar a extinta Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab), cujo objetivo era controlar preços, algo que não se coaduna com um governo que se diz liberal.

E isso se torna ainda mais verdade quando lembramos que variações de preços podem ser resultados de vários fatores relacionados ao lado da demanda e oferta de mercado, conforme apregoa o próprio “Guia Prático de Análise de Aumentos de Preços de Produtos e Serviços” do MJ, e que são de difícil análise e conclusão apenas olhando os dados de planilhas de custos.

Sem falar que algumas estratégias de precificação podem ser de difícil compreensão, mas eficientes, inclusive sob o ponto de vista do consumidor; principalmente em mercados de dois lados, cujo processo de maximização de lucro é obtido por meio da definição conjunta dos preços em ambos os lados.

Não por outra razão, os olhos das autoridades de concorrência no mundo todo, por exemplo, estão voltados para “condutas não preço”, como contratos exclusivos e venda casada de produtos, que visam limitar a concorrência ou fechar o mercado para os rivais, e que, aí sim, podem gerar efeitos indiretos sobre os consumidores, na medida em que restrinjam a concorrência em segmentos específicos.

“Texto publicado originalmente no UOL em 2/6/2022.”