terça-feira, 26 de março de 2024

DEBÊNTURES INCENTIVADAS: O QUE ESTÁ POR TRÁS DAS RESTRIÇÕES?

Debêntures incentivadas são um instrumento financeiro que permite às empresas captar recursos a um custo menor

Nos últimos dias, começou a aparecer nos principais portais econômicos do país, notícia de que o governo pretende restringir o uso das denominadas debêntures incentivadas. Do quanto pude ler, seriam dois tipos de restrições.

A primeira, seria a limitação do uso deste instrumento por setores que têm apresentado uma rentabilidade maior, particularmente o de óleo e gás. A principal justificativa estaria na necessidade de direcionar esses recursos para outros setores que teriam maior necessidade de financiamento barato, como os de energias renováveis, saneamento e linhas de transmissão de energia elétrica.

Já a segunda medida envolveria a restrição à utilização do dinheiro obtido para pagamento de outorgas. Neste caso, o objetivo seria reduzir a competição nos leilões para baixar o valor da outorga e, consequentemente, o preço das tarifas para o consumidor.

Para entender melhor o que está em discussão, devemos lembrar que as debêntures incentivadas são um instrumento financeiro que permite às empresas captar recursos a um custo menor, com objetivo de financiar projetos de infraestrutura. Em grande parte, essa vantagem está associada ao fato que os compradores desse papel (os investidores) contam com isenção ou redução de Imposto de Renda sobre os lucros obtidos.

Em última instância, esses recursos acabam por reduzir o custo do investimento (CAPEX) das empresas, fato que se reflete, por si só, em tarifas potencialmente mais baixas para o consumidor. No fundo, custo a acreditar que as informações divulgadas partiram de dentro do governo, pelo primarismo dos argumentos apresentados.

A concorrência por recursos financeiros não se dá unicamente entre setores que podem emitir debêntures para infraestrutura. Poupadores e investidores olham todas as oportunidades do mercado e escolhem aquelas que apresentarem a melhor combinação risco e retorno esperado, dadas suas preferências. E isso nos leva a duas conclusões.

A primeira é a de que tornar menos atrativo as debêntures de dado setor não implica automaticamente a migração desses investimentos para debêntures de outros setores que o governo deseja. Já a segunda conclusão é a de que, para investir em setores de maior risco, o investidor acaba exigindo retornos maiores. E essa pode ser a razão de debêntures de alguns setores gerarem uma rentabilidade maior do que a de outros. Ou seja, a diferença de rentabilidade pode ser apenas o reflexo de diferentes riscos incorridos.

Mas para além dessas questões, o mercado de capital tende a precificar o risco de empréstimo de maneira distinta, a depender do tamanho da empresa que demanda recursos. Neste contexto, empresas menores podem ter mais dificuldade para obter financiamento mais barato. E nessas condições, eliminar uma fonte mais barata de capital pode representar menor capacidade competitiva para as empresas menores, fortalecendo o poder de mercado das grandes, com reflexo sobre o preço praticado ao consumidor final. Esta é uma questão a se pensar no caso do setor de óleo e gás no Brasil.

No que tange à restrição ao uso do recurso captado com debênture incentivada em leilões, os argumentos fazem menos sentido ainda. Logo de partida, a questão posta é como diferenciar o dinheiro obtido via debêntures de outros recursos que entram no caixa da empresa? E se o primeiro for, de fato, direcionado a investimentos e os demais assim liberados para pagamento da outorga?

O cerne da questão é que associar o valor de outorga à tarifa praticada não tem o mínimo sentido. Devemos entender que a lógica de um leilão competitivo de maior valor de outorga é a de que o vencedor deve ser aquele que está disposto a pagar mais pelo direito de prestar um dado serviço; e, como externalidade positiva, o Estado acaba arrecadando mais recursos para atender às demais demandas da sociedade.

