quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

O PRESENTE AMARGO DE FIM DE ANO QUE NOSSOS PARLAMENTARES NOS DEIXARAM

Emendas parlamentares previstas para 2024 somam R$ 53 bilhões

Na última semana, foi aprovada a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2024 (PLN 29/2023). Nela estão previstas as receitas obtidas pela União e suas despesas incorridas para o exercício financeiro do próximo ano.

Há muito que se discutir sobre o orçamento para 2024 e a forma como se deu a alocação de recursos, mas meu foco neste texto está centrado em um tipo de gasto que me incomoda profundamente, principalmente por haver uma crença de que ele é necessário e salutar em uma democracia. Refiro-me às emendas parlamentares. 

Este tipo de despesa parece não representar muito diante de um orçamento federal de R$ 5,5 trilhões, mas, tanto pelo seu volume, como pela sua alocação, esses gastos tendem a ser ineficientes, criam incentivos perversos e distorcem o próprio processo democrático brasileiro.As emendas parlamentares previstas para o próximo ano totalizam um valor de R$ 53 bilhões, sendo R$ 36 bilhões impositivas (de execução obrigatória). Apesar das críticas do então candidato Lula no ano passado, o valor dessas emendas para 2024 é 37% superior ao orçado no ano passado para 2023. E, até o momento, o atual presidente empenhou, neste ano, um valor de emendas parlamentares 79% superior ao que Bolsonaro empenhou no seu último ano de governo.

Escuto muito o argumento de que essas emendas seriam legítimas na medida em que os políticos estão sempre em contato com suas bases e, portanto, conhecem melhor o que seus eleitores necessitam. Particularmente, acho esse argumento, no mínimo, questionável. E isso por, pelo menos, quatro razões.

A primeira delas é que, como é de conhecimento público, a liberação dessas emendas tem sido negociada na base do “toma lá dá cá”, distorcendo o processo democrático de discussão sobre assuntos de legítimo interesse público. Toda vez que o Executivo tem um projeto no Congresso de seu interesse, passa a usar essas emendas como moeda de troca com os parlamentares.

E a maior prova disso é que as concentrações de liberações de emendas ocorrem em momentos de discussões mais relevantes no Congresso. Não por outra razão, os parlamentares criaram o tal do instrumento da emenda impositiva, de liberação obrigatória, como forma de reduzir o poder de barganha do Executivo.

A segunda razão está relacionada à falta de uma análise razoável sobre a eficiência dos gastos associados a essas emendas. Não há qualquer critério técnico para suas respectivas escolhas e muito menos uma preocupação em avaliar alternativas de uso dos recursos públicos a elas alocados.

Em terceiro, há pouca transparência sobre o destinatário final das emendas. Só para se ter um exemplo, no Portal da Transparência do governo federal, há situações nas quais o Banco do Brasil aparece como beneficiário, apesar da mensagem especificando que “este favorecido é um intermediário que recebe o recurso e repassa-o para os favorecidos finais.” Ou seja, tentar rastrear o dinheiro gasto é uma tarefa hercúlea.

No fundo, presume-se que, em sua grande maioria, essas emendas têm características paroquiais e tipicamente eleitoreiras, sendo, muitas vezes, utilizadas como um trunfo em campanhas políticas, inclusive com cartazes ou placas nas respectivas cidades onde os recursos são gastos. Entretanto, pode haver mais do que isso envolvido, o que nos leva ao quarto ponto.

Uma boa parte desses recursos envolve a contratação de serviços ou obras públicas, cuja checagem da razoabilidade dos valores pagos muitas vezes não é trivial. Assim, dada a pouca transparência do verdadeiro destinatário final do dinheiro, nada impede que ele sirva para fins menos republicanos, como atos envolvendo corrupção, inclusive para financiamento de campanhas.

E, neste capítulo, não é difícil lembrar das constantes falhas, atrasos e outros problemas envolvendo os Tribunais de Contas por todo o país, no que tange à fiscalização do uso do dinheiro público. Para quem ainda acha que é pouco dinheiro, vale lembrar que os R$ 53 bi de emendas parlamentares para o próximo ano estão perto do valor de R$ 58,9 bilhões previstos nos orçamentos fiscal e da seguridade social correspondente aos investimentos públicos para 2024.

No fundo, o que criamos ao longo dos anos foi um ambiente propício para que o círculo vicioso de uso de emendas parlamentares como forma de se obter uma vantagem competitiva injustificável durante as eleições se replique e gere mais demandas por recursos públicos para este fim.

Devemos lembrar ainda que o impacto político desse gasto se torna tão mais relevante quanto mais carente for a comunidade que recebe esses recursos, na medida em que esse tipo de eleitor tende a perceber o político responsável pela emenda como uma espécie de “protetor do povo da região”, criando uma falsa sensação de dependência.

Por outro lado, potenciais novos candidatos a parlamentares não têm acesso a este instrumento e acabam entrando no processo competitivo eleitoral em desvantagem com relação aos políticos já consolidados. E isso só tende a se agravar com o aumento dos valores envolvidos.

Em última instância, seja porque distorcem o debate democrático no Congresso, seja porque criam uma assimetria competitiva durante as eleições ou, mesmo, porque geram um efeito alocativo ineficiente dos gastos públicos, essas emendas deveriam ser limitadas em valor e às originárias nas comissões técnicas da Câmara e do Senado, onde há ao menos um debate público que as antecede e têm um caráter um pouco mais técnico.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 28/12/2023.”