Mais do que isso, o valor de outorga mínimo, ou mesmo a outorga efetivamente paga pelo privado, não deve entrar no processo de precificação do negócio (denominado valuation). Ao contrário, ela representa o próprio valor do negócio, sendo o resultado de uma modelagem financeira que leva em conta as receitas estimadas – inclusive a tarifa prevista - e todos os custos envolvidos, inclusive o de capital. Dito de outra forma, a tarifa é parte das variáveis que definem o valor da outorga, mas o inverso não ocorre.  

Em última instância, a tarifa inicial já estará definida no processo de modelagem e a regra de reajuste dependerá do modelo regulatório definido pela agência reguladora no edital do leilão. Neste sentido, em um ambiente regulatório adequado, o valor da outorga paga pelo privado não afeta a tarifa inicial e muito menos deve justificar qualquer solicitação de reequilíbrio econômico-financeiro do negócio, seja ele ordinário ou extraordinário, que implique reajuste tarifário.

Por outro lado, alterar as regras das debêntures incentivadas implicará, sim, a elevação do custo do capital, cuja consequência será o aumento da tarifa definida inicialmente, a redução da outorga paga ou um mix das duas coisas.

Se a intenção do governo fosse realmente reduzir as tarifas, haveria outras formas, tal como a mudança para um leilão do tipo “menor tarifa” (com os problemas subjacentes que carrega) combinada com aperfeiçoamento de regras de competição dos modelos de leilões adotados atualmente.

Fato é que de todos os argumentos que apareceram na imprensa até o momento sobre eventuais restrições às emissões e à utilização de debêntures incentivadas, o único que teria algum sentido lógico é o de que, mais uma vez, o nosso  Ministro da Fazenda está passeando para todos os cantos com o pires na mão buscando arrecadar mais recursos para fazer frente às demandas de gastos do  presidente Lula e de nossos congressistas.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 23/3/2024.”

terça-feira, 19 de março de 2024

LULA ACUSA O MERCADO DE DINOSSAURO VORAZ, MAS FAZ UM GOVERNO JURÁSSICO

Mesmo quando acerta na direção, o governo Lula erra na forma de atuação

Na última semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva  mais uma vez criticou genericamente o mercado financeiro em entrevista concedida ao SBT por conta da reação ao não pagamento de dividendos extraordinários da Petrobras. Lula afirmou que o mercado é um “rinoceronte, um dinossauro voraz, que quer tudo para ele e nada para o povo”.

Interessante perceber que essa fala veio em um momento de perda acentuada de popularidade do presidente. Não por outra razão, ele resolveu chamar a imprensa nesta segunda-feira, dia 18, para passar um pito pela ausência de divulgação do que ele considera serem seus feitos para recuperar a economia neste primeiro ano de governo.

O grande problema é que os fatos mostram um governo jurássico, com ideias retrógradas e medidas que há muito já se provaram equivocadas. Mais do que isso, guiado por uma convicção desconectada da realidade de que é um semideus, salvador do mundo e protetor dos fracos e oprimidos, o presidente tem se afastado de parceiros comerciais importantes e desestimulado investimentos produtivos por parte do setor privado.

E a pior de suas convicções (considerando que ele tenha de fato boas intenções) é a crença de que um Estado empreendedor sempre é capaz de criar riqueza na economia. Talvez por isso queira retomar a Eletrobrás do setor privado, controlar a Vale e usar a Petrobras como motor de investimentos no país. Só que infelizmente isso não é verdade.

Na realidade, o próprio governo do PT já nos provou que este tipo de investimento acaba sendo guiado por objetivos políticos, sendo pouco eficiente, totalmente suscetível à captura por grupos de interesse ou guiado pela corrupção. E pior, deixa como herança para a sociedade, dívidas elevadas e nenhuma riqueza. Basta lembrar de “mensalões” e “petrolões” da vida.

Em uma linha muito similar, o presidente tem insistido em medidas protecionistas, travestidas depolítica industrial, como o caso recente do setor automobilístico, uma de suas bases políticas. Aliás, esse setor receberá incentivos fiscais de aproximadamente R$ 20 bilhões até 2028. A pretexto de estimular investimentos e produzir carros menos poluentes, o resultado será o mesmo de programas como o Inovar-Auto, qual seja: restrição à concorrência e preços elevados para o consumidor.

E o pior é que o presidente tem falado em outros setores a serem beneficiados por este tipo de política pública, como naval, cujo histórico é deplorável, e mostra absurdos como a própria criação da Sete Brasil, que, em junho de 2016, entrou em recuperação judicial indicando um endividamento de 19,3 bilhões de dólares.

No fundo, o plano “Nova Indústria Brasil”, anunciado em janeiro deste ano, repete em larga escala erros do passado, com medidas que passam pelo uso de compras governamentais, requisitos de conteúdo local, empréstimos, subvenções, investimento público, créditos tributários e participação acionária (provavelmente do BNDES, que se tornou uma fábrica de monopólios durante os governos do PT).

Também temos observado propostas populistas e intervencionistas, como o programa Voa Brasil, que prevê passagens a R$ 200,00 para aposentados, pensionistas e estudantes de baixa renda, e o projeto de regulação de motoristas de aplicativos (PLP 12/2024). No primeiro caso, se levado à frente, o que o governo fará será criar um subsídio cruzado entre passageiros.

Já no caso do projeto de aplicativos, a falta de entendimento mínimo sobre o modelo de negócio utilizado levará, na melhor das hipóteses, à restrição do tamanho desse mercado. Isto porque as obrigações impostas elevarão os custos que, em alguma medida, serão repassados ao consumidor, que, por sua vez, reduzirá a demanda nesses mercados.

Mesmo quando acerta na direção, o governo Lula erra na forma de atuação. É fato que precisamos distribuir renda no país, mas simplesmente retornar com a política de elevações de salário-mínimo acima da inflação, sem considerar os ganhos de produtividade da economia, só acelerará a quebra dos municípios (cujas finanças estão debilitadas) e provocará no futuro aumento de inflação, gerando um efeito contrário ao esperado.

Da mesma forma, não há dúvida que precisamos investir em educação, mas a prioridade deveria estar nos ensinos fundamental, médio e até no técnico. Sair distribuindo recursos para alunos estudarem em universidades particulares de quarta ou quinta linha, que não agregam nada ou muito pouco em termos de conhecimento e capacidade laboral, equivale a simplesmente criar um “bolsa empresário para o setor de educação”.

E pior, os formados tendem a não conseguir gerar renda para pagar eventuais dívidas contraídas, como aconteceu no caso do Fies, que deixou um rombo de R$ 55 bilhões para o Estado. No mínimo, seria necessário estabelecer critérios rígidos de qualidade de ensino exigido, para que as faculdades particulares acessem esse recurso público.

Tivemos também um anúncio recente de que o governo pretende investir na expansão e interiorização do ensino técnico e profissionalizante. Mas sem um plano bem definido (com avaliação adequada do que o mercado demanda, objetivos bem delineados, a maneira de alcançá-los e uma boa gestão) também correremos o risco de transformar esse dinheiro simplesmente em um “bolsa empreiteiro”, com obras espalhadas por todo o país, sem professores e infraestrutura adequada.

Fato é que o desperdício de recursos e a ineficiência têm sido a marca dos seguidos governos do PT.

E dessa forma não há recursos que cheguem para contemplar a megalomania do nosso presidente, que insiste em jogar dinheiro fora com medidas que se mostraram totalmente equivocadas no passado.

Não por outra razão o ministro da fazenda, Fernando Haddad, tem corrido com o pires na mão para todos os lugares, objetivando aumentar ainda mais a nossa já elevada carga tributária. A dúvida que fica é se não seria Lula um tiranossauro rex voraz, que extrai, direta ou indiretamente, recursos da sociedade e do setor privado para contemplar alguns poucos beneficiários de determinados grupos de interesse escolhidos a dedo por ele.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 19/3/2024.”