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

DISCURSO PETISTA INDICA QUE O PARTIDO É O PIOR INIMIGO DO GOVERNO LULA

Resta saber qual o caminho que o nosso presidente pretende seguir desta vez

Durante a reunião do  Diretório Nacional do PT realizada no dia 8 de dezembro em Brasília, o partido deu sinais claros de que não aprendeu nada com o passado e que continua sem qualquer compromisso com uma agenda positiva para a economia brasileira que nos permita retomar o crescimento econômico.

A falta de compromisso começa pelo deputado José Guimarães (PT-CE), que afirmou que, se tiver que fazer déficit para vencer as próximas eleições, que assim o seja. Mas o mais grave foi a frase da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que disse que o país “precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal”.

Esse ataque direto ao pouco de racionalidade econômica que ainda existe dentro do governo ficou também refletido no documento final apresentado pelo PT. Um delírio megalomaníaco, tornando praticamente impossível acreditar nas palavras do ministro da Fazenda Fernando Haddad, que vive afirmando que o atual governo tem compromisso com o equilíbrio das contas públicas.

E tudo isso sem falar dos ataques ao Centrão, composto por partidos que dão sustentação ao atual governo, e da costumeira terceirização de responsabilidades por atos próprios que levaram o país ao caos que vivemos até hoje. Ou seja, mais do mesmo.

Em vez de facilitar a formação de um consenso mínimo que permita ao governo implementar medidas para a retomada do crescimento econômico, o PT continua a criar fricções desnecessárias, sendo que uma parte dos seus principais líderes continua a agir como se fossem diretores de um centro acadêmico.

O controle das contas públicas não é uma questão ideológica, mas sim uma necessidade que se impõe a qualquer país que pretenda ter um crescimento econômico sustentável e realizar políticas públicas que beneficiem as camadas mais pobres da sociedade.

Mais do que isso, controlar gastos não significa não gastar. Trata-se apenas de escolher para onde direcionar os recursos arrecadados de uma maneira eficiente. E talvez aí esteja o grande problema, a falta de prioridade que atenda aos anseios da sociedade, fato confirmado pela própria fala do deputado José Guimarães.

Juntando-se a isso a falsa ideia de que qualquer gasto público cria necessariamente desenvolvimento econômico, temos o ingrediente perfeito para chegarmos ao desastre econômico e social que chegaram  Argentina e, em pior grau, Venezuela.

Em verdade, com exceção daqueles gastos envolvendo as funções típicas do Estado (saúde, educação, segurança pública e que envolvam assistência social) ou que são condição sine qua non para a atração de investimentos privados, os demais gastos públicos tendem a ser ineficientes ou a gerar uma distribuição de renda negativa (via desperdício de recursos ou mesmo por meio de corrupção).

Mais do que isso, a arrecadação tributária derivada desse gasto público ineficiente nunca é suficiente para fechar as contas do governo, exigindo, portanto, elevação de impostos. E isso, em última Página | 2instância, implica retirar dinheiro da sociedade, que poderia ser alocado de uma maneira produtiva e mais eficiente. Ou seja, reduzimos a capacidade do país de gerar renda, emprego, etc.

Claro que alguém poderia dizer que esse gasto sempre pode ser financiado também via emissão de títulos públicos (e, consequentemente, com o aumento da dívida pública). Só que, com isso, criamos outro tipo de problema. Quanto maior for a dívida pública, maiores serão os juros pagos a cada período, elevando assim constantemente o déficit nominal (que incorpora também os juros pagos) e criando um círculo vicioso que tende a ser explosivo.

Ademais, uma dívida com uma trajetória crescente sinaliza que existe um risco de que, em algum momento, o governo não terá como honrá-la. Com isso, os financiadores do governo (detentores de títulos públicos) exigirão taxas de juros cada vez mais elevadas, novamente retroalimentando esse processo de crescimento da dívida.

E isso sem falar que a  elevaçãodas taxas de juros também terá um impacto negativo sobre a atividade econômica, implicando menos investimento, consumo, emprego e reduzindo, inclusive, a arrecadação do Estado. Novamente o círculo vicioso se reforça.

No limite, ao longo do tempo, só restará ao governo a alternativa de monetizar a economia (emitir moeda) para financiar esse processo, gerando o “pior e mais regressivo” de todos os impostos: o imposto inflacionário. E, neste caso, só restará ao Banco Central manter a taxa de juros primária elevada para controlar a inflação, algo tão criticado pelo próprio governo.

No fundo, a inflação é o resultado de um “vício” (alimentado implicitamente pelo descontrole fiscal financiado por emissão de moeda) que corrói o poder de compra da população, empobrecendo a todos, principalmente aos mais pobres, que não têm mecanismos de proteção financeira. E é exatamente isso que aconteceu com Venezuela e Argentina. Na Argentina, o nível de pobreza atinge hoje 40% da população e no caso da Venezuela, esse número chegou a ultrapassar os 90%.

As novas gerações não passaram por isso, mas é bom lembrar que o Brasil já viveu um processo de hiperinflação na primeira metade da década de 90, sendo que, em abril de 1990, a inflação acumulada de 12 meses chegou a 6.821,23%. E ela só foi debelada com a implantação do Plano Real, cujo principal crítico foi o PT, exatamente por ter como um dos pressupostos o controle das contas públicas.

Resta saber qual o caminho que o  nosso presidente pretende seguir desta vez. Fazer o que deve ser feito e preparar os alicerces para a retomada do crescimento econômico ou ficar preocupado apenas em eleger correligionários e levar o país para um caminho semelhante aos de nossos vizinhos.

“Texto publicado originalmente no portal IG em 13/12/2023.